Em outubro de 1992 um pequeno grupo de mulheres se reuniu na Casa Europa para conversar e dali surgiu o Saia na Noite, até onde se sabe o primeiro grupo de “mulheres no pedal”, como elas gostam de serem lembradas, a ser oficializado no Brasil.

Uns dias depois elas saíram para pedalar juntas pelas ruas tranquilas dos Jardins pela primeira vez já como “Saia”. Passaria desapercebido não fosse o contexto daquele Brasil de então e quem são elas.

Na década de 90 era difícil ver mulheres pedalando nos centros das grandes cidades. O mountain bike no Brasil era uma novidade, um “must”, principalmente depois da abertura das importações, mas era difícil encontrar bicicletas próprias para mulheres.

© Do grupo

Bicicleta ainda era vista como “muito perigosa”, “para meninos e homens”, quando não descriminada e debochada pela elite motorizada. Ouvia-se com frequência o “lugar de mulher é na cozinha”. Segundo dados da ABRACICLO (1992) um terço da população brasileira era usuária da bicicleta como modo de transporte no dia a dia, boa parte por mulheres e meninas de baixa renda. Caloi e Monark colocavam no mercado mais de 4 milhões de bicicletas/ano, a maioria básica, e as de cano baixo, femininas, eram uma das campeãs de vendas, mas isto acontecia em cidades de baixa renda e periferias, portanto longe da grande imprensa e dos olhos da elite, daí a importância que o Saia na Noite viria ter.

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Saia na Noite nasce “… para se encontrar, conversar, para poder fazer fofoca, sem homem enchendo o saco…” diz Teresa D’Aprile rindo da conversa que tiveram na Casa Europa Nilva, Silvia Roseto, Vera Brilho, Elia, “e mais uma menina que não me lembro o nome”, diz ela envergonhada. “Homens são bem-vindos”, completa ela ainda rindo, mas a essência sempre foi feminina, muito feminina.

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As meninas do Saia na Noite nunca tiveram a intenção nem sequer sonharam em aparecer, chamar mídia, fazer sucesso. Queriam se divertir e ter um momento delas, nada mais, simples assim. Mas estavam destinadas a não passar desapercebidas e não passaram. Cansaram de entrevistas para rádios, TVs, jornais, revistas e mídia eletrônica, o que acabou por influenciar o surgimento de novos grupos de mulheres por todo Brasil.

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Sempre saíram semanalmente terça-feira à noite. Teresa D’Aprile, que coordena o grupo, conta que o primeiro passeio uniformizado, ao qual elas se referem como “oficial”, aconteceu em 08 de março de 1993, Dia Mundial das Mulheres, quando foram convidadas mais mulheres e o grupo realmente cresceu. Num destes Dias da Mulher chegaram a sair com mais de 120 “meninas”, uma divertida e barulhenta algazarra feminina. Em alguns domingos saem para “passeios especiais”, novos lugares ou até mesmo para logo parar num boteco para beber, petiscar, conversar e rir muito, a principal característica do grupo. Diversão (pedal) sem regras, mas com cuidado especial para todas. Ninguém fica para trás.

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Nunca interessou a idade, a história, quem era, o que fazia, pensava ou pretendia com o pedal, gerando uma mistura social, educacional, cultural, de pensamentos e atitudes leve, rica e rara. Todas que se juntaram ao grupo o fizeram pela certeza de que seriam bem acolhidas mesmo que se sentissem inseguras ou não pedalassem bem. Esta neutralidade resultou num profundo respeito de outros grupos do pedal, masculinos ou femininos.

Aos 25 foi feito uma bandana comemorativa com mais de 300 nomes das participantes, a maioria ainda vivos na cabeça de Teresa. E agora o Saia na Noite 30 anos comemorado com muita pizza, chopps e risadas até a pizzaria fechar. A bem da verdade, até a última ligação entre elas “cheguei bem”.

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