Trocando óleo por árvores

O carbono, como conhecemos, tem sido um material disruptivo, que nos últimos 20 anos mudou a indústria de bicicletas para sempre. Tornou-os mais leves, rígidos e aerodinâmicos, e trouxe novas formas antes inimagináveis. No entanto, também é incrivelmente sujo e difícil de reciclar. Nestes tempos de consciência ambiental, uma nova revolução é necessária e pode estar em andamento: a fibra de carbono de base biológica pode ser o futuro do ciclismo. Várias empresas já estão trabalhando para torná-la uma opção viável. 

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Fibra de carbono

 poliacrilonitrila

A tradicional fibra de carbono que todos conhecemos é obtida a partir da poliacrilonitrila, substância que por sua vez vem do petróleo. Este é aquecido a temperaturas extremamente altas na ausência de oxigênio, de modo que todos os átomos não-carbono sejam removidos. Isso gera filamentos muito finos entre 5 e 10 mícrons (um décimo da espessura de um cabelo humano) que são 5 vezes mais resistentes que o aço e duas vezes mais rígidos.

Mas a coisa não para por aí: então eles devem ser unidos por meio de um polímero (um plástico, afinal) que funciona como uma cola, e que também deve ser submetido a pressões e temperaturas extremas para que adquira suas propriedades. Como você pode ver, tudo isso implica não apenas no uso de combustíveis fósseis como matéria-prima, mas também em enormes quantidades de eletricidade e um processo muito complexo e caro; o que, aliás, explica os altos preços dessas bicicletas, e que ainda é um setor minoritário: a produção mundial é de apenas 150.000 toneladas por ano, para cerca de 1.800 milhões de toneladas de aço.

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Impacto ecológico

Voltando a questão do impacto ecológico, no ano passado, a Trek apresentou seu primeiro Relatório de Sustentabilidade, e nele afirmou que uma bicicleta de carbono emite três vezes mais CO2 do que uma de alumínio. E que o alumínio já é uma indústria eletrointensiva, não exatamente limpa. Perante esta situação, várias empresas e instituições procuram alternativas ‘mais verdes’ para reduzir as emissões, uma vez que não só as bicicletas se tornaram ‘viciadas’ em carbono nos últimos anos. Carros, aviões, helicópteros ou turbinas eólicas já utilizam partes desse material, que está sendo testado até na construção.

E o foco é o que se chama de fibra de carbono biológica; ou seja, aquela que vem das plantas, ao invés de ser um derivado do petróleo. Uma das possibilidades mais avançadas está na lignina, que é um dos compostos que conferem resistência aos troncos das árvores. Acontece que, além disso, a lignina é um subproduto da fabricação da pasta de papel, então sua extração seria muito barata e sustentável (aliás, uma das empresas que está desenvolvendo essas tecnologias é a finlandesa Stora Enso, com seu NeoFiber). Digamos que já esteja lá, mas não está sendo usado.

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Mais limpa e mais barata?

Mas essa não é a única vantagem da fibra de carbono ‘bio’. Também permitiria reduzir entre 20% e 30% as emissões necessárias para seu tratamento, segundo o Instituto Alemão de Pesquisa em Têxteis e Fibras de Denkendorf (perto de Stuttgart), um dos envolvidos nessa nova revolução. Isso significa que ainda seria duas vezes mais “sujo” que o alumínio, mas o progresso seria enorme. Isso pode até fazer o preço final do material cair; e o atual aumento dos preços do petróleo e da energia apenas reforçam essa ideia. Outra tecnologia que aspira conseguir isso, como já se tem falado, é o carbono grafítico.

Finalmente, temos que considerar os impostos e penalidades que muitos governos já preparam para as indústrias que mais emitem. O que pode levar muitos a procurar alternativas nos próximos anos. Sem ir mais longe, outra empresa que está investigando é a multinacional química Solvay, que anunciou um acordo com a empresa especializada Trillium para começar a produzir fibra de carbono a partir da acrilonitrila, que também vem de plantas. A propósito, como uma consequência inesperada, isso poderia encorajar muitos a seguir os passos da Bianchi e trazer a manufatura de volta para a Europa, acabando com o quase monopólio asiático.

Porém, nem tudo que reluz é ouro. Segundo o instituto alemão citado acima, por enquanto o carbono biológico que vem sendo fabricado é de qualidade inferior ao derivado do petróleo. Portanto, ainda não está pronto para ser usado em bicicletas, mas seria usado em aplicações de baixo e médio espectro. Por exemplo, a Stora Enso (juntamente com sua sócia Cordenka) pretende alocar sua energia para a indústria eólica, que responde por 20% do mercado de carbono.

O dilema com a reciclagem da fibra de Carbono

Além disso, o fim da vida útil das bicicletas e outras peças de carbono é um grande quebra-cabeças. Tal como acontece com muitos outros materiais plásticos, é praticamente impossível reciclar (ao contrário de metais como aço ou alumínio, que são simplesmente derretidos e prontos para serem usados ​​novamente). Existem alguns métodos inovadores, mas ainda são extremamente caros, e ainda por cima as fibras acabam se degradando após alguns ciclos. Como muitas vezes também não podem ser queimadas, a maioria dos quadros acaba enterrada em antigas minas agora abandonadas, segundo especialistas; algo que você provavelmente não sabia. Não está claro que as novas fibras ‘bio’ possam fazer alguma coisa para resolver este problema, mas certamente seria interessante se pelo menos começássemos a reduzir a pegada de carbono das bicicletas.

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