Por que será que encontramos tantas pessoas de idade avançada usando bicicletas? A bicicleta não contrasta com a terceira idade?

A bicicleta é um veículo mais antigo do que o carro e a motocicleta, os dois principais tipos de veículos motorizados que hoje dominam as ruas de nossas cidades. Depois do barco a remo, a bicicleta é a ferramenta mais antiga da história da humanidade para transportar a si mesmo usando as próprias forças.

Mas apesar de ser antiga, apesar do aparecimento de tecnologias para dispensar o uso dos músculos, apesar da depreciação ideológica sofrida nas últimas décadas, apesar de ser perigoso utilizá-la em muitas vias públicas, a bicicleta continua sendo usada pelos seres humanos, inclusive por anciãos.

Parece óbvio que isso só acontece porque a bicicleta é um veículo não apenas útil, mas, em muitos casos, vantajoso. E, para referendar isso, devemos lembrar que estamos tratando, aqui, de pessoas experientes, de pessoas que avaliam e tomam decisões.

Algumas delas possuem outros meios de transporte – têm carro ou dispõem de transporte coletivo –, mas optam por pedalar, pelo menos de vez em quando. Já outras não podem contar com nada mais além dela – e, neste caso, podemos dizer: que bom que podem contar com ela para não ficarem confinadas em casa!

Seja por opção ou por necessidade, a bicicleta serve adequadamente aos indivíduos, sem provocar efeitos colaterais para a vida comunitária. Desde sua invenção, é um meio virtuoso para fazer exercícios físicos, para gastar energia, para movimentar-se, para romper o sedentarismo, atividades unanimemente consideradas necessárias para quem se aposenta.  Desde que se popularizou, é um meio eficaz de transportar-se e de transportar coisas, de acessar todos os cantos da cidade, de cumprir as funções sociais, funções que mesmo os vovôs e vovós possuem.

Muitos idosos ainda se propõem a mais. É cada vez mais comum a participação de pessoas com mais de 60 anos nos grupos de pedalada e até praticando o cicloturismo. As pedaladas em grupo são geralmente longas (em comparação com os deslocamentos corriqueiros), não raro ultrapassando 20 km, em ritmo mais intenso que os de passeio e de transporte, mas mesmo assim são cumpridas com tranquilidade até por sexagenários. O cicloturismo também não é exatamente uma moleza – as viagens podem durar até vários dias, incluindo trajetos com morros e estradas de terra, mas tais desafios são estimulantes para os vividos.

A humanidade está crescendo não apenas em quantidade, mas em longevidade. O Brasil hoje tem 7,4% de habitantes com mais de 65 anos e estima-se que em 2060 esse percentual atinja 26,7%. Isso significa, em termos de mobilidade urbana, mais pessoas nas ruas durante mais tempo de vida, saturando o trânsito quando as políticas públicas incentivam os veículos motorizados particulares. Resulta daí que a conversão das políticas públicas para a mobilidade ativa – e também para o transporte coletivo – beneficiarão não apenas os indivíduos que se deslocam em vias públicas, mas também o erário, a natureza e nosso orgulho de sermos animais inteligentes.

A infraestrutura social não pode ser planejada apenas para o uso dos adultos em bom estado físico. Assim como os mais jovens, os mais velhos devem ser o foco prioritário dos investimentos, porque o que é bom para eles será sempre bom para quem está na faixa etária intermediária. Por outro lado, agradar apenas quem tem entre 18 e 60 anos resulta, invariavelmente, em prejuízo para quem tem menos ou mais tempo de vida. Por isso estamos autorizados a pensar que deixar de investir em mobilidade ciclística é uma ação, e não uma omissão estatal: uma ação com o objetivo de não deixar a bicicleta exibir suas vantagens e seus benefícios.

Infraestrutura de qualidade, acalmamento do trânsito e educação para a humanização do trânsito não são luxos dispensáveis. São demonstrações de respeito àqueles que chegaram onde todos nós chegaremos, ou queremos chegar.

Um enrugado pedalando é uma demonstração triplamente desagradável para os críticos do ciclismo: prova que o apego ao carro tem um forte componente de comodismo, que a bicicleta não é, em si, um veículo inseguro e que apesar de secular, a bicicleta é tão moderna quanto os carros recém-saídos dos periódicos Salões de Automóveis.

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