Fui chamado no prédio da Azul Linhas Aéreas em Barueri para conversar sobre uma ideia que o CEO Kleber Linhares teve pedalando um dia desses na Ciclocapivara.

Na sala dele, com o Robson Costa ao lado, Kleber me explicou que entre idas e vindas de membros da equipe, ele precisava de uma cola nova; o time precisava sentir, viver e acreditar em todas as situações internas, fossem metas, relacionamentos ou motivação.

Ele decidiu que levaria 14 pessoas do time de T.I para o Caminho da Fé, e eu não tinha certeza se ele sabia do tamanho da dificuldade que é esse trajeto, que serpenteia entre Minas Gerais e São Paulo, e é conhecido por suas montanhas sem fim, paisagens lindas e pelo desapego de tudo que não for importante.

“São essas lições vividas vida real que fazem você crescer em todos os campos.”

Toda a equipe dele têm o perfil corporativo: correr atrás de metas, peso das obrigações, dedicação em tempo integral ao trabalho, e o cuidado com o pessoal sempre em segundo plano. Mas quando ele olhou firme e falou que estava comprometido com esse projeto, eu entendi que o propósito que o movia era suficiente para eu ser o número um a acreditar.

O primeiro passo seria entender o estado físico de cada um, saber quais equipamentos tinham e procurar uma rota que coubesse na agenda e fosse viável. Os integrantes foram chamados um a um na sala e convocados para o Desafio. E nenhum deles sequer titubeou com a resposta, todos saíram fazendo parte do desafio.

Como todo grupo que se forma nos dias de hoje, fomos parar no Whatsapp, e comecei a receber as fotos das bicicletas que alguns tinham, porque outros nem pedalavam. Chegaram fotos de bicicletas com cadeira de criança, cestinhas e até sem marcha: precisaríamos de equipamento adequado para todos.

© Ricardo Gaspar / Ed Bernardes

Na parte física, fizemos exames iniciais em todos, com acompanhamento de nutricionista e treinos indoor para que o time aprendesse aos poucos técnicas de cadência, força, medir a potência por quilo individual, estabelecer metas e ganhar condicionamento.

Foram dois meses indoor, até a primeira saída para a terra. Procuramos uma trilha tradicional perto de São Paulo, o Limoeiro, e lá o grupo sentiu a diferença da sala, que era um ambiente bem controlado, com o calor, frio, falta de água, subidas com pedras. Sofreram, empurraram, ficaram esgotados e decidiram treinar mais ainda. O grupo sempre procurava novas formas de melhorar, levantando de madrugada, treinando sozinhos e buscando mais e mais informações.

Sempre acreditei que não existe lição maior de planejamento, organização, metas, resiliência, convívio e respeito com pessoas que uma cicloviagem. São essas lições vividas na vida real que fazem você crescer em todos os campos. Algo que Kleber sempre citava para o grupo era que “quem bate meta pessoal na vida profissional chega onde quiser”, e eles queriam estar dia 05 com o certificado nas mãos em Aparecida.

O planejamento foi cheio de dúvidas e discussões, já que havia a responsabilidade pela segurança de muitos passageiros todos os dias, planos de contingência para todas as situações, tudo programado e treinado. A equipe se jogaria num terreno de variáveis incontroláveis, e eles precisavam de um plano detalhado para que tudo pudesse acontecer bem, mesmo que fosse apenas para ter aquela sensação de controle. Foi com a palavra-chave segurança que cada etapa foi diversas vezes analisada.

Uma série de patrocinadores quis apoiar o projeto, que ficou muito maior durante o caminho. Os recursos foram aumentando e as responsabilidades também; o Desafio Azul passou a ser o assunto, na empresa só se falava nisso.

Na avaliação final, depois de três meses de treinos e dedicação, todos aumentaram massa magra, diminuíram gordura corporal, baixaram o colesterol e emagreceram.

© Ricardo Gaspar / Ed Bernardes

Em 31 de agosto, bicicletas e uniformes estavam prontos para seguir para Ouro Fino, e o desejo de começar o Caminho da Fé estava nos olhos de todos, aquela mistura de ansiedade, preocupação e questionamentos… era hora de começar.

Dia 01 OURO FINO > TOCOS DE MOGI

Tiramos uma foto do marco inicial no Menino da Porteira e começamos. O trecho até o Bar do Maurão, onde pegamos a credencial, é um dos mais gentis do trajeto: uma reta suave de quase 10 km. Entre as subidas e descidas, recebemos o primeiro cartão de visita, que é a subida da Porteira do Céu, uma longa escalada às nuvens, com direito a um banco famoso por recuperar os batimentos cardíacos dos ciclistas. Foi a primeira e última vez em todo trajeto que um dos ciclistas precisou de apoio. Na chegada em Tocos, na pousada do Zé Dito, uma mesa com morangos nos aguardava, era palpável a exaustão, a felicidade e o orgulho de ter completado e batido mais um carimbo.

© Ricardo Gaspar / Ed Bernardes

Dia 02 TOCOS DE MOGI – CONSOLAÇÃO

Uma das certezas de um desafio assim é que ficamos mais fortes durante o caminho. Nosso corpo chega a um acordo com a gente, as subidas sem fim passam a ser aceitáveis e começamos a apreciar a beleza do caminho e olhar para dentro. Tivemos três boas subidas, com a famosa Serra do Caçador nos recebendo com quase 30 graus, subidas de terra e bloquetes se intercalavam em curvas infinitas. Um cachorro se juntou ao grupo e recebeu o nome de Garmin, ganhou banho, ração e ficou na nossa pousada. Almoçamos, lavamos as roupas e descansamos na praça central.

© Ricardo Gaspar / Ed Bernardes

Dia 03 CONSOLAÇÃO – BRASÓPOLI

Não sei se nos adaptamos, mas passamos a sofrer menos. Pedalar passou a ser automático, as pernas estão mais pesadas e firmes onde precisam ir. O cachorro continuou nos acompanhando (só parava de chorar quando podia ir ao nosso lado), e a delícia do dia foi a descida até o pé da Luminosa, o grupo chegou radiante. Aumentamos a música e acendemos a churrasqueira. Eu sempre olho para aquela imensa montanha e faço uma reverência, é um dos lugares onde a paz ainda existe, entre o verde, o silêncio e as bananas da Dona Inês.

© Ricardo Gaspar / Ed Bernardes

Dia 04 BRASÓPOLIS – CAMPOS DO JORDÃO

Choveu muito na tarde anterior e iniciamos a subida com tempo frio. Foram 12 km de pedalada, empurrando entre as montanhas, com paciência, humildade e acertos internos. Deslumbrar a placa que indica a divisa de Campos é ser tomado por várias emoções, euforia, cansaço, sentimento de invencibilidade, frio, agradecimento e olhos marejados. Depois de muita subida, chegamos na cidade de Campos, e o Garmin seguia conosco, e nessa altura já tinha sido adotado pelo Starling e pelo Dorico. Chegamos com a temperatura muito baixa e uma fome monstruosa; banho, almoço, chocolates e mais um membro que deveria estar desde o início se juntou a nós.

© Ricardo Gaspar / Ed Bernardes
© Ricardo Gaspar / Ed Bernardes

Dia 05 CAMPOS DO JORDÃO – APARECIDA

Com um frio de 4 graus, a dúvida foi escolher qual roteiro fazer: Pinda ou Pedrinhas. Eu sempre escolho o mais bonito, apesar de as vezes não ser o mais fácil. Foram quase 10 km sem parar, com dois mirantes, Pau Arcado e São José dos Alpes, e chegamos em uma temível descida com valas e muitas pedras soltas. Paramos na metade do caminho no Restaurante O Tão do Gomeral, fomos recebidos com o sorriso largo do casal, um labrador e o sabor do acolhimento. Partimos para os últimos 30 km, cheios de vontade de chegar logo e de nostalgia do fim; as pernas aceleravam e o coração começava a se agitar.

© Ricardo Gaspar / Ed Bernardes

Chegando em Aparecida, o último quilômetro é aquele onde você solta as pernas, encosta na pessoa ao lado e sabe que essa vivência e cumplicidade são para sempre. Paramos em frente à Catedral, com a sensação de dever cumprido, consolidando agora aquele projeto de 8 meses.

© Ricardo Gaspar / Ed Bernardes

O choro veio tímido e tomou conta, abraços apertados, orgulho de ter feito parte dessa história, lembranças desses cinco dias intensos e de que esse time já tem lugar naquele espaço dos inesquecíveis.

“O último quillômetro é aquele que você solta as pernas, encosta na pessoa ao lado e sabe que essa vivência e cumplicidade são para sempre.”

Kleber falou: “Ricardo, se alguém falar que você não irá conseguir, apenas continue, ninguém te conhece tão bem quanto você mesmo. Nós chegamos.”

© Ricardo Gaspar / Ed Bernardes
© Ricardo Gaspar / Ed Bernardes

Agradecimento na igreja, certificado na mão e seres humanos e profissionais muito melhores que cinco dias atrás.

© Ricardo Gaspar / Ed Bernardes

O cachorro Garmin foi adotado, já fez exames e passa muito bem, as bicicletas já saíram da revisão e estão prontas, meu telefone já me avisa que eles querem voltar para a trilha

© Ricardo Gaspar / Ed Bernardes

Obrigado Azul! Levo comigo 14 pessoas para sempre e uma história guardada no coração.

© Ricardo Gaspar / Ed Bernardes