Projeto de lei

A iniciativa tem o objetivo de reduzir as mortes no trânsito e foi idealizada e articulada pelas organizações da sociedade civil UCB-União dos Ciclistas do Brasil, Ciclocidade, Fundação Thiago Gonzaga e Instituto Alana.

No dia 26 de maio, foi protocolado, na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 2789/23, que altera o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) – Lei nº 9.503 para adequar as velocidades permitidas em vias urbanas de todas as cidades do Brasil. A iniciativa foi idealizada e articulada pela UCB – União dos Ciclistas do Brasil, Ciclocidade, Fundação Thiago Gonzaga e Instituto Alana. Já o deputado Jilmar Tatto (PT) foi o responsável pela apresentação da proposta, que tem como objetivo reduzir os números altíssimos de mortes no trânsito no país.

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De acordo com dados da OMS – Organização Mundial da Saúde de 2018, ferimentos associados ao trânsito representam a oitava causa de morte no mundo e a primeira entre crianças e jovens de 5 a 29 anos. Em 2021, os sinistros de trânsito no Brasil geraram 33.813 mortes, um aumento de 1.097 óbitos em comparação com os dados de 2020. Entre 2014 e 2020, 252.465 pessoas perderam suas vidas em decorrência da violência do trânsito.

Esses dados têm como base os números disponibilizados pelo DataSUS. Estima-se que entre 2007 e 2018, o Brasil teve um custo de 1,5 trilhão de reais em decorrência violência do trânsito, e que, atualmente, os sinistros de trânsito custam R$50 bilhões por ano para a sociedade brasileira. “É como se tivéssemos uma  guerra civil contínua ocorrendo em nosso país”, compara Ana Luiza Carboni, coordenadora do projeto Vias Seguras, que fundamentou o projeto de lei, e Diretora Financeira da UCB.

Segundo Diza Gonzaga, Presidente da Fundação Thiago Gonzaga, é preciso conscientizar a sociedade de que a melhor velocidade é a da vida. “Sabemos que a letalidade e a gravidade dos sinistros de trânsito está diretamente ligada à velocidade. Por isso, a redução dos limites permitidos nas ruas, avenidas e estradas de nosso país deve ser um compromisso permanente”.

Quanto maior a velocidade, maior é a gravidade das lesões. “Se o atropelamento acontece a 30 km/h, há 10% de chance do pedestre morrer. Se acontece a 50 km/h, há mais de 80% de chance de morte. Motociclistas, pedestres e ciclistas são as principais vítimas dessa realidade. É urgente que o poder público tome iniciativas para proteger essas vidas. Trata-se de uma pauta de saúde pública”, afirma Ana Carboni.

De acordo com Carboni, há uma resistência da sociedade para a redução de velocidades nas vias. Entretanto, o deslocamento em baixas velocidades aumenta a fluidez do trânsito. “Isso porque a demanda de frenagem é menor. Assim, ocorrem menos interrupções no fluxo de veículos, tornando o trânsito mais constante e fluido, diminuindo a possibilidade de colisões”, ressalta.

O projeto de lei apresentado usa como referência as recomendações de velocidade da Organização Mundial de Saúde (OMS), de 50 km/h em centros urbanos, por ser a maior velocidade diante da qual veículos bem desenhados fornecem proteção para seus ocupantes em caso de colisão lateral. Em locais onde há grande interação de veículos motorizados e pedestres ou ciclistas, a recomendação é de 30 km/h.

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 PL 2789/23

O PL 2789/23 modifica o Artigo 61 do CTB, que determina as velocidades em vias urbanas e rurais; o Artigo 218, que estabelece a fiscalização de velocidades; e o Artigo 280, que prevê as autuações pelos abusos. A modificação do Art. 61 coloca termos sobre as velocidades nas vias conforme o tipo de utilização, sendo, nas vias urbanas, a) sessenta quilômetros por hora, nas vias de trânsito rápido: b) cinquenta quilômetros por hora, nas vias arteriais; c) quarenta quilômetros por hora, nas vias coletoras; d) trinta quilômetros por hora, nas vias locais.

Referente às vias rurais, o órgão ou entidade de trânsito ou rodoviário com circunscrição sobre a via poderá regulamentar, por meio de sinalização, velocidades iguais ou inferiores àquelas estabelecidas, levando em consideração o tipo de uso de cada via, em casos em que as características técnicas e as condições de trânsito assim recomendarem. Além disso, o órgão de trânsito deverá monitorar a utilização da via por pedestres, ciclistas e pessoas com deficiência e mobilidade reduzida e, havendo circulação destes, alterar a classificação da via com base em seu uso e determinar o limite de velocidade de acordo com essa classificação.

As punições, que constam no Art. 280, ficam alteradas da seguinte forma: a infração prevista no artigo 218 do Código poderá ser caracterizada por meio da aferição da velocidade instantânea ou da velocidade média na forma regulamentada pelo Contran. A fiscalização por velocidade média não poderá ser realizada entre trechos nos quais houver sinalizações distintas de velocidades máximas.

Pesquisa

Para fundamentar o PL 2789/23, a UCB contratou uma pesquisa, realizada pelo Instituto Multiplicidade Mobilidade Urbana, com o objetivo de 1) mensurar o impacto de boas práticas de redução de velocidade no número de mortos e feridos em São Paulo, Fortaleza e Curitiba, no Brasil, e de Bogotá, na Colômbia, e Santiago, no Chile; 2) levantar a opinião de motoristas em cidades brasileiras sobre velocidade e mortes no trânsito.

Entre os resultados da pesquisa estão que as ações de redução de velocidades naqueles locais tiveram forte impacto na diminuição de sinistros de trânsito. Além disso, 82% dos entrevistados, no Brasil, conhecem alguém que morreu no trânsito e um quinto já perdeu familiares nesse contexto. Nove, em cada 10, entendem que o nível de mortes no trânsito é alto e que é uma questão urgente. Porém, oito em 10 não citam a redução de velocidades entre os fatores mais importantes para reduzir mortes, apesar de metade concordar que menores velocidades evitam óbitos. “Essa contradição mostra que a aprovação do PL vai depender de um trabalho importante de comunicação e educação para desmistificar a redução das velocidades como sendo algo inútil ou negativo”, conclui Carboni.

Já para embasar a permissão de fiscalização sobre velocidades por trecho, ou por velocidade média, a Ciclocidade realizou um levantamento de benchmarking sobre como este tipo de atividade é realizada em outros países e quais os benefícios documentados para a segurança viária. No Brasil, onde a prática ainda não é permitida, as cidades de São Paulo, Curitiba e Brasília já realizaram projetos piloto com fins educacionais. Dados do Estudo Naturalístico de Direção Brasileiro (NDS-BR), realizado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) na cidade de Curitiba e Região Metropolitana, evidenciaram que condutores monitorados praticaram o excesso de velocidade em mais de 50% do tempo em que houve a oportunidade de fazê-lo. Também mostraram que há um padrão no comportamento dos motoristas, de reduzir a velocidade ao aproximar-se dos equipamentos de fiscalização e retomá-la 100 metros após passarem pelo local.

Os materiais de apoio à proposta do PL 2789/23 também incluem: um parecer jurídico, que explora a validade, coerência e ordem jurídica entre o Código de Trânsito Brasileiro – CTB (Lei nº 9.503/1997) e a Política Nacional de Mobilidade Urbana – PNMU (Lei nº 12.587/2012) em relação aos limites de velocidade estabelecidos no CTB e a prioridade dos modais ativos determinada pela PMNU; um Manifesto pela Readequação de Velocidades, que traz dados sobre o impacto dos sinistros de trânsito e as melhores práticas.  É fundamental ressaltar que o texto do PL 2789/23 contou com a colaboração de técnicos e especialistas de organizações nacionais e internacionais que trabalham o tema da segurança viária.