Embora existam várias opções de tabelas e fórmulas prontas que prometem auxiliar no ajuste da bicicleta ao ciclista, apenas a avaliação personalizada de um profissional fitter corresponde a esta demanda, já que cada bicicleta e cada indivíduo são únicos.

Não existe, nem nunca vai existir, uma tabela que relacione a altura do ciclista com o tamanho do quadro, ou mesmo a altura do cavalo (entre pernas) com o tamanho do quadro. Embora isso tenha sido divulgado há anos como regra e parâmetro, esse argumento não possui nenhum fundamento. Uma tabela dessas seria semelhante a uma tabela que relacionasse a altura do indivíduo com o número do calçado: nela, todas as pessoas de uma determinada altura calçariam o mesmo número.

Vamos tratar o assunto por partes.

Geometria da bicicleta

O tamanho dos quadros não é padronizado, com isso o fato de um quadro apresentar um seat tube de determinado comprimento não quer dizer que ele seja igual a outro quadro com mesmo comprimento de seat tube. Assim, é muito comum uma pessoa possuir um quadro de uma determinada numeração e trocar por outro da mesma numeração, mas não se adaptar à nova aquisição. Inclusive, o ajuste mais fácil de adequar é o seat tube, pois para ajustar essa medida basta aumentar ou diminuir a altura do selim, salvo algumas exceções, em que mesmo com o canote na posição mais baixa o ciclista não alcance o pedal, ou o inverso, em que mesmo com o canote na posição mais alta o ciclista ainda mantenha sua perna flexionada quando o pé estiver no ponto baixo da pedalada.

O mesmo se aplica ao comprimento do top tube. Embora apresente um pouco mais de sentido na avaliação dessa medida, ela ainda é pouco significativa na escolha do quadro ideal. Duas bicicletas podem apresentar mesmo comprimento de top tube e apresentar posicionamentos diferentes para um mesmo ciclista. Tudo vai depender da distribuição dessas medidas e seus respectivos ângulos dentro da geometria do quadro.

Baseado nisso, podemos achar dois quadros com diferentes medidas de seat tube e top tube e que apresentem o mesmo posicionamento ideal para um ciclista. Para entender melhor o que foi dito, dependendo da geometria do quadro é possível que um mesmo ciclista encontre seu posicionamento ideal em uma bike M de uma marca/modelo e em uma bike L de outra marca ou modelo.

Por mais absurdo que pareça, em um primeiro momento é exatamente isso que acontece. Basta observar as bikes aro 29. Uma bike 15 aro 26 e uma bike 15 aro 29 apresentam geometrias completamente diferentes, mesmo que os comprimentos de seat tube e top tube delas sejam semelhantes.

O que muda então de uma bike para outra? A altura e alcance da caixa de direção. As bicicletas de uma maneira geral tendem a ser mais altas e mais curtas, ou mais baixas e mais compridas, mas isso não é uma regra, algumas bikes ainda apresentam geometrias de frente alta e comprida ou baixa e curta.

© Diego Cervo

Condicionamento físico

Se o quadro ideal é aquele que permite que material biológico – corpo – e material mecânico – bike – funcionem em perfeita harmonia como uma peça única, é fundamental uma profunda avaliação da condição física do ciclista no momento do ajuste ou escolha do melhor quadro.

Assim como uma pessoa que emagrece precisa fazer pregas na cintura de sua calça e uma pessoa que engorda precisa descosturar as pregas para continuar vestindo a calça, à medida que o ciclista aumenta ou diminui seu peso e medidas corporais, melhora ou piora sua flexibilidade, fortalece ou enfraquece sua musculatura, ele com certeza precisará refazer seus ajustes na bike. Assim, no momento da compra da bike deve ser considerado não somente o condicionamento físico do atleta, bem como onde ele objetiva chegar. Dessa maneira é possível optar por uma bike que o atenda no primeiro momento, bem como permita ajustes assim que ele melhorar seu condicionamento físico, peso, flexibilidade e fortalecimento.

Hoje em dia já é comum encontrarmos sites que oferecem um bike fit por meio de um tutorial. O atleta mede o comprimento das partes do seu corpo e coloca esses números em uma planilha que fornece uma série de medidas para serem instaladas na bike. Alguns ciclistas defendem o uso dessas planilhas ou softwares argumentando que mesmo não sendo funcionais, esses ajustes são melhores do que nada. Pois afirmo que esses ajustes e nada são a mesma coisa. Primeiro porque para realizar essas medidas com precisão é necessário não só possuir equipamentos adequados, bem como relacioná-los com os diferentes graus de flexibilidade/extensão do ciclista.

A avaliação é tão importante que metade das duas horas de uma sessão de bike fit são dedicadas a esse item e permite que quando o ciclista subir na bike, o fitter já tenha uma boa noção do que pode ser feito para ajustá-lo na bike.

Relacionando geometria e avaliação física

A verdade é que bike fit é coisa séria e fitter é profissão. A escolha de um quadro ideal ou ajuste de posicionamento é o que vai definir se uma pessoa vai ter prazer ou não em utilizar uma bicicleta. Uma bike que ofereça prazer ao ciclista permitirá que ele se torne ciclista, por outro lado o desconforto e sofrimento fazem com que a pessoa desista de pedalar.

© Diego Cervo

A escolha de um quadro ideal ou ajuste de posicionamento é o que vai definir se uma pessoa vai ter prazer ou não em utilizar uma bicicleta.

Atualmente, muitas pessoas se dizem fitter e ajustam bicicletas sem nenhuma fundamentação. Trabalham no achismo e comprometem a saúde física de várias pessoas. Portanto é bom entender que bike fit é ciência e que para utilizá-la é preciso estudar, se formar em bike fit e saber utilizar esses conhecimentos.
Alguns “ajustadores” se defendem dizendo: “mas nenhum cliente meu nunca sentiu nada”. Sentimento é assunto para psicólogos, e sentimento não pode ser medido. Quando falamos em bike fit estamos falando em performance, conforto, prevenção de lesões, e estes são parâmetros mensuráveis que podem ser medidos e melhorados a cada sessão.

O que precisa ser entendido é que cada profissional possui uma formação e cada qual é o melhor naquilo que se propõe. Portanto, se quer comprar o melhor equipamento, consulte seu vendedor para que ele possa orientá-lo sobre tecnologias, funcionamentos, peso, preço, materiais, uso etc.; para ter o melhor funcionamento procure pelo seu mecânico para que lhe informe sobre os melhores ajustes, regulagem e reparos; para ter o melhor posicionamento procure pelo seu fitter a fim de obter o ajuste perfeito entre seu corpo e a bike; se possui uma lesão procure seu fisioterapeuta para que possa reabilitá-lo e se deseja treinamento para melhorar sua performance procure pelo seu preparador físico. Quando esses profissionais atuam em conjunto numa equipe multidisciplinar, aí sim o ciclista está bem amparado em todos os sentidos. Se quiser ter prazer no esporte faça a coisa certa, não existem atalhos.

Não existem regras, fórmulas, tabelas ou softwares milagrosos para trabalhar com tantas variáveis, assim cada caso é um caso, cada pessoa é uma pessoa e cada bike é uma bike.