Não odiamos carros
Até que morte os separe… na vida a dois de vez em quando este juramento acaba se tornando realidade; de vez em quando.
Mas como se costuma dizer, ou você casa ou compra uma bicicleta, e vem a piada pronta: mais fácil e seguro comprar uma bicicleta. Aliás, é muito mais provável que você vá terminar uma vida longa, feliz, livre e sadia com ela, a bicicleta. Eu disse terminar a vida com ela e não por causa dela, a bicicleta; vale aqui o mesmo que num casamento.
Na vida real, incluindo a dos casamentos, é muito mais normal passar toda a vida num automóvel, num posto de gasolina, num congestionamento, e mesmo quando uma maravilhosa vida de casado os separe, nem o rabecão, o último automóvel de todo ser humano, escapará do congestionamento.
A verdade é que por mais desejado que seja, por mais difícil que tenha sido pagar, por mais amado enquanto o tanque de gasolina está cheio, a estrada vazia e sem pedágio, é muito raro o casamento com um automóvel acompanhar seu dono até que a vida os separe.

Normalmente ele, automóvel, se vai antes. Automóveis, como tudo nesta vida, têm obsolescência programada. Cuidar de um carro por toda a vida, até ele se transformar em chapa preta, ou de colecionador, demanda muitos gastos, muitas horas dedicadas, muita briga no outro casamento, o de véu e grinalda.
Desconheço quem realmente odeie o automóvel. Tem muita gente que fala que odeia da boca para fora. Na hora “h” abre a porta e se senta feliz e confortável para seguir viagem. Ufa! Não é um amor, até tem quem realmente ame, via de regra são amantes, o dono e o automóvel, aqueles ou aquelas que podendo fecham a porta, ligam o ar-condicionado e estão felizes e afivelados a eles, automóveis, até que a viagem acabe. Parecido com a cerveja gelada entregue no sofá frente a TV.

Óbvio que chegando, de automóvel, no bar vai xingar a lata de sardinhas, assim como reclamará da pergunta da esposa em pé ao lado do sofá exatamente na hora do gol. Mas casamento com eles, automóveis, até que a morte os separe, ter um para chamar de seu, só seu, ter que cuidar, lavar, abastecer, polir, fazer balanceamento, trocar filtros, gastar com ele, epa, gastar, gastar, gastar, nestes momentos vem o “eu odeio o automóvel”. Mais ou menos parecido com o “meu bem, vai rápido, preciso usar o banheiro”.
Agora veio esta nova geração que tem outros olhos para todo tipo de casamento, principalmente com o automóvel, cada vez mais utilitário, cada vez menos eu odeio ou amo, mas eu fico, uso e usurpo enquanto preciso. Pode-se dizer “bye bye american way of life” até mesmo lá, no país do automóvel, os EUA, onde “o nada vai nos separar”, a total dependência do bi-bi fon-fon, está cada dia sendo mais questionada.
A relação umbilical de nossa sociedade com o automóvel não é só uma questão de amor e ódio, mas também de pura praticidade. Automóvel funciona. Quando não funciona, troca, vende ou descarta, mas com um por perto a disposição. Queira ou não queira, automóvel é necessário.
Já a relação com as bicicletas, esta é outra história. Se decidimos não trocar alianças com véu e grinalda no altar perante o padre, padrinhos e todos os convidados, com certeza alguma vez na vida vamos ter que trocar um pneu furado da bicicleta, que no final das contas tem a mesma forma e simbologia de uma aliança.
