Jesus ciclista, marginalizado, bike-operário.

Jesus é um ciclista de 33 anos de idade, trabalhador informal, vive em um bairro periférico de uma grande metrópole brasileira, oriundo da Venezuela, país mais pobre da América Latina,segundo o FMI, chegou ao Brasil na pré-pandemia, pela fronteira norte, pedalando e caminhando com outros(as) compatriotas, dentre eles(as) pai e mãe, ingressaram em território brasileiro pela cidade de Pacaraima no estado de Roraima, onde todos os dias chegam venezuelanos(as), jovens, crianças e idosos,  fugindo da fome, miséria e opressão, uma diáspora.

Mistérios da vida, coincidência, etc, o ciclista refugiado, fez amizade com um motorista de aplicativo de nacionalidade brasileira, que tinha o nome semelhante ao seu, Jesus, que desabafou, afirmando sobre os inúmeros aumentos nos preços dos combustíveis, “inviável continuar na ‘labuta’, obter algum lucro e levar o pão nosso de cada dia para casa, além de outros gastos como gás e aluguel”, diz o brasileiro.

Jesus de origem venezuelana conseguiu vender uma joia de família, alugou uma pequena casa na periferia, onde foi morar com seus pais José e Maria, o casal, meses depois, foram vitimados pela pandemia, tombaram sem ter a chance de serem vacinados, como muitos(as) brasileiros(as).

(Plaquinhas do Movimento @cicloolhar)

Abatido com a morte de seus pais, o dinheiro do venezuelano estava ficando cada vez mais escasso, em uma de suas andanças para procurar trabalho, reencontrou o amigo xará, que agora trabalhava como motociclista de aplicativo (info-operário).

Incentivado pelo xará, Jesus conseguiu alugar uma moto velha, trabalhava intensamente entregando pizza, lanches e compras feitas pela internet, muito trabalho e pouco dinheiro, até que um dia o então info-operário, sofreu um ‘sinistro de trânsito’, socorrido gratuitamente pelo SUS, Jesus sofreu leves escoriações, a moto alugada ficou inutilizável. 

Usou quase todo o dinheiro que lhe restara para pagar os prejuízos da moto alugada, agora vivendo em um barraco, onde o aluguel é mais barato, cozinhando com lascas de madeira e papelão para economizar gás. Descapitalizado, Jesus vislumbra comprar uma bicicleta usada para trabalhar como entregador.

Com uma velha bicicleta, Jesus, info-operário, bike-operário, entregador, luta pela sobrevivência humana, vai encarar uma jornada maior que 24 horas e um salário menor que o mínimo”. Segundo informações do El País – Brasil, de agosto de 2019, citando o relatório da AliançaBike (Associação Brasileira do Setor de Bicicletas), sobre o que descrevemos como info-operários, entregadores dependentes de aplicativos (bike-operários) entregadores ciclistas: “99% são do sexo masculino, 71% se declararam negros, mais de 50% tem entre 18 e 22 anos de idade, 57% trabalham todos os dias da semana, e 75% ficam conectados ao aplicativo por até 12 horas seguidas – sendo que 30% trabalham ainda mais tempo. Tudo isso por um ganho médio mensal de 992 reais (seis reais a menos do que o salário mínimo, fixado em 998 reais, em 2019). O menor valor mensal recebido encontrado no levantamento foi 375 reais, para entregadores que trabalham três horas diárias, e o maior foi 1.460 reais, para 14 horas trabalhadas”.

Sem capacete e com uma bike frágil, Jesus pedala enfrentando um giro perverso pela sobrevivência e dignidade humana, segundo informações da Aliança Bike: ‘falta de segurança no trânsito’, ‘falta de infraestrutura adequada’ (ciclovia, bicicletário), ‘falta de segurança pública’, ‘falta de sinalização’, ‘cansaço’, ‘preconceito’, ‘vidro na rua’, ‘ladeira’, ‘incerteza se a bike vai quebrar’, ‘não poder entrar no metrô com a bicicleta mais cedo’.

Os bike-operários que usam bicicletas como Jesus são marginalizados, apesar de (como entregadores usuários de bikes) contribuírem com uma Casa Comum mais sustentável. O relatório da Aliança, concluiu que “cada ciclista entregador de aplicativo, caso suas entregas fossem feitas por motocicleta, emitiriam 2,75 Kg de CO2 por dia. Ou seja, 1 tonelada de CO² por ano deixa de ser emitida por cada ciclista entregador, o que representa uma compensação de 8 árvores por ano”.

Jesus é estrangeiro, info-operário, cidadão do Mercosul, em refúgio, mas dados do  relatório revelam que o “entregador ciclista de aplicativo (típico): Ele é brasileiro (99%), homem, negro, entre 18 e 22 anos de idade, morador das periferias com ensino médio completo, que estava desempregado e agora trabalha todos os dias da semana, de 9 a 10 horas por dia, com ganho médio mensal inferior a um salário mínimo.

O ciclista que aqui escreve e partilha, não mora em uma grande metrópole,em Jequié, cidade do interior baiano com mais de 150 mil habitantes, onde os info- operários são mais notórios como motoristas e motociclistas de aplicativos, ainda não existem entregadores de aplicativos que utilizam bikes, porém existe uma maioria invisível de trabalhadores com estrato social semelhante ao de Jesus, bike-operários que usam a bicicleta como único meio de transporte, padecendo da falta de estrutura mínima, como acontece na maioria das cidades brasileiras do mesmo porte da cidade baiana, salvo raríssimas exceções.

Ações ciclísticas que fariam diferença, segundo os info-operários, colegas de labuta de Jesus, reveladas pelo relatório da Aliança Bike: “Local de apoio com água, banheiro, tomada, oficina”, “seguro de invalidez temporária (recebe um dinheiro se não puder trabalhar por um tempo)”, “seguro para bicicleta”, Outras opções, como “maior frete para quem faz entrega de bicicleta” e “salário fixo”. (Políticas públicas para o ciclismo) que contemple também bike-operários/info- operários, com uma legislação real, justa, humana, moderna, fiscalizadora, estendida também para (motociclistas e motoristas de aplicativos). No Distrito Federal, bike-operários vão receber kit de segurança do governo local, camisa de manga longa, faróis de sinalização noturna, capacete, campainha e tranca, além de cursos de qualificação. 

(Governo do DF vai cadastrar, oferecer curso de capacitação e doar os equipamentos. Interessados precisam se inscrever Foto: Renato Araújo – Agência Brasília)

Não devem existir barreiras, fronteiras, nacionalidades, cor, discriminações de qualquer tipo, quando o giro é a promoção do ser humano, da mobilidade humana. “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”, (artigo 1° da Declaração Universal dos DireitosHumanos).

(Na feira livre de Jequié – Bahia, um grupo de refugiados, indígenas venezuelanos, tomam café da manhã de forma improvisada na calçada, sentados sobre cartazes/placas de isopor, onde escrevem portunhol (mistura de português com espanhol) para pedir esmolas, geralmente no trânsito. Foto: Dado Galvão (missaoushuaia.org

Os compatriotas de Jesus, nacionais venezuelanos(as), já fazem parte do cotidiano de Jequié, de muitas cidades brasileiras e do mundo, estão presentes, nascem nos abrigos, sinaleiras e nas calçadas pedindo esmolas, buscando trabalho, empreendendo, girando pela sobrevivência humana, assim como os mais de 13 milhões de brasileiros(as) sem posto de trabalho.

É sempre bom lembrar que estamos todos(as) na (Casa Comum), em um único pedal, com (p) de (pandemia), no trocadilho e reflexões das palavras, (p) de (pedagógica), (p)ara buscar ações de todos(as) nós, na esperança do nascimento verdadeiro de dias melhores com promoção do bem comum.

Vídeo: Assista Brasil Sobre Duas Rodas, idealizado pela Jarina Filmes e pela Fundación Avina, com apoio da OIM – ONU Migração e Jesuítas Brasil. 

Dado Galvão é ciclista, documentarista, idealizador do Movimento@cicloolhar