Nós, humanos, somos especialistas em colocar a culpa nos outros ou em alguma coisa. É difícil para cada um aceitar que faz algo errado ou que é parte do problema.

O ciclista leva uma fina e culpa o motorista por desrespeito. O motorista culpa o governo porque não tem ciclovia. O Sistema Nacional de Trânsito pode “culpar” a própria população, alegando nunca ter recebido um pedido por escrito para que fosse construída uma ciclovia naquele local. A população rebate a culpa pela falta de fiscalização. Por culpa das facilidades para se comprar um carro, os governantes veem as ruas se encherem de carros e se sentem pressionados a construir mais e mais rodovias. Essas facilidades são tidas como “necessidades” do crescimento econômico, que resulta na diminuição da desigualdade social com a ascensão da classe média, à qual há quem também confira a culpa, e por aí vai.

Somos complexos. Temos a capacidade de construir automóveis que andam a centenas de quilômetros por hora e vão de 0 a 100 km/h em pouquíssimos segundos, depois temos que fazer leis que proíbam ultrapassar certo limite de velocidade.

Fazendo uma analogia e sem culpar ninguém, isso é o mesmo que vender armas e depois prender quem atirar em alguém. Em 2005, no Brasil, a população optou pelo não no referendo sobre a proibição do comércio de armas de fogo e munições. A maioria alegou que a arma é uma proteção para situações de legítima defesa e deveria continuar sendo comercializada, se o comércio fosse proibido os criminosos se sentiriam mais a vontade para realizar assaltos e roubos. Mas sempre existem extremos, como o atirador que invadiu uma escola municipal no bairro de Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro, em 2011, ou o triste caso do atirador que matou 20 crianças e seis adultos na escola Sandy Hook, em Connecticut, nos Estados Unidos.

No caso do trânsito, inicialmente o homem apenas caminhava. Em seguida, começou a utilizar veículos com rodas. Depois, automotores. Hoje, mesmo de avião, o homem está sempre com pressa. Se tivéssemos parado a “evolução” na bicicleta, seríamos felizes sem saber, então, procuraríamos angustiados e ansiosos uma maneira de nos locomover mais rápidos – o que de fato aconteceu.

Parece que só tomamos consciência dos efeitos negativos do que fazemos quando sentimos na pele. Uma companhia aérea americana, por exemplo, estava passando por um problema que incomodava muito seus clientes: o extravio de bagagens. Ela já havia dado advertências, feito reuniões, vistorias, mas nada adiantava. Até que alguém teve a seguinte ideia: convocar os gerentes responsáveis pelo setor de bagagens para um encontro fora de suas cidades e propositalmente extraviar as suas bagagens. Depois de passar dois dias apenas com a roupa do corpo, eles tomaram medidas e resolveram boa parte do problema. Temos casos de sucesso de cidades que incentivaram a bicicleta e o transporte público e melhoraram a mobilidade urbana depois de sofrer com a invasão do automóvel, mas nós só vamos entender isso quando o nosso trânsito parar.

Isso demonstra certo individualismo que reina em nossa sociedade. Eu só entendo dos problemas que me afetam. Para entender o outro, tenho que passar pelo que ele passou. Perdemos a capacidade de nos colocar no lugar do outro. Aprendemos a buscar o nosso bem-estar e não conseguimos abrir mão dele para um momento de conforto ou satisfação do outro. Falamos demais, culpamos demais, e não paramos para ouvir, o que seria um grande avanço na convivência. Carecemos de empatia.

Temos que reconhecer que quem já opta pela bicicleta e luta por esta causa está à frente dos demais, é até menos culpado, desde que respeite e saiba ouvir quem ainda não entendeu a grandeza desse ato. Mas não há ninguém perfeito e para um bom convívio social, parar de julgar e achar culpados para tudo seria um bom começo. Assumamos a culpa nossa de cada dia.