“Há quanto tempo você pedala?” – essa pergunta soa para mim como “quantos anos você tem?”. E eu costumo responder: “desde sempre”, pois o tempo é quase que o mesmo!

Fazendo as contas corretamente, lembro de uma bicicletinha marrom que ganhei quando tinha uns quatro anos e, desde então, nunca mais parei. E acho que poderia ser assim com todos. Não importando a idade, região, condição física ou financeira.

Costuma-se dizer que a praia é o ambiente mais democrático que existe, e é verdade, mas os passeios (e até as competições) de bicicleta não ficam muito atrás. Quando estamos numa bicicleta, tudo parece mais equilibrado, somos mais parecidos uns com os outros, andamos quase que na mesma velocidade, as sensações são percebidas de forma semelhante – cheiros, temperatura, vento, poeira…

© Andrei Helayel

Arrisco dizer que até as recordações são muito parecidas – a primeira bicicleta, a primeira vez sem rodinhas – tirava-se a rodinha auxiliar de um lado e, depois de um tempo, a do outro (atualmente, temos as bicicletas de equilíbrio, que são uma grande sacada!) -, o primeiro tombo, as brincadeiras…

Lembro-me bem de quando passei a andar sem rodinhas. Havia feito inscrição para uma competição na escola e estava morrendo de vergonha porque ainda não sabia andar sem rodinhas. Coloquei na cabeça que aprenderia até a data da prova. Treinava todos os dias, com a ajuda do meu pai e alguns amigos maiores, que me empurravam e me soltavam enquanto eu tentava manter o equilíbrio. O dia da prova havia chegado e naquela mesma manhã eu consegui andar sem as rodinhas, com autonomia e até com alguma desenvoltura! Por incrível que pareça, cheguei em segundo lugar (melhor colocação em provas até hoje! rsrs). E não é que o primeiro colocado foi desclassificado e eu fiquei com o prêmio?!

© Andrei Helayel

Mais de quarenta anos se passaram e lembro de cada bicicleta que passou pelas minhas mãos. E até das que não passaram. Cada uma teve sua fase. Passei a infância na região serrana do Rio de Janeiro, onde a criançada se divertia das mais diversas formas, mas a bicicleta sempre esteve presente; às vezes, apenas como um meio de se chegar até o local da brincadeira; em outras, ela era a brincadeira em si, quando brincávamos de “chefinho”, onde todos seguiam o líder que, normalmente, era um dos mais velhos da turma, e tentávamos copiar tudo o que ele fazia. Os tombos eram inevitáveis.

Conforme a gente crescia, ajustávamos a bicicleta ao nosso crescimento e começou a fase das modificações e adaptações. Inventávamos de tudo! E, da mesma forma, o mercado de bicicletas também crescia. Começaram a surgir mais modelos, mais acessórios e opções de cores. E veio o boom do bicicross! Qualquer terreno baldio virava uma pista, assim como qualquer degrau, uma rampa. Nem todos conseguiam ter aquela bicicleta dos sonhos, como a do filme “E.T. – O Extraterrestre”, mas alguns de nós já tínhamos mais acesso a peças melhores e as gambiarras foram se sofisticando. De tanto mexer nas bicicletas, a gente foi aprendendo e tomando gosto pela coisa. Nessa época, a minha família se mudou para o litoral fluminense, e a bicicleta continuava sendo um objeto de desejo da meninada, mesmo com a concorrência do surf e dos anos turbulentos da adolescência!

© Andrei Helayel

E foi mais ou menos no fim desta fase que um grande marco surgiu para muitos de nós, ciclistas brasileiros: a chegada do mountain biking! Uma bicicleta que combinava robustez com versatilidade e reunia tudo o que precisávamos para voltarmos a brincar como crianças. Vendi (quase) tudo o que tinha, inclusive a minha Peugeot Turismo, para comprar a minha primeira MTB. Desde então, o mercado foi se sofisticando de forma rápida e eu tentava fazer upgrades na minha bicicleta. Eu dedicava tempo e dinheiro; ela era o meu orgulho. Na época, eu não sabia explicar, mas hoje vejo que ela representava uma liberdade sem igual! Eu ia com ela para todos os lugares. Visitava os amigos, ia à praia, à faculdade… por falar nisso, eu a levava para dentro da sala de aula, com medo de que fosse roubada. No final do dia, estava coberta de pó de giz. Sem falar dos amigos que a pegavam para dar umas voltas no corredor da escola de engenharia. Costumo dizer que ela se formou antes de mim, pois prestava mais atenção nas aulas do que eu!

Mas divertido mesmo era quando eu saía na “noitada” de bicicleta e “ficava” com alguém. Eu sempre oferecia carona e na hora de ir embora ou esticar um pouco mais, as meninas não acreditavam e se recusavam a ir de bicicleta. Só uma curtiu a ideia! Mas eu não deixava de sair de bicicleta por causa disso.

Nessa mesma época, comecei a viajar de bicicleta. Mal equipado, com pouca grana e sem planejamento algum, juntava uns amigos e saíamos para desbravar as estradas: 25 km parecia muito, mas logo já estávamos viajando por mais de 250 km. Subíamos as serras, viajávamos pelo litoral. E chegando no destino, descobríamos que havia muito mais o que ver e a bicicleta sempre nos permitia ir além. Acho que foi daí que percebi que eu poderia fazer tudo “de e com” a bicicleta. Trabalhar, inclusive!

Passei a ir ao trabalho de bicicleta, apesar de causar um certo espanto nas pessoas. Mas o que é de espantar é o tempo que se perde no trânsito.

© Andrei Helayel

Trabalhei em muitas empresas e fui transferido para outras cidades algumas vezes. Foi numa destas transferências que vi na bicicleta uma oportunidade de negócio. Em 2007, fui morar no Brooklyn, em São Paulo. Notei que a região, apesar de predominantemente residencial, tinha um comércio pulsante, muitas empresas estabelecidas por ali e, consequentemente, um trânsito intenso durante a semana. Eu morava muito perto e ia a pé para o trabalho e isso me incomodava, pois queria ir de bicicleta. Foi aí que imaginei unir o útil ao agradável: por que não usar a bicicleta para atender às demandas de toda essa gente nesse bairro?! Restaurantes, cartórios, bancos, escritórios, comércio em geral, havia tudo isso ali, mas todos viviam com pressa e presos às suas agendas ou no trânsito. E, de bicicleta, eu poderia fazer entregas e prover serviços de forma ágil e sustentável e ainda contribuir para um trânsito menos caótico. Mas não foi dessa vez… Outra transferência surgiu antes que eu pudesse materializar a ideia.

“Quando estamos numa bicicleta, tudo parece mais equilibrado, somos mais parecidos uns com os outros, andamos quase que na mesma velocidade, as sensações são percebidas de forma semelhante – cheiros, temperatura, vento, poeira…”

No entanto, mesmo tendo uma carreira executiva consolidada e com perspectivas de crescer ainda mais, o desejo de viver “da e com” a bicicleta só aumentava. E depois de ter passado por outras quatro empresas e ter sido transferido por mais duas vezes, vivendo confinado em escritórios, sem ver o dia passar lá fora, com muitas viagens, tendo que atender a demandas dos quatro cantos do mundo, nos mais diversos fusos, em três idiomas, finalmente foi possível conciliar a saída do emprego com a abertura da minha empresa de entregas sustentáveis! Resolvi abrir uma franquia de uma empresa consolidada no setor, que já atua no mercado de entregas sustentáveis há mais de cinco anos, por acreditar e ter comprovado que o modelo de franquia pode trazer benefícios mais rapidamente para os clientes, funcionários e para mim.

Como já estava morando em Blumenau há pouco mais de um ano e a minha família adorou a cidade, decidimos começar o negócio aqui. E isso ocorreu justamente num momento em que nunca se falou tanto em mobilidade na cidade.

Junte-se a isso um aumento nos investimentos locais, principalmente em serviços e de empresas do ramo de alimentos e produtos naturais, que oferecem o benefício do delivery, uma população preocupada com o seu bem-estar e temos a condição mais favorável para contribuir com uma cidade mais humana, limpa e sustentável.

Fazendo as entregas de bike, conseguimos chegar mais rápido, sem ruídos e sem interferir de forma negativa no trânsito. Além disso, a cultura da bicicleta vem se fortalecendo por aqui. Vemos o surgimento de diversos grupos que organizam passeios durante toda a semana, bem como de novos empreendimentos na área, e a identificação das pessoas com a nossa proposta de trabalho é muito forte. Elas se sentem bem quando veem que a sua encomenda chegou de bicicleta; de alguma forma, elas sabem que estão contribuindo para uma cidade melhor e se tornam parte da solução!

© Andrei Helayel

Ainda há muito o que conquistar no que diz respeito aos diversos usos da bicicleta e à mobilidade em geral, mas a cada entrega, tenho a certeza de que estamos contribuindo para um mundo melhor.

Hoje, vejo-me como tendo “tirado as rodinhas”, mas assim como na infância, encarei o desafio de buscar o equilíbrio e poder seguir em frente. Sinto-me com o mesmo vigor da criança que fui, mais feliz e com uma vida de novas descobertas, adaptações e aprendizados.

Agora, quando alguém me perguntar há quanto tempo eu trabalho, por analogia, vou responder: “desde sempre”, afinal, trabalhar e andar de bicicleta, para mim, é quase o mesmo!