Mais um texto difícil de escrever, porque a vontade é de gritar.

Enquanto a grande mídia anuncia mais um “acidente com morte” nas ruas da maior cidade da América do Sul, nós quase não sabemos expressar a sensação que nos toma ao saber que mais uma ciclista, (sim, mais uma mulher que anda de bicicleta porque ela PODE), teve a vida ceifada por um condutor de veículo automotor.

Nossa colega, cicloativista e pensadora das desigualdades territoriais na cidade, Marina Kohler Harkot, de tão somente 28 anos, foi a vítima da vez.

Estaria o condutor do veículo automotor “não consciente”, desprovido de consciência?

De significado tão potente e amplo, a consciência pode ser considerada um conhecimento que cada sujeito tem daquilo que se passa dentro e fora dele.

Ou seja, ela inclui a relação do sujeito com uma determinada realidade, os outros e o meio.

Derivada do latim conscientia, de maneira invulgar a expressão ‘consciência’ traduz o conhecimento que se possua de algo partilhado com alguém.

Então, é fato que a consciência inclui a mim, aos outros, nossas decisões, a realidade possível e ao todo que nos cerca.

Assim é o sistema trânsito. Ele exige, por lógica e por risco, que sejamos, todos, conscientes.

Este sistema trânsito é ‘algo partilhado com alguém’, não é verdade? E, todos, devemos ter consciência deste limitante.

Falando em limites, a liberdade, por sua vez, não é um direito individual, senão, um direito particular e sua relação com os demais.

Ser livre é saber incluir os outros.

Assim é o sistema trânsito, mais uma vez. Ou melhor, assim deveria ser o sistema trânsito.

Então, clamar pelo cessar da violência no trânsito é chamar à consciência todo sujeito que se julga habilitado a conduzir pelas ruas, estradas, avenidas e outras estruturas que atendem à demanda exclusiva automotor.

Algo nesta lógica precisa mudar, urgentemente.

Sim, e isto é claro, porque jamais soubemos de um caso sequer onde um(a) ciclista tenha atropelado voluntariamente vários carros com seus ocupantes, indefesos dentro deles, e os levado à morte ou os deixado inválidos. Isto é uma distopia.

A consciência pode, a priori, parecer ilógica para muitos, principalmente para aqueles que se manejam e se balizam pelo senso comum.

O mesmo senso comum que continua chamando o que nos destrói a todos de ‘acidente’.

E, por favor, não se trata de imprudência, meu senhor, pois a prudência é uma virtude, cujo significado vem do termo grego phronésis, que é uma espécie de sabedoria prática, sabedoria do agir, para o agir e no agir. Portanto, a palavra imprudência não nos cabe neste momento e fato.

Se trata, concluímos, de ignorância.

De ignorar aos outros, suas vidas, as regras e normas que nos regem, as leis que envolvem a todos.

Se trata de ignorar a vida.

E apenas alguém que não tem consciência ignora a vida.

A Revista Bicicleta silencia em respeito à família de Marina e das milhares de vítimas de trânsito atingidas por quem ignora a vida.

Por Therbio Felipe