Explicando inversamente: já que uma bicicleta é um carro a menos, quanto mais motoristas se transformarem em ciclistas, menos carros haverá nas ruas, o que ocasionará maior fluência do tráfego de todas as modalidades de transporte e maior segurança para o pedalar (e se os motoristas migrarem também para o ônibus e para a caminhada, o resultado será o mesmo). Ou seja, o motorista que não se torna ciclista por medo de ser esmagado precisa começar a desconfiar que, no fim das contas, é ele próprio um gerador desse risco!

Sabe-se que a demanda reprimida pela bicicleta é de mais de 50%; mais da metade das pessoas que não pedalam gostariam de fazê-lo, mas não o fazem por falta de condições de segurança, principalmente pela ausência de infraestrutura específica para a bicicleta. Contudo, teremos de concordar que se os ciclistas virarem massa nas ruas, mesmo sem mudança na infraestrutura viária, o tráfego de bicicletas será mais seguro, pois os ciclistas circularão mais agrupados e os motoristas terão sempre um ciclista à vista; com isso, até os pretendentes mais temerosos e despreparados se sentirão mais encorajados e estimulados a montar numa magrela.

O aumento da participação da bicicleta na mobilidade urbana significa que os motoristas terão mais amigos e familiares ciclistas. Nas mesas de jantar ou nos intervalos das aulas, a bicicleta será continuamente advogada e desmistificada, amansando aqueles motoristas mais imprudentes e agressivos. Significa também mais empresas de comércio e serviços dedicados à bicicleta, mais argumentos e informações circulando na imprensa e na internet.

Pesquisas demonstram, comparando diferentes países, que quanto mais ciclistas circulando, menor é o índice de acidentes envolvendo ciclistas. Isto é óbvio, porque os ciclistas dos países com mais tradição no uso da bicicleta são mais experientes. Mas também é fato que os países mais cicloinclusivos possuem uma infraestrutura muito mais adequada do que os países mais automovelcráticos; além disso, nos países mais cicloamigáveis as leis de trânsito, sua fiscalização e aplicação, são muito mais severas, gerando motoristas com comportamento mais respeitoso. Reflitamos: até que ponto o aumento dos ciclistas teria sido indutor destas leis e desse comportamento?

Quanto mais ciclistas na cidade, menos os prefeitos poderão se esquivar de instalar infraestrutura segura. Eles entenderão que nas ruas de movimento brando basta melhorar a sinalização e a fiscalização para compartilhar o tráfego entre bicicletas e motorizados, mas que nas vias de tráfego denso e veloz (avenidas, vias arteriais, vias expressas) será inescapável segregar o tráfego de bicicletas com ciclovias. Os motivos são simples: toda cidade precisa de vias de escoamento rápido dos motorizados, o que seria impossível com grande volume de ciclistas na pista; e nessas vias a letalidade das colisões, para os ciclistas, é muito alta.

O mesmo vale para as bicicletas em repouso. Quando as bicicletas se avolumarem na cidade, as empresas terão que oferecer bicicletários cada vez mais amplos e eficientes, sob risco de perder a freguesia e de descontentar seus funcionários. Para as empresas que não possuem área de estacionamento – que são a maioria – e para os outros afazeres dos ciclistas, a prefeitura terá que instalar bicicletários públicos em diversos pontos da cidade, caso contrário as bicicletas, encostadas em placas, bancos e postes, obstruirão praças e calçadas.

Inclusive o problema do aludido “mau comportamento” dos ciclistas será diminuído com o incremento do ciclismo. Uma multidão de ciclistas não poderá circular direito se alguns deles trafegarem pela contramão – todos terão de se submeter ao fluxo. Pedestres serão menos tolerantes com os ciclistas que pedalarem na calçada e protestarão constantemente aos infratores.

Mas a solução dos problemas está nas mãos dos ciclistas também em um sentido mais fundamental. Como não costuma ser do gosto dos governantes aplicar direitos, estes terão de ser conquistados, na base da insistência. Os ciclistas mais esclarecidos e menos acomodados não poderão esperar que seus concidadãos decidam, um a um, motivados por necessidade ou improvável despertar da consciência, começar a usar a bicicleta espontaneamente para, transformando-se em massa, provocarem as mudanças.

São os ciclistas comprometidos com o bem comum que deverão demandar – diga-se: exigir –, de forma continuada e organizada, a criação de condições legais, educacionais e infraestruturais para garantir a segurança das pessoas que querem ou precisam usar a bicicleta como veículo. Tais condições são imprescindíveis, sobretudo para permitir que todos os tipos de pessoas (idosos, crianças etc., e não apenas jovens bem dispostos) tenham como problemas nada mais do que sua eventual falta de autoconfiança.