Há alguns anos atrás, dias depois do dia do ciclista tive que ouvir essa do meu próprio médico. E continuou: “É! Eu sei bem, sei porque ando de moto, vejo de perto. Vocês não respeitam o sinal vermelho.”

E continuou: “É! Eu sei bem, sei porque ando de moto, vejo de perto. Vocês não respeitam o sinal vermelho.”

Me culpa. Mesmo assim não o deixei falando sozinho: “Não é assim, você não pode generalizar.”

Na conversa ainda tive que escutar que há ciclistas que ficam andando em ziguezague na Avenida Paulista. “Porque é que o cara anda de bicicleta na Avenida Paulista?”

Eu aprendi a me locomover de bike em uma época em que não se usava capacete. Para os que falam a linguagem de quatro rodas também não se usava cinto de segurança. Eu ia pedalando para a escola pela Marginal Pinheiros (pela Marginal Pinheiros!). Não existia ciclovia e ciclofaixa, e a bicicleta ainda nem era um símbolo de mobilidade sustentável.

Eu cresci assim no meio de um trânsito caótico, em que muitas vezes andar de bicicleta na calçada não é uma questão de folga, e sim de sobrevivência.

Talvez o ser humano não seja capaz de dividir espaço. Digo isso porque meu médico me “atacava” na posição de motociclista, outra “raça” considerada folgada. Como pode uma bicicleta tornar-nos diferentes? Somos humanos!

NÃO É UMA BICICLETA, UM PATINS MUITO MENOS UM CARRO QUE NOS TORNA DIFERENTE DOS OUTROS, SÃO NOSSAS ATITUDES.

Certo dia, fui patinar no Parque Ibirapuera. Se você, ciclista, já se considera uma raça sem espaço, tente ser patinador por um dia. Estou em uma fase de treinos para uma competição em que terei que patinar, para complicar a situação a prova é de Endurance, ou seja, as pernas de patins serão longas, portanto, preciso treinar volume. Um dos poucos lugares que encontrei para treinar é na ciclopista do Parque Ibirapuera.

Durante a semana bem longe dos horários de pico, uso a pista do parque para tentar melhorar na modalidade.

Treinando percebi que em uma das voltas um homem que pedalava no sentido contrário falava comigo. Eu não ouvi mas pela sua expressão corporal percebi que estava incomodado com algo. Na volta seguinte entendi que o fato de eu estar patinando na ciclofaixa estava deixando o senhor tão irritado que ameaçou jogar a sua bicicleta em cima de mim. Tive um flashback: “Ciclista é folgado.”

Na posição de patinadora, provavelmente também folgada na opinião desse senhor, me senti uma triste ciclista. Não é uma bicicleta, um patins, muito menos um carro que nos torna diferente dos outros, são nossas atitudes. Somos todos iguais.

Talvez folgados não sejam os ciclistas, os pedestres, os motociclistas e motoristas. Talvez folgados sejam todos aqueles que brigam por espaço. Aqueles que ainda não aprenderam que é preciso dividir, seja nas ruas, nas calçadas, nas ciclovias.