Os meteorologistas falharam, o sol se fez, embarquei minha mountain bike e fui pro Serra Azul pedalar pelas pirambeiras das terras de Itupeva com a tribo do Sampabikers. Parei no posto BR da cidade jardim pra engordar os pneus da magrela. Estiquei até a loja de conveniência pra tomar um café. Ali é um point de motos. A tribo das Harleys encouraçada nas suas armaduras de couro me olhou de cima a baixo, eu que me sentia meio fantasiado de papai Noel com a minha barba branca, pernas de fora e bermuda vermelha, justa na bunda e realçando a genitália. Disfarçado de sério observei o bando do couro. Nem um nem dois barrigudos, mais que quatro. Nem um nem dois fumantes, mais que seis ou oito entre baforadas de espera tensa e agitada.

Café tomado, pneus da magrela calibrados, tomei a Bandeirantes. Seguia calmo, a cultura 103.3 no dial me embalava ao som de Debussy quando um troar roubando minha calma passou disparado à esquerda e à direita da minha marea como um vespeiro de cassunungas ferroando meus tímpanos. Eram eles.

Cheguei. Lá estavam eles novamente com suas motos possantes e reluzentes que se juntaram a outros tantos aumentando portanto o colorido dos couros, as muitas barrigas proeminentes e os muitos cigarros fumegantes. Mais olhares de soslaio e medição, eles de lá e eu de cá, sem ninguém saber quem ali era ET. Montei minha magrela de quadro doado, uma roda e um guidão ainda da Talera de 25 anos atrás, ainda suja e respingada de merda de vaca da última pedalada em Igaratá e me juntei aos meus.

Pedalamos poucos metros no asfalto e já estávamos na terra e no cascalho, chacoalhando nos buracos e amassando o esterco do gado nelore com quem dividíamos o espaço. As narinas se abriram pra se embebedar do cheiro do chão e do mato e eu me sentindo criança feliz me percebi mais contente ainda por saber que ali eles não apareceriam.

Bem adiante, feliz, suado e um pouco cansado parei numa sombra pra repor energia. Abri uma embalagem de gel e tive o cuidado de guardar a pontinha do papel alumínio no bolso.Engoli o gel e também guardei o resto da embalagem. Aí divaguei. Será que eles teriam este cuidado e respeito com o mundo? Acho que não, pois as bitucas jogam no nosso chão, a fumaça suja no próprio pulmão e no de quem mais respire e a ostentação e o barulho ensurdecedor das máquinas também são formas de agressão.

Na volta, enquanto o dial me oferecia um Concerto de Aranjuez, interpretado por Paco de Lucía,  na calma do meu corpo fortalecido viajava meu pensamento sobre as questões do ter e do ser, e mais que isso, a de perceber e sentir o Ser.

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