Era uma rua praticamente vazia. Dois meninos, provavelmente irmãos, brincavam de pegar correndo ao redor de uma bicicleta. Volta e meia eles iam para o meio da estrada, mas na maioria do tempo estavam na calçada. Um deles era bem pequeno – devia ter uns quatro anos. No silêncio da rua, ouviam-se os gritinhos e risadas do menor enquanto o mais velho lhe surpreendia com as mudanças inesperadas no sentido da corrida. Bastava à mãe ouvir ao longe um barulho qualquer – seria um carro? – já estava aos gritos chamando os meninos para dentro.

Não somos mais crianças brincando de pega-pega, mas o barulho incomoda e motiva a buscar proteção. No fundo, manter o silêncio é uma questão de civilidade, já que o barulho gera agressividade e estresse. A sociedade em que vivemos, porém, preza pelo barulho e o relaciona à produtividade e alegria. Pessoas introvertidas, que preferem o silêncio ao falatório, por exemplo, são vistas muitas vezes como pessoas com algo a resolver ou um alguém sem conteúdo. Espera-se que falem, mesmo que sejam palavras vazias.

A poluição sonora tem relação com doenças sociais e psicológicas. Na mesma altura em que as buzinas soam e os motores roncam, as pessoas se perturbam e parecem querer berrar. É a música dos grandes centros urbanos, sem nenhuma harmonia, tocando a qualidade de vida das pessoas. Barulho é tortura; ele interfere em funções intelectuais, de aprendizagem, memória e humor. Já o silêncio é reconfortante; descansa a mente e permite um amplo contato com nossos próprios sentimentos, projetos e desejos.

Um estudo da Universidade de Düsseldorf, na Alemanha, comprovou que moradores de bairros industriais sofrem não apenas com problemas auditivos, mas também com problemas cardíacos e digestivos, possivelmente por causa do estresse crônico imposto pelo barulho.

Pesquisas mostram que até o reflexo diminui quando há ruído muito intenso. Os efeitos negativos no trânsito são indiscutíveis, tanto que o Código de Trânsito Brasileiro estabelece normas para combater o problema. O artigo 228 proíbe equipamento de som acima de 90 decibéis. O artigo 229 proíbe os veículos de utilizarem aparelhos que produzam sons que perturbem o sossego público, o que envolve manter o silenciador do escapamento em ordem e conter o uso impulsivo da buzina, especialmente perto de hospitais e escolas.

Ninguém morre de poluição sonora, mas há quem mate por barulho. Foi o que aconteceu, infelizmente, em uma noite de julho em Blumenau – SC. Um grupo de amigos festava na Rua Sete de Setembro, no centro da cidade catarinense. O som alto no carro continuava e já eram cinco da manhã. Um senhor de 69 anos morador do local, em um momento de fúria incomodado pelo barulho, disparou seis tiros. Um deles atingiu o jovem Kleber Bleichuvel, 21 anos, que morreu. O atirador disse que os disparos eram apenas para assustar o grupo de amigos. Quantos casos assim acontecem frequentemente? Tentativas de homicídio motivadas por som alto.

Ninguém está proibido a ouvir som alto, mas tampouco, forçado a fazê-lo. As danceterias americanas são obrigadas a colocar um aviso na entrada dizendo: “aqui você está sujeito à surdez”. Entra quem quer e pronto. Seria mais justo entrar num lugar desses ou colocar um fone de ouvido, se alguém quiser ouvir som alto numa quinta-feira às cinco da manhã. Mas parece que o objetivo não é bem ouvir a música (quando der para chamar o barulho assim), mas perturbar o máximo de pessoas possível. Seria um jeito inconsciente de superar algum sentimento de impotência e inferioridade?

Falta civilidade. Falta respeitar o espaço dos outros. Falta a consciência dos excessos irresponsáveis. Falta, para muitos, coragem para enfrentar o silêncio e ouvir a si mesmo. Os números estão aí, gritando ruidosamente: até o final de julho de 2012, foram mais de 68 mil queixas feitas ao serviço de emergência da Polícia Militar do Rio de Janeiro (190) relacionadas a ruídos. Mais do que lesões corporais (59 mil), rixas (53 mil) e outras perturbações.

Vamos fazer silêncio, nos conhecer melhor e buscar uma maneira mais harmoniosa de estar presente na sociedade, respeitando o espaço de cada um. Vamos ser melhor companhia para nós mesmos, não ter medo do silêncio. Usar a bicicleta seria, nessa perspectiva, um instrumento para esta civilidade, pois permite ao usuário rodar sem perturbar ninguém, ouvindo ele – o usuário – os sons da vida: uma respiração ofegante, um coração acelerado, sem espantar a mãe que vê seu filho brincando em frente de casa.