Alumínio, borracha, aço, ferro, nylon, plástico etc.

Uma bicicleta pode ser vista de muitos modos e por suscitar paixão, magia, boas lembranças e horizontes de possibilidades dificilmente é vista deste ângulo, como uma coletânea de materiais, hoje oriundos das mais diversas partes do mundo. Pneus podem ser da Indonésia, cabos do Brasil, câmbio do Japão e selim da China. Uma bicicleta toca muitos lugares, agrega muitos materiais. Em tempos de mudanças climáticas se apresenta como uma importante ferramenta de mobilidade e faz parte da resposta a dependência de combustíveis fósseis, mas ter em mente que consome recursos é importante para qualificar a discussão sobre sustentabilidade.

Guiado por estas reflexões em 2019, Lúcio K. Canabarro, um ciclista da cidade de Pelotas, sul do Brasil, que para comemorar de modo inusitado os dez anos de uso da mesma bicicleta empregada nos deslocamentos diários, coletou o equivalente ao peso da bicicleta em latas de alumínio que encontrava pelas ruas, em suas jornadas de ida e volta para o trabalho. A coleta marcada por um ritmo de uma ou duas latas por jornada, iniciou-se em março e foi concluída em dezembro, totalizou 1261 latas, isto é, 15,1 Kg. Novecentas gramas a mais do que o peso da bicicleta. Todo o material coletado foi ao longo do processo sendo entregue a catadores locais e centros de coleta de material reciclado.

Embora a ideia de compensação ambiental seja algo questionável, pois abre margem para negociatas, afinal créditos de carbono na bolsa de valores não compensam o clima, ou a extinção de espécies, foi uma tentativa de retribuir o material empregado no quadro e em muitas peças da bicicleta. O Brasil é um dos maiores exportadores do mundo de bauxita, matéria prima do alumínio, com minas no Pará. Nossos aros e quadros podem estar a custar nacos da floresta Amazônica e pedaços da selva tropical da Indonésia. A bicicleta tem uma quantidade de material empregada muito inferior a um carro ou moto, no entanto em um cenário de crise cabe a nós ciclistas refletir e cobrar das empresas alternativas como logísticas reversas, embalagens biodegradáveis, etc. Um pneu de bicicleta usa menos material do que um pneu de carro, mas ainda é um pneu. O óleo do freio hidráulico tem pouco volume, mas ainda é óleo com potencial para poluir água. Onde andará hoje o quadro ou o jogo de pneus de nossa primeira bicicleta na infância? Este é o ponto.

A complexidade da crise ambiental atual terá com certeza a bicicleta como uma das soluções, mas a aura de sustentável não deve afastar a consciência de que uma bicicleta envolve materiais e têm alta complexidade industrial. Ser responsável para com a manutenção para o aumento da vida útil das peças, questionar-se se realmente necessitamos trocar de bicicleta a cada ano, ou perguntar qual foi o processo de produção ou o destino de materiais usados, sejam eles partes da bicicleta, do vestuário e apetrechos da prática de ciclismo, no seu termo amplo da palavra, qualificará e aprofundará ainda mais o caráter sustentável já existente, mas ainda não totalmente dimensionado. Uma atitude que como as 1261 latas coletadas pode ser singela, mas que como ciclistas, como cidadãos, como consumidores, deve ser uma causa abraçada por todos envolvidos dia a dia com esta fascinante invenção chamada bicicleta.

© Lucio Canabarro