Das infinitas lonjuras árabes aos recônditos dos espaços científicos europeus do século XVII, representando os valores da Era das Razões, eis que emerge a altiva presença desta iguaria que incentiva a sobriedade e a iluminação das ideias. O historiador francês Jules Michelet dizia que se tratava do “poderoso alimento do cérebro…que eleva a pureza e a lucidez…que remove da imaginação as nuvens e seu peso sombrio…”. Outros breves relatos sobre a bebida remontam do século XV, junto ao Iêmen e à Etiópia (não é à toa que a expressão vem do arábico qahwah e tem como nome científico Coffea arábica, com mais de cem espécies conhecidas). Alguns destes relatos são bastante românticos sobre seu descobrimento e origem. Porém, o que é claro e límpido é que o café em grãos virou bebida de excelência, atribuída fortemente à figura do acadêmico iemenita Muhammad al-Dhabhani, membro da ordem mística sufista do Islã, em meados de 1470, segundo Tom Standage, autor do livro “História do Mundo em 6 copos”.

A fim de trazer às páginas da nossa Revista Bicicleta um pouco mais sobre este maravilhoso universo do café, fizemos contato com dois amigos nossos especialistas no tema, levantando com eles aspectos ainda pouco percebidos do grande público. Uma das principais contribuições desta ascensão vertiginosa do café nos últimos anos, principalmente aqui no país, se deve ao fato de que tem havido um profundo e extenso trabalho de profissionais voltado à produção de um discernimento maior e mais assertivo em torno do café e seu consumo.

Partimos do princípio de que o que chega aos consumidores, em sua esmagadora maioria, não se trata do melhor café que se poderia ter ao alcance.

Luís Gustavo Silva e Silva, especialista de renome internacional, com Mestrado em Ciência do Café realizado na Itália, Analista Sensorial e Barista certificado pelo Instituto Espresso Italiano – Itália, consultor e proprietário do Dolce Nero Cafés Especiais em Florianópolis, primeira e única cafeteria do Brasil certificada na Itália, nos conta uma série de detalhes pormenorizados a respeito do tema.

Ainda que as primeiras sementes tenham chego ao país por volta de 1727, o café está associado, historicamente, a grandes revoluções sociais, científicas e políticas ocorridas dois séculos antes em distintos cantos do planeta, tanto que os lugares onde era servido levaram o nome da bebida, ‘cafés públicos’, usualmente erigidos junto às praças dos mercados, locais onde também ascenderam o xadrez e o gamão, jogos de tabuleiro com profundo cunho estrategista que se universalizaram com as conquistas bárbaras mundo adentro. Este contexto fez do café, desde o início, uma bebida social.

O levante de Varsóvia e a própria Revolução Francesa se originaram em cafés, por exemplo, tal era a concentração de pensadores em torno do hábito de degustar a bebida. Parte da história do Brasil também foi circunscrita nas rodas de cafés pelos centros pulsantes do país, de sul a norte, disseminando-o como atividade econômica que chegou, dada sua relevância, a constituir página da conjuntura nacional, período denominado Ciclo do Café, o qual teve início com o contrabando de grãos da Guiana Francesa, desde meados de 1800 até a década de 30 do século XX.

Quando da execução do plano de reconstrução dos países aliados na Europa (Plano Marshall), vários outros países tiveram que colaborar com recursos, muitas vezes, de cunho logístico, logo em seguida da Segunda Guerra Mundial. E com o Brasil não foi diferente. Contribuímos com vários tipos de grãos e o café foi um deles. A partir disto, foi criada a lei de classificação do café, Lei da Pureza, que regulariza o grado máximo de impurezas, ainda extremamente elevado diga-se oportunamente, fazendo com que a população deixasse de ter o hábito de torrar o café em casa, pois ele passou a lhes chegar da indústria.

Até os dias de hoje, a grande maioria dos consumidores nem sequer imagina de onde vem o café que consome, da mesma forma que não tem ciência se este fruto é obtido através de lavouras onde o trabalho escravo ainda é mantido. Esta desinformação objetiva massificar um consumo inconsciente, não oportunizando criticidade na escolha e no preparo do bom café. O alto grau de sujidade ainda presente no chamado ‘café tradicional’ brasileiro mascara o perfeito e equilibrado sabor que esta bebida carrega quando seu processo, desde a escolha dos grãos até a finalização do cultivo e serviço, é criterioso e especializado.

Quando peço ao Gustavo que esclareça sobre os benefícios da bebida, ele analisa que, quando o café é puro e torrado de maneira adequada, quando não se desenvolve carbono, é uma bebida absolutamente saudável, rica em antioxidantes, combate radicais livres no corpo, enfim. Ele nos conta que, muitas vezes, é indagado a respeito de qual a quantidade ideal para consumo diário de café, mas na verdade, o que importa mesmo é a preocupação com a preparação do mesmo e com sua origem, com que qualidade de pó de café ele está sendo preparado. Gustavo diz que um espresso é feito com 7 g de café e 25 ml de água, levando em consideração a certificação do produto que se têm a mão.

O objetivo do café é a reunião de pessoas, desde sempre, congruindo interesses em torno do hábito de produzir, preparar, servir e degustar a excelência da bebida. No país, os cafés determinados como gourmets e especiais são aqueles obtidos através da expertise na seleção dos grãos e do mais alto rigor de torra.

Um café especial, normalmente atribuído à variedade Arábica, é reconhecido pela delicadeza de seus aromas, onde se pode perceber toques de frutas e flores, de pão tostado, especiarias, caramelo, cacau, aromas de confeitaria, entre centenas de outros tons. Os cafés, por sua vez, com mais notas de defeito e imperfeições (portanto, com maior grau de sujidade, misturas de outras substâncias) irão apresentar sabores e aromas de madeira molhada, terra, gosto de plástico, entre outros tons negativos. O café da variedade Robusta, geralmente chamado de ‘tradicional’, remete ao aroma de madeira queimada, cinzas, cheiro e gosto de remédio.

Assim como o vinho, o café especial que se merece sorver tem um terroir (uma denominação regional específica atribuída ao local de onde tem origem) e que lhe confere qualidades notáveis, gostos mais apurados tendendo à presença de acidez elevada ou pronunciada, partindo do pressuposto que a torrefação está sendo realizada de acordo com as normas internacionais.

O hábito brasileiro de tomar o melhor café, o café digno, ainda está sendo formatado. Usualmente, ainda se adiciona açúcar à bebida, o que não é recomendado por uma série de motivos óbvios e outros mais específicos, sabendo-se que o café especial é, naturalmente, adocicado.

Marcelo Passos, especialista proprietário do belo bike café chamado Pedal & Prosa Cafés Especiais, em Belo Horizonte – MG, que já foi tema de matéria aqui na Revista Bicicleta, nos conta que a adesão de novos públicos só aumenta e isto também se deve ao exigente trabalho e responsabilidade dos especialistas e baristas, os quais detém o desafio e honra de contribuir com a educação do paladar de seus clientes. Ele comenta que a supressão do açúcar é uma sugestão dada para que a degustação de coados, prensados e espressos seja um acontecimento. O trabalho do barista também está associado a gerar uma experiência mais pura de paladar aos clientes.

Ele comenta que é necessário cativar o público, sensibilizá-lo a partir de boas referências e de tudo o que o café pode oferecer.

O café pode receber cruzamento de grãos que propicia uma identidade muito específica ou exclusiva, com um corpo médio ou com finalização lembrando amêndoas e caramelo e um retro gosto de cacau 70%, tudo sendo bem evidente seja no método de V60, Filtrados, Prensa Francesa ou no Espresso. O blend pode ser desenvolvido para alcançar certas notas de gosto e aroma que identifiquem e personalizem o café a ser servido. Marcelo, por exemplo, trabalha com o blend Cerrado, com uma acidez específica, mesclando as variedades Peneira 15 da Fazenda Esperança com Brejetuba e Peneira 15 da Fazenda Congonhas de Patrocínio – MG.

Ele argumenta que todo este empenho deve estar associado a um método de beneficiamento e torra, a partir da colheita, e que isto pode e deve chegar à mesa dos consumidores, longe daqueles indesejáveis sabores químicos que afastam o paladar e o olfato da melhor experiência. Existem inúmeros cafés para os mais variados paladares, que também dependem das variações de clima e regionalidade (terroir). Pode ser, por exemplo, um café arábica orgânico originário de locais como o Sul de Minas, Alto Caparaó, Chapada Diamantina, Matas de Minas, Serra da Mantiqueira, Cerrado, enfim, mas todos seguindo os rigores dos cafés especiais.

Além destes aspectos, Marcelo argumenta que o café aproxima as pessoas por ter um forte apelo social, movendo ideias acerca do tema ou não, mas possibilitando a arte do encontro além de todos os benefícios corporais que a bebida encerra.

Existem incontáveis detalhes a serem levados em consideração na elaboração dos melhores cafés especiais, baseados em um mapa sensorial com aspectos que vão desde a categorização, por exemplo, de aroma global positivo e negativo, acidez não agressiva, doçura, se é adstringente ou não, entre infinitas outras possibilidades.

Gustavo, por sua vez, ainda relata que a nova geração de consumidores e apreciadores de café está aproveitando a grande oportunidade que o mundo globalizado propõe. A SCAA – Speciality Coffee Association of America, aliada a outras instituições internacionais como a Espresso Italiano, está desenvolvendo um mercado internacional de cafés especiais cada dia mais amplo e variado, que já alcança vertiginoso crescimento de 15 a 20% ao ano e, sem dúvida, isto é irreversível, ainda bem.

Gustavo e Marcelo acreditam e têm referências de que o consumo de cafés especiais no Brasil, preparado por um barista com treinamento e certificado internacional, tende a ser cada vez maior. Gustavo, por exemplo, oportunamente comenta que tem recebido depoimentos de clientes que participam de provas de triatlo a respeito do café especial auxiliar na melhora do condicionamento de atletas de alta performance, justamente pelo fato de não possuir carbono e reduzir os radicais livres no corpo.

Então, está sentido aquele aroma inebriante deste sumo especial?

Não perca tempo. Antes ou depois do pedal, permita-se clarear as ideias e recompensar seu corpo com os melhores cafés especiais disponíveis no mercado.

A experiência recomenda e nós também.

Para conhecer mais, degustar cafés especiais e treinamentos, cursos e consultorias:

Luís Gustavo Silva e Silva
Dolce Nero Cafés Especiais

  • www.dolcenerocafes.com.br
  • E-mail – contato@dolcenerocafes.com.br
  • Instagram – @dolcenerocafes
  • Facebook – @dolcenerocafes
  • Endereço: Rua Leonel Pereira,78
  • Cachoeira do Bom Jesus – Florianópolis/SC
  • Brasil – CEP 88056-300
  • Fone:(48)3304-7970

Marcelo F. Passos
Pedal & Prosa Cafés Especiais

  • Instagram: @pedaleprosacafe
  • Facebook: @pedaleprosacafe
  • R. Padre Marinho, 321 – Santa Efigênia, Belo Horizonte – MG
  • Brasil – CEP 30140-040
  • Fone: (31) 3515-5283

Viva a bicicleta, sempre.