A Netflix, no final do mês de julho, colocou em sua programação o filme To the Fore, um drama que tem como enredo principal um grupo de jovens ciclistas e suas relações envolvendo a camaradagem,  a glória pessoal e um relacionamento amoroso.  Tudo ao melhor estilo dos filmes produzidos em Hong Kong com muita ação coreografada e belas disputas. As corridas foram filmadas em Taiwan, na China, na Mongólia, na Coreia, na Suíça e na Itália

O grande público já está acostumado com grandes obras de Hollywood que utilizam o esporte como enredo. Talvez o boxe seja o que mais atraiu diretores que produziram alguns clássicos. O beisebol e as provas de automobilismo com roteiros ficcionais também atraíram as lentes, a lista é grande e carregada de alguns sucessos.

O ciclismo rendeu poucos filmes de ficção, os documentários são muitos. Mas no mundo da ficção, aonde pesa a mão do diretor e do roteirista  talvez os mais destacados sejam Breanking Away (O Vencedor, de 1979) , American Flyer’s (Competição de Destinos, de 1985) e  as animações Les Triplettes de Belleville (As Bicicletas de Belleville, de 2003) e Nasu: Summer in Andalusia (2003).

O pelotão e To te Fore pelas ruas de Taiwan © reprodução

Particularmente como jornalista que segue o mundo das bicicletas vinha esperando pelo filme desde o seu lançamento em agosto de 201. Havia bons comentários sobre a produção, e no projeto estavam envolvidas grandes marcas do setor que davam aval e destaque ao projeto, como é o caso de fabricante de bicicletas Merida que forneceu 300 bicicletas; porém o filme nunca estreou por aqui, seria muita ilusão da minha parte esperar ver esse filme na telona ou ainda merecidamente em numa sala IMAX. Demorou, mas finalmente agora chegou à nossa sala de tevê.

To the Fore para alguns críticos é um Velozes e Furiosos do ciclismo, com duelos pessoais, amizade sendo questionada e como fio condutor a carreira de jovens ciclistas. O filme foi selecionado para representar Hong Kong na disputa do 88º Oscar na categoria e Melhor Filme Estrangeiro, porém não foi nem indicado ou selecionado) e chega ao público brasileiro por meio da Netflix, praticamente 4 anos depois do seu lançamento.

Eddie Peng, como Qiu Ming e Shawn Dou como Tian em uma cena dentro de uma bike shop © divulgação

Dirigido por Dante Lam é estrelado por ídolos do cinema e da musica pop asiática: o taiwanês  Eddie Peng que já havia trabalhado em Imbatível; os chineses  Shawn Dou, e Wan Loudan; o sul-coreano Choi Siwon e de Hong Kong, Carlos Chan, todos da nova geração que agrada ao público infanto-juvenil asiático e que arrasta multidões.

O diretor e roteirista Lam, de 54 anos, é mais conhecido por outros premiados filmes de ação, como Beast Cops (1998), Beast Stalker (2008) The Viral Factor (2012), Umbeatable (Imbatível -2013) e ainda Operação Mekong (2016) e Operação Mar Vermelho (2018).

Uma as provas do filme é disputada no deserto de Tengger, na Mongólia © Divulgação

Mas é com os cuidados ao abordar o esporte que o trabalho de Lam se destaca. A consultoria técnica da produção ficou por conta de  Mairo Gianetti, ex-ciclista profissional, medalha de prata no Mundial de Lugano’1996 e à época das filmagens era diretor esportivo da Lampre-Merida e atualmente é dirigente da UAE-Emirates. Quem também faz uma ponta no filme é o ex-campeão mundial, o português Rui Costa.

To The Fore tem lá suas excentricidades, coisas de filmes de James Bond indo de um país a outro.  Para ser rodado equipes de filmagem, cruzaram 117.900 km passando pela China Continental com belas cenas em Xangai; pelo Deserto de Tengger na Mongólia; passeando  por Taiwan;  pela Coreia onde usaram o velódromo de Busan;  pelas estradas vizinhas ao Monte Cervino (Matterhorn) na Suíça e  para finalizando no Lago Maggiore em Luino, na Itália durante a disputa da Tre Valli Varesine, e aí, no final do filme fica por conta do espectador apontar os verdadeiros ídolos do pelotão World Tour.

To the Fore mostra a disputa dentro de uma equipe © Divulgação

Rodar o mundo montando equipes para produzir as cenas de corridas exigiu um batalhão de 1.404 ciclistas espalhados por várias cidades e países por onde aconteciam as “corridas”, e como em toda corrida com pelotão cheio e alguns ciclistas inexperientes aconteceram alguns tombos. O ator Carlos Chan fraturou a clavícula durante as filmagens. Shawn Dou abusou da sua habilidade com a bicicleta e em uma das quedas teve muita sorte ao bater a cabeça e constatar que apenas o capacete levou a pior.

Para dificultar ainda mais a produção, ainda quando estavam bem no meio das filmagens, um tufão atingiu a ilha de Taiwan, e acabou criando alguns transtornos pois parte da estrada que seria utilizada para as gravações ficou completamente intransitável, cheia de detritos o que poderia comprometer a segurança de atores e figurantes. Uma operação de guerra foi montada pela equipe técnica e e um dia para outro, algumas dezenas de quilômetros de estrada foram varridos e limpos para que pudessem ser gravadas as cenas de uma das etapas.

Madison e apostas em uma prova no velódromo de Busan © Divulgação

Segundo Lam, a passagem do tufão foi um dos momentos mais difíceis das gravações.“Foi em um momento desses que eu realmente me desesperei. Eu me perguntei se não teria sido um erro começar o projeto, que foi o mais desgastante da minha carreira. Felizmente, eu tinha um elenco e equipe muito comprometidos, então fui obrigado a perseverar ”, disse ele que declarou: “Um filme de ciclismo é único, existem poucos como ele”, o que dá para concordar, ao menos quanto às cenas de ação.

O diretor teve um bom olhar sobre o ciclismo, foi bem detalhista e mostrou um grande compromisso com autenticidade – claro que há muita licença poética e as quedas coreografadas e filmadas por ângulos nunca vistos em uma corrida podem parecer exagero para alguns, as cenas do velódromo merecem serem apreciadas mais de uma vez. Lam mostrou-se obstinado em registrar o esporte e esse é o ponto positivo do filme que revela também a disputa interna entre cada integrante,  as dificuldades de uma equipe que perde patrocínio e se desintegra. O roteiro é do próprio Lam em parceria com Lam Fung e Silver Hau

Os atores de To the Fore com o campeão mundial de 2013, Rui Costa que faz uma ponta no filme

A edição feita pela equipe formada por Chan Ki-hop, Poon Hung-yiu e Pang Ching-hei deu vida às corridas com muito movimento, com ataques, olhares, mudanças e marchas, e muita  ação no pelotão passando momentos de tensão, perigo e até com certa coerência – lembrem-se que temos aí um ingrediente particular com uma edição dinâmica mas muito acelerada.

O filme não trata de bandidos ou heróis, e é até difícil descobrir quem é o verdadeiro protagonista. Ming,  interpretado por  Eddie Peng, parece ser o herói do filme,  um tanto arrogante com seus momentos de menino mimado e mal-humorado durante boa parte do filme. Ji-won é o ciclista que não falha, o grande campeão, mas de temperamento difícil. Tian é o gregário batalhador que batalha contra as suas frustrações, sejam elas nas corridas ou em sua vida amorosa, e isso nos leva também à realidade como a de recorrer a meios ilícitos para melhorar a performance, testando um novo produto ainda não comercializado. Não falta um empresário mal caráter, corridas de Keirin e uma suposta dívida. Tudo isso entrelaçado com um romance com uma ciclista que provoca um sutil triângulo amoroso.

Finalmente o “mundo” do ciclismo quando os jovens vão para a Itália © divulgação

A receita é a de um bom filme para sessão da tarde, com muita tensão e emoção nas sequências de corrida com belas paisagens e muita ação. Saindo das competições o filme tem aqueles clichês tradicionais dos filmes em que o esporte é fio condutor e o enredo por algumas vezes se arrasta, são 2 horas de filme… Mas para quem curte bicicleta e corridas pode ser um bom entretenimento,  e levando em conta algumas etapas das granes voltas, posso ousar a escrever que vale a pena assistir, está no Netflix.

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