Resposta à publicação da Abramet que culpabiliza os próprios ciclistas pelo aumento das mortes no trânsito

Abramet culpabiliza os próprios ciclistas pelo aumento das mortes no trânsito. No último dia 03 de junho foi celebrado o Dia Mundial da Bicicleta, estabelecido em 2018 pela ONU. Nesta data há um esforço de todos os ciclistas e organizações em celebrar as conquistas e os benefícios do uso de bicicletas, mas também de cobrar por mais políticas públicas assertivas.

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Aproveitando a data e a abertura na imprensa, a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (ABRAMET) divulgou uma Nota Técnica sobre sinistros de trânsito envolvendo ciclistas no Brasil. Não contente com a publicação da Nota, a entidade médica pautou o jornal televisivo de maior audiência no país, espalhando desinformação e culpabilizando ciclistas justamente no Dia Mundial da Bicicleta. Um desserviço de grandes proporções.

Não obstante a gravidade dos dados em si (aumento de 11% nos óbitos de ciclistas entre 2020 e 2021), a ABRAMET apresenta um diagnóstico superficial e distorcido, fatores de risco equivocados no uso de bicicletas e pontua recomendações para prevenção de sinistros sem qualquer embasamento técnico.

Na Nota, a ABRAMET afirma que:

“dos ciclistas não é exigido nenhum tipo de habilitação oficial, grande parte desconhece a legislação de trânsito e com frequência violam suas regras”. 

Sem sustentar com dados estas afirmações, a ABRAMET comete o erro gravíssimo de omitir as principais causas dos sinistros e dos óbitos no trânsito, que são as altas velocidades, a imprudência de condutores de veículos motorizados e a falta de infraestrutura adequada nas cidades brasileiras. Omite deliberadamente o fato histórico de que toda a infraestrutura viária planejada e construída, nos últimos 120 anos, está voltada à fluidez dos automóveis, marginalizando ciclistas, pedestres, motociclistas e o transporte público – responsáveis por 2/3 dos deslocamentos nas cidades.

Também no mesmo documento, a ABRAMET sustenta que:

“Aqueles que se deslocam através de bicicletas têm oito vezes maior probabilidade de morrer em um sinistro de trânsito do que ocupantes de um veículo de passeio, sinistralidade superada apenas pelos deslocamentos a pé nove vezes e por motocicletas 20 vezes”

A obviedade de se afirmar que uma pessoa dentro de um veículo de 1 tonelada de aço tem menor probabilidade de morrer do que outras que estão apenas com o seu corpo no trânsito só reforça o equívoco da Nota da entidade médica. Se caminhar e pedalar, no Brasil, é 8 ou 9 vezes mais perigoso do que andar de carro, o problema não está no caminhar e no pedalar, mas em todos os fatores que tornam o trânsito brasileiro um dos mais violentos do mundo. 

Por que não há mortes no trânsito na cidade de Afuá (PA), por exemplo, onde carros e motos são proibidos de circular? Uma obra do acaso?

O documento ainda aborda o uso de equipamentos como o capacete e aponta os trajes mais adequados, como indicações “para que o transporte por bicicleta se torne mais seguro para o condutor e todos os usuários do sistema de trânsito”. 

Ora, mais uma vez a ABRAMET inverte um conceito básico da segurança viária já consolidado em nossos marcos legais, como o Código de Trânsito Brasileiro e a Política Nacional de Mobilidade Urbana, onde os veículos de maior porte devem ser sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pela segurança dos ativos. 

O uso do capacete é uma escolha individual e evidências científicas apontam que ele é um equipamento importante para alguns casos de menor impacto (como quedas) e não em colisões com veículos motorizados em alta velocidade. Ainda que todos(as) ciclistas pedalem com armadura ou envoltos em plástico bolha, o trânsito continuará violento e os índices de morte continuarão os mesmos – inclusive para ciclistas. Mais uma vez é preciso reforçar: no trânsito, a culpa não é da vítima

Levantamento da Aliança Bike, com base em mais de 2.500 laudos de criminalística de sinistros de trânsito em todo o Estado de São Paulo (entre 2015 e 2016), revelou que de 162 laudos de ocorrências que culminaram em morte de ciclistas, somente três casos (1,85% do total) a imprudência do(a) ciclista foi apontada como causa. No demais casos (98,15% do total), as mortes têm relação com infrações de motoristas como desrespeito aos limites de velocidade, conversões proibidas, alcoolemia, entre outros. Ainda, a falta de iluminação pública, ausência de sinalização e problemas estruturais nas vias também foram apontados como causadores das mortes.

Os dados são muito evidentes: a culpa das mortes de ciclistas não é dos ciclistas. Não é do não uso de capacete, nem da falta de habilitação para ciclistas. A culpa de quem é alvejado por uma bala perdida não está na ausência de colete à prova de balas. A culpa de uma vítima de estupro não está nas roupas que usa.

À Associação Brasileira de Medicina do Tráfego, é preciso se atualizar sobre os dados, sobre conceitos básicos e conhecer a luta de décadas de quem busca um trânsito mais seguro, visando zerar as mortes e não justificá-las a partir da culpabilização das vítimas.


Assinam esta nota:

Aliança Bike – Associação Brasileira do Setor de Bicicletas

Acipe – Associação dos Ciclistas de Petrópolis

AJFC – Associação JuizForana de Ciclismo

Associação Blumenauense pro-Ciclovias

Associação de Ciclistas de Campinas e Região – CicloAtivo

Bike Zona Oeste

Bike Zona Sul – Coletivo de ciclistas da Zona Sul de São Paulo

Bike é Legal

Caucamp

Chez Amis Randonneurs

Cicloiguaçu – Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu

Clube Audax Bagé

Coletivo BiciMogi – Mogi das Cruzes

Flash Bike

Inconfidentes Pedalantes Clube Randonneur

Não Foi Acidente 

Ovelhas Negras Ciclismo contra o fascismo

Pé na estrada

Programa de Extensão Ciclovida – UFPR

Pscicloativos

Revista Bicicleta

Só poera bike

TV Campo Grande

UCB – União de Ciclistas do Brasil

Vá de Bike – iniciativa para um uso seguro da bicicleta

Veloroça (Campinas)