Ainda que pareça piegas, mesmo não sendo, entendemos que este texto se aplica ao momento pelo qual passamos. Há um afloramento da atitude, em diversos campos da vida em sociedade, e por atitude compreendemos a concretização de um propósito. O propósito em destaque é a mobilidade.

Já orienta o dito popular que “o pior cego é aquele que não quer ver”, mas precisamos ser justos e aceitar que algumas pessoas até queiram mas não consigam ver, seja por incapacidade funcional ou por postura diante das coisas.

Em incontáveis posts pelas mídias sociais está mais do que evidente o avanço no tema mobilidade por automóveis, símbolo de uma estagnação concreta das cidades e falência absoluta do modelo ou sistema viário vigentes. Não é uma questão subjetiva, de gostar ou deixar de gostar. O fato é que não existe argumentação plausível que justifique seguir garantindo a hegemonia do automóvel nas cidades, por centenas de motivos que não cabe aqui considerar porque já deles falamos exaustivamente.

Quando temos um problema no pé, recorremos a um ortopedista, que além de médico, é um especialista. Da mesma maneira, quando queremos remodelar um ambiente em casa ou no escritório, buscamos o aconselhamento de um designer de interiores, que além de arquiteto, é um expert no tema. Por outro lado, quando fazemos por onde inferir ou dar nossa opinião a respeito de temas que não dominamos suficientemente para que nosso achismo seja levado, minimamente, em consideração, o resultado pode ser desastroso.

É o que temos observado diariamente e que parte, que ironia, de uma parcela de jornalistas que tomam, oportunamente, o tema mobilidade como pauta. Um desserviço que promove a assimilação desfavorável por parte da população de um dos temas que mais a afeta, diretamente. Reafirmamos, trata-se de uma parcela de jornalistas de mídias tradicionais que perceberam que falar sobre obras cicloviárias em uma megalópole como São Paulo lhes confere notoriedade. Formadores de opinião em massa com pouca propriedade para aprofundar o diálogo.

Ao tentar associar a sua fala aos interesses de uma classe que ainda vive como nos moldes do Império, acabam por banalizar o tema, insinuar posicionamentos de alguns atores, bem como favorecer a tomada de decisão polarizada e que é retrógrada, além de conservadora. E ainda é possível que digam que a cor vermelha das estruturas cicloviárias esteja associada a algum partido ou gestão. Por favor, refinemos o olhar.

Não queremos polemizar, porém, este pequeno grupo de profissionais de comunicação deixa transparecer certa miopia ao abordar o tema vindo a tratar o mesmo com leviandade e pouca profundidade. Não conhecem o tema mobilidade urbana porque ainda estão longe deste objeto. Isto é miopia, que no grego myopia quer dizer “olho fechado”, por conta que as pessoas que são acometidas deste mal costumeiramente fecham os olhos buscando focar um objeto distante, quase em uma contradição, fechando os olhos para ver melhor!

Tal atitude, e como disse anteriormente, que serve para concretizar um propósito, concorre contra os plurais avanços nas escolhas de centenas de cidades pelo país, as quais estão por decidir pela adoção de um novo modelo de sistema viário e acabam por receber os respingos dos posicionamentos míopes de algumas mídias, influenciando e comprometendo todo um processo.

Ao passo dos anos, nos especializamos em bicicleta, em cicloturismo, em comportamento de ciclistas e em mobilidade urbana sustentável. Dedicamos muito tempo a compreender um universo de fatores, limitantes ou não, das políticas de mobilidade urbana. Difícil precisar se passamos mais tempo sobre o selim de uma bicicleta ou se estudando o que nos cerca. Ouvimos e analisamos o que dizem mestres da área. Fizemos testes, fomos a campo, discutimos com outros players, colocamos nossa carne à prova. Sabemos a ‘dor e a delícia’ de pedalar pelas cidades, pelas grandes cidades do país e fora dele.

Sim, pedalamos por dezenas de capitais brasileiras e por São Paulo, pelas ciclorrotas, ciclofaixas e ciclovias, em horários de pico e nos finais de semana, para ter uma noção mais concreta da realidade. O sistema pede mudanças porque uma enorme fatia da população precisa de alternativas para ir, vir e sobreviver. E toda mudança precisa de tempo para que seu resultado se perceba estável, até o momento em que surja a necessidade de outra transformação.

Ficamos sempre gratos ao ler artigos de profissionais de comunicação que se debruçaram sobre seu tema e o fazem com extrema competência, seja no esporte, na música, na política ou na economia, entre tantos outros.

Esperamos que o comportamento arredio à mudança esmaeça conforme os benefícios gerados pelas transformações na lógica urbana apareçam, cada um a seu tempo.

E que as letras e as imagens não invalidem aquilo que ainda não conseguem explicar.