“Sempre que vejo um adulto de bicicleta, volto a confiar no futuro da raça humana.”

O Natal dos meus 14 anos de idade foi, de longe, o mais bem-aventurado de todos. Eu morava num sobrado na plácida Engenheiro Francisco Azevedo, no Sumarezinho. Ao despertar, naquele 25 de dezembro, estava na garagem a minha Velosolex 3800. Preta, reluzente, embalada em papel de presente verde da Mesbla.

Sempre achei meu pai uma pessoa evoluída para o seu tempo. Mas, profetizar décadas antes, a proliferação de bikes a motor foi um insight quase bíblico.

Naqueles anos, o máximo que um fedelho de classe média podia supor que ganharia no Natal era uma Caloi 10. E olhe lá. Seria bem mais fácil cair na conta uma Monareta ou similar.

O garoto da casa 389 sair por aí pilotando um veículo motorizado era mais inusitado que o general Costa e Silva apoiar Cuba.

No momento seguinte à antológica volta inaugural pela rua aconteceram dois fatos: minha popularidade cresceu vertiginosamente com as amiguinhas da vizinhança. E a amizade com os parças despencou no abismo dos ciúmes e da invídia.

Valéria “Pentelhos”, a garota mais cobiçada do distrito, veio me pedir para subir na garupa e “dar um giro”. Na mesma hora em que saímos queimando gasolina e óleo cru pela Heitor Penteado, Luizinho – ex-amigo do peito – tocou a campainha de casa. Foi pedir a mesa de ping-pong que me emprestara de volta. Zeco e Paulé, os inseparáveis parceiros de bola de gude, também sumiram e nunca mais estecamos as bolitas juntos.

Eu estava aprendendo, a duras penas, o rifão jobiniano de que fazer sucesso no Brasil é ofensa pessoal.

Não liguei o foda-se porque não existia a expressão idiomática à época, mas tirei o escape da Velô para que todos soubessem quem estava dominando o pico da zona oeste.

Um dia, após dar uma fechada no carrinho de rolimã de Juca Jumento – um desafeto histórico da rua Cuxiponés – cai espetacularmente de bunda no asfalto e fui me arrastando, no modo anal, até a porta de casa.

A risadaria dos antagonistas não chegou a me desanimar. Mas as ordens de minha mãe pesavam muito e acabaram me expropriando a Pretinha. Levaram-na para o sítio, em São Roque, onde virou meio de transporte do caseiro.

Nessa noite, não preguei os olhos. Entre um suspiro e um soco no travesseiro me prometia, à la “E o Vento Levou”: “um dia, vou ter a minha Velosolex de volta!”

O tempo voou como o vento. Casei, descasei, mudei de domicílio, virei pai. E, mais tarde, soube que a produção das Velô se encerrara em 1975 (leia-se Ernesto Geisel), após a proibição das importações pelo governo brasileiro e até hoje não se sabe que fim foi dado às prensas e materiais da fábrica.

Por outro lado, o mundo dá mais voltas que um Uber. Não é que, num fim de semana desses, pesquisando na internet sobre bicicletas a motor, dei com um linkrevelador? Não acreditei quando bati os olhos nesta informação:

“A mais famosa bicicleta com motor alternativo do mundo voltou a ser fabricada na França e também será fabricada no Brasil, religiosamente de acordo com os projeto original, com  diversos melhoramentos. Silenciosa, simples e ultra econômica, fácil de usar e dirigir, sem marchas, praticamente livre de manutenção.

No final da página, um endereço de e-mail para os que quisessem ser avisados quando elas voltarão a ser comercializadas por aqui.

Já mandei o meu. Nunca é tarde para um homem ser ridiculamente feliz.

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