“No tempo da vovó e do vovô é que era bom, amor havia mesmo e muito amor era bom-tom. Vovô não tinha nada, era um João-ninguém, vovó gostava dele e estava tudo muito bem. Mas hoje é diferente, o amor é bossa nova, se o moço ganha bem, aí então papai aprova, e se ele tem carro e muita grana é bem melhor, como tudo é diferente dos bons tempos da vovó”.

(Música “No tempo da vovó”, de Reginaldo Bessa)

A cena de um ciclista urbano utilizando a bicicleta como meio de transporte, com roupas normais, de trabalho ou passeio, já foi comum em épocas passadas. Apesar do termo cycle chic ser bastante recente, o conceito já foi moda e está apenas sendo recuperado, revivido. A busca por revivê-lo está ligada a diversos fatores.

Relembrar o que um dia foi inovador, inusitado, revolucionário, moda. Reverenciar aquilo que foi criado em uma época diferente, sem os recursos que se tem hoje, mas que se mantêm por décadas no mercado e continua encantador e eficiente. Atualmente, o estilo retrô ou vintage é uma tendência.

No mercado ciclístico, empresas têm lançado bicicletas e acessórios relembrando o que já foi o padrão nesse mercado. Por que esse estilo encanta tanto?

Retrô x Vintage

Primeiro, é interessante dizer que retrô e vintage não são sinônimos. Um produto ou estilo vintage é aquele que continua no mercado, mais ou menos da mesma maneira como foi lançado, sem grandes mudanças no decorrer do tempo. É o caso, por exemplo, da embalagem e logotipo do refrigerante Coca-Cola.

O termo vintage é uma palavra inglesa formada por “vint”, do latim vinum, que significa vinho, e “age”, que é idade em inglês. No século XVIII, era utilizado como referência ao ano em que foi feito um vinho, mas com o passar do tempo, o termo começou a ser utilizado para se referir a algo antigo e bom, um clássico de importância ou qualidade reconhecida. O conceito de vintage se refere à ‘manutenção de uma boa safra’.

Já o estilo retrô se aplica ao produto que é novo, com tecnologia atual, mas com formato de produtos antigos, por exemplo, um cd player com entrada USB em formato de vitrola, referenciando a época em que a música era tocada em discos de vinil, mas com suporte para todas as inovações de agora. A palavra “retrô” deriva do prefixo latino retro, que significa “para trás” ou “em tempos passados”.

Ou seja, uma peça vintage é original, como foi concebida, e uma peça retrô é uma releitura, um produto atual que buscou inspiração em décadas passadas. Conforme exemplifica Morgana Brota, de Aracaju-SE, estudante de jornalismo que mantém um blog sobre moda, “o retrô se manifesta quando vemos tendências que, mesmo repaginadas, remetem a outras décadas. Em 2012, por exemplo, tivemos a volta do peplum, aquele babadinho que envolve a parte da cintura e do quadril, eternizado com o “New Look”, de Christian Dior, ainda na década de 40. Já o vintage é aquela peça criada noutra época. Quem curte o estilo, geralmente inclui brechós e bazares no seu roteiro de compras pela possibilidade que esses locais oferecem de comprar um vestido original da década de 70, por exemplo”.

Ou seja, uma peça vintage é original, como foi concebida, e uma peça retrô é uma releitura, um produto atual que buscou inspiração em décadas passadas. Conforme exemplifica Morgana Brota, de Aracaju-SE, estudante de jornalismo que mantém um blog sobre moda, “o retrô se manifesta quando vemos tendências que, mesmo repaginadas, remetem a outras décadas. Em 2012, por exemplo, tivemos a volta do peplum, aquele babadinho que envolve a parte da cintura e do quadril, eternizado com o “New Look”, de Christian Dior, ainda na década de 40. Já o vintage é aquela peça criada noutra época. Quem curte o estilo, geralmente inclui brechós e bazares no seu roteiro de compras pela possibilidade que esses locais oferecem de comprar um vestido original da década de 70, por exemplo”.

Morgana Brota

O encantamento

Valorizar o estilo retrô e vintage é uma tendência, não só entre os ciclistas, e que atende um nicho específico. Como avalia Morgana Brota, “hoje, há uma espécie de supervalorização do ‘antigo’ pelo ar de exclusividade e pelo toque de personalidade que ele confere. Mas nem todo mundo é adepto ao estilo e, entre os próprios ciclistas, podemos identificar diferentes perfis, por exemplo, aqueles que usam bikes de última geração e pedalam munidos de aplicativos, computador de bordo etc.”.

Felipe Aço

Para o psicólogo Felipe Aço, de Porto Alegre – RS, “o conceito retrô e vintage em uma perspectiva estética tem a ver com uma releitura ou re-interpretação de um estilo, moda ou objeto que já foi contemporâneo há uma ou várias gerações. Esta releitura parece cativar uma parcela cada vez maior da população. Em primeiro lugar, podemos pensar que um dos primeiros mecanismos psicológicos do ser humano é a identificação, isto é, o modelo em que desde a primeira infância a criança se espelha para, junto com suas características genéticas e constituição social, formar aquilo que conhecemos como personalidade. A identificação nada mais é do que o reconhecimento de que somos parte de um universo já existente e que não ‘reinventamos a roda’ a todo o instante, mas usamos o que aí está como modelo. Por outro lado, se fixássemos a nossa personalidade na identificação que leva à imitação, não haveria transformação, muito menos evolução. Há uma necessidade de distinção em cada um, o que em psicologia se chama singularização. Temos necessidade de nos identificarmos na mesma medida da necessidade de nos singularizarmos. O estilo retrô talvez seja a síntese desse processo, pois expõe uma identificação que, por vezes, vai além daquela geração de nossos pais e reencontra duas ou três gerações passadas para ressignificá-la de uma forma única, singular. O que está em pauta nesse estilo é a dinâmica da identidade. Precisamos associar e distinguir constantemente”.

Há vários fatores motivadores dessa supervalorização do ‘antigo’. Os produtos retrô e vintage representam outra época, que em nossa mente fica caracterizada como mais tranquila, delicada, original e simples, diferente de como é hoje. Há um saudosismo que leva ao resgate do passado, de coisas que nunca saem de moda, como a bicicleta, e até um apelo emocional por assimilar o produto à própria história de vida, relembrando momentos felizes ou aguçando a curiosidade por tentar imaginar como era a vida e o consumo em outra época.

Em nossa sociedade, tudo muda frequentemente, tudo é copiado imediatamente, a todo momento surgem ‘meias novidades’, em uma velocidade incompatível com o suprimento de nossas necessidades. O estilo retrô e vintage é uma forma de fugir desse cenário descartável e rememorar uma época em que, na nossa visão de agora, parecia se ter mais tempo para fazer tudo com capricho e equilíbrio. É o que acontece com quem escolhe pedalar cycle chic, por exemplo. Morgana revela que “a ideia de adotar a bicicleta como meio de transporte me atrai pela sensação de liberdade que ela traz. Também acho que no trânsito, o ciclista é visto como um ser humano, como alguém com estilo e identidade próprios, diferente do motorista que, geralmente, é visto apenas como mais um carro na rua”.

Em se tratando de moda, um toque de nostalgia é elegante. Produtos antigos fizeram parte da vida de várias gerações e essa identificação torna quem é adepto ao estilo mais acessível e bem recebido. Esses produtos são um porto seguro, são o que todos já conhecem e sabem como lidar. Não que hoje nada seja bom, mas não dá para ignorar o que já foi e as boas lembranças que ficaram. Não significa prender-se ao passado, tampouco ignorá-lo.

A busca pela conservação do que já foi revolucionário e moda é uma tendência também porque hoje tudo tende ao virtual. Estamos o tempo todo conectados, com tudo disponível a alguns cliques de distância. Não é mais preciso sair do computador para brincar, conversar, estudar e tantas outras coisas que se possa imaginar. É possível fazer tudo sem se levantar da cadeira e isso não é saudável. Magu, sócia da empresa Labici, de São Paulo – SP, e Bruna Cardoso, colaboradora da empresa, afirmam que “o estilo retrô e vintage faz sucesso porque remonta ao clássico. Está ligado a um período associado a produtos bem feitos, com qualidade, e também a um estilo de vida em que as pessoas tinham mais equilíbrio entre trabalho, lazer e família. Por isso, é algo que permanece no tempo”.

Magu

Magu fala sobre a motivação para que a sua empresa aderisse a produtos clássicos. “Queríamos incentivar o uso da bike nas grandes cidades, que estão saturadas de carros e precisam se reinventar para valorizar o cidadão e os espaços comuns. A bicicleta promove um reencontro com a cidade. Ao invés de apenas olhar para o veículo à frente, o ciclista sente o vento, toma o sol no rosto, entra em um parque ou admira um desenho feito em uma parede qualquer. Mas, para isso, tínhamos que ter um produto em que as pessoas se sentissem prontas para qualquer ocasião. As bikes e acessórios retrô e vintage são autênticos e fazem com que o ciclista preserve sua individualidade e estilo, o que nos parece ser um anseio daqueles que vivem nas grandes metrópoles. Esse estilo está intimamente ligado à valorização do cenário urbano e a identificação é mais do que natural. Quando pensamos nesse estilo, referimo- nos ao desenvolvimento das cidades, aos homens bem vestidos e gentis no trato, às artistas glamourosas de Hollywood, à família que se reúne no final do dia e discute os avanços tecnológicos, lembramos de produtos que zelavam pela qualidade e design, ou seja, é um universo urbano por si só”.

Maria Isabel

A Odomo Bikes, de Bom Princípio – RS, também lançou um modelo de bicicleta clássico. Maria Isabel, gerente comercial da empresa, conta que “em 2010, em uma viagem para a Eurobike, na Alemanha, vimos que a bike estilo clássico é muito utilizada na Europa, caracterizada como uma bike urbana utilizada para ir ao trabalho ou mesmo para lazer, atendendo um nicho de mercado que procura utilizar a bicicleta de uma maneira mais estilizada”.

Quem sabe a ideia de rememorar épocas antigas não nos traga cidades sem tantos carros e com muitas bicicletas.