Pare. Respire fundo.
Antes de seguir a leitura, observe à sua volta.
Permita que os seus sentidos se revelem, um a um.
Entenda, conscientemente, sua participação neste tempo e neste espaço.

Se, por ventura, você não concordar com algo que estará exposto logo abaixo, não há problema algum, afinal, este texto se baseia, tão simples e humildemente, em nossa particular observação e interpretação da realidade, a qual nos parece oportuno compartilhar.

Aliás, nunca foi tão natural, comum e normal compartilhar.

Por vezes, cremos erroneamente que estas três palavras – natural, comum e normal – sejam sinônimas, mas em realidade querem dizer, substancialmente, coisas bastante distintas.

Por ‘natural’, compreende-se algo que é nato, que é nascido de tal forma, oriundo ou originário, pertencente ou referente à natureza das coisas ou pessoas. Então, é natural que se queira cidades cada vez mais humanizadas, cada dia mais devolvidas às artes, ao verde e à convivência. Isto não tem sido nem normal nem comum, como temos observado, por infelicidade nossa.

Mas vamos às outras expressões.

Por ‘normal’ se compreende algo que está expresso e/ou explícito, que seja usual, regular, corriqueiro, que siga dentro de uma normalidade reconhecida em um código, por exemplo, o de trânsito.

Então, a desumanização das cidades tem sido a normalidade defendida por um sistema carrocrata, desigual, excludente, que verticaliza as paisagens e impermeabiliza o solo, entre tantas coisas. Não é, nem de longe, natural, mas é comum. Indo além, é normal o uso compartilhado das vias, pois está no Código, e é natural que o “maior proteja o menor”, mas não tem sido comum.

E por ‘comum’, se entende aquilo que seja reconhecido por uma maioria, na grande parte das vezes não sendo nem natural nem normal. O que é comum, para algumas pessoas, pode tender ao reducionismo, à uma percepção fragmentada da realidade orientada pelo senso, que ironia, comum.

Mas, não é à toa que a ideia de ‘comum’ em si carrega algo sem grande complexidade. Portanto, infelizmente, são comuns mortes no sistema de trânsito, mas nem de longe são naturais nem normais.

Sob a mesma lógica, é comum que a violência desmedida e desproporcional seja a resposta encontrada para dar vasão à indignação reprimida por tantos anos, mas violência tampouco é natural ou normal.

É comum ver todos os dias cenas de exclusão nas ruas, nas calçadas (afinal, nós ciclistas temos que proteger o pedestre), mas também dentro dos grupos de ciclismo, por vezes sob a forma daquele comentário irônico que achamos inofensivo a respeito de mulheres, negros, gordos e novatos, coisas que não são nem normais ou naturais.

Ao repensar sobre os últimos dez anos, acreditamos que se vive um momento de ecdise, uma transformação de dentro para fora, uma troca de carapaça, repudiando-se a tudo ou quase tudo o que não se aplica, não agrega, não resolve ou não transcende.

Jamais tivemos tanto clamor por igualdade, por não violência, por justiça, respeito, liberdade, paz, enfim, por tantas emergências que deveriam ser ao mesmo tempo naturais, normais e comuns.

O materialismo e o consumismo, enquanto sistemas de ideias, condicionantes e repressoras, irão perdurar, não há dúvidas, porém, estão sofrendo inúmeras baixas, porquanto embasados no consumo sem limites e na invenção de necessidades, ao passar das décadas não corresponderam às expectativas de milhares de pessoas pelo mundo, as quais estão fazendo sua escolha de vida por ser, simplesmente.

Diga-se de passagem, ser (verbo) nunca foi tão popular assim.

Graças à viralidade das mídias sociais, um sem-número de sites, blogs e perfis têm promovido a volta ao mais natural em nós, desde o consumo de alimentos não industrializados, até a desistência do irremediável imperialismo do uso da televisão como opção de lazer.

Há uma nova ordem em riste e ela se registra por iniciar a deter o inaceitável que se opõe à naturalidade e à normalidade. A nova ordem nem precisa ser anunciada, ela está a olhos vistos tomando o que é seu por direito, natureza e regra. Este momento tão especial de voltar ao mais humano em cada ser é o mesmo de devolver ao que criamos a nossa parte mais bonita de humanidade.

©Sense Bike

As cidades são, como já reclamamos inúmeras vezes, uma expressão concreta do que somos, criamos, sonhamos e imaginamos. Quanto melhor formos, melhor será o que criarmos, sonharmos e imaginarmos.

Por vezes inúmeras ouvimos os clamores por transformação, seja econômica, social, socioambiental, ética, mas esta tal transformação não se dará distante de nós, nem mesmo prescindindo de nós.

Transformar significa envolver-se, dedicar-se e engajar-se ao processo de mudar de um estado para outro, expressivamente. Transformar é, mais que tudo, abdicar daquilo que não é mais válido em favor daquilo que se precisa, deseja ou merece.

A bicicleta e seus usuários estão sendo, ao final da segunda década do século XXI, um modelo de valorização da vida.

Dizemos isto porque andar de bicicleta devolve às cidades nosso lado mais humano; protege o pedestre, o cadeirante e o idoso; não polui nem agride o ambiente onde se está; é uma atividade cultural bem-vinda em tempos de ostracismo social e midiático; faz muito bem à saúde mental e física, individual e coletiva; envolve a família e amigos de todas as idades; não faz distinção de gênero, raça ou qualquer outra categoria dicotômica; enfim, a bicicleta e seus usuários são o que se precisa em um planeta quase 8 bilhões de habitantes em situações desiguais.

Diariamente, aumenta o número de usuários de bicicleta, motivados pelas mais diferentes razões, todas elas dignas, e com isto, transforma-se as paisagens urbanas de dentro para fora. Trata-se de uma transformação de conteúdo, não apenas de aparência. Não, não se trata de uma moda, mas de uma cultura, e cultura, quando arraigada, é muito difícil mudá-la.

E seja a bicicleta de que marca for, tenha lá os equipamentos que tiver, ela continuará sendo determinante de um modo de vida, de uma escolha individual pelo plural, será ela a companheira de sonhos, de descobertas e caminhos, arrancando sorrisos e suspiros em quem passa e em quem observa.

Então, pare.
Antes de seguir, observe à sua volta.
Permita que os seus sentidos se revelem, um a um.
Entenda, conscientemente, sua participação neste tempo e neste espaço.
E viva a bicicleta, sempre!

©Sense Bike