Notório pedaço da história do país e da América do Sul. Destino cobiçado para o currículo da grande maioria dos cicloturistas nacionais e estrangeiros. Sabores inimitáveis; cenários que inspiram segurança e tranquilidade; paisagens naturais e culturais que impressionam. Inspiração para músicos, poetas e outros artistas. Se tudo isto ainda não for o suficiente, ouse descobrir muito mais pedalando ‘devagar’ por esta porção incrível da Estrada Real.

Tivemos a sorte de ser incluídos, meses atrás, em um grupo de seletos formadores de opinião, convidados a percorrer o Caminho dos Diamantes em um FamBike para jornalistas.

O convite formulado pelo Instituto Estrada Real propunha uma semana de pedal pelos caminhos de terra, seguindo os marcos referenciais entre Diamantina e Ouro Preto, acompanhados por ‘ciclo-especialistas’ do próprio Instituto e de uma estrutura que incluía, além de todo um roteiro pensado para favorecer experiências ímpares aos cicloviajantes, veículos de apoio e profissionais de salvamento, contatos com personagens de cada localidade, entre outros aspectos.

© Therbio Felipe M. Cezar

Algumas percepções sobre este evento já foram muito bem apresentadas pelos companheiros que o realizaram conosco, publicadas meses atrás, seja na revista de bordo da Avianca, no interessantíssimo blog Viajando com Aman, no programa de Tv +Ação da Rede Minas ou nas redes sociais, enfim, sempre levando em consideração mais do que a simples realização de um roteiro para cicloturismo. 

Do muito que poderia surgir ou resultar de uma cicloviagem acompanhado de um grupo de pessoas, no mínimo, especialistas no assunto, creio que cheguei até três expressões que, sem pretensão de ser reducionista, concentram sem resumir o que em mim ficou guardado do Caminho dos Diamantes: Ver, Sentir e Ser um fragmento da Estrada Real.

Uma das primeiras sensações que se tem ao iniciar o percurso, em Diamantina, é que tudo o que há para ser visto é demais, não cabe nos olhos, porque para qualquer lado que se dirija o olhar há algo que nos captura, seja pela perplexidade diante do belo, pela simplicidade das gentes ou pela velocidade da vida que insiste em ser menor do que a de nosso mal costume.

© Therbio Felipe M. Cezar

Há de se calibrar o olhar enquanto se pedala pelas ruas de pedra da cidade de Juscelino e de Chica da Silva, inclinadas e vestidas de toda cor misturada ao branco da roupagem dos casarios, carregados de tempo, porém, impecavelmente revitalizados e cuidados pela sua comunidade. Seja à luz do dia ou durante as madrugadas tranquilas facilmente se percebe o zelo e o esmero com a limpeza, pelo menos do que nos foi possível notar.

Lapidada pela sua gente, Diamantina se revela rica, sobretudo, em detalhes. Para vê-los, faz-se necessário perder- se rua após rua de um casco histórico recoberto de atrações, boa mesa e segurança.

Toda esta atenção com a hospitalidade pode ser encerrada em dois dos bons exemplos por lá encontrados com facilidade: Pouso da Chica, aconchegante e confortável pousada onde se degusta um café da manhã regional impecável e o Espaço B, no Beco da Tecla, um feliz patchwork de livraria, café, restaurante, onde os pratos servidos provam que quem os preparou sabe muito do riscado. Sentir os aromas e os sabores das manifestações culturais durante a estada em Diamantina atiça a vontade por saber o que virá depois.

Destaque para algo que grita aos olhos, sem metáforas. O cabeamento de energia elétrica e outros serviços é, quase em sua totalidade, subterrâneo, o que confere à paisagem urbana todo o direito de ser percebida e admirada. A fotografia, entre outras coisas, agradece. Inúmeras cidades brasileiras que se acham ou se querem turísticas deveriam ter em Diamantina um exemplo a perseguir.

Portanto, partir é um verbo que não se deveria permitir conjugar quando a referência é a quase tricentenária cidade, que além de ser tombada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), também é reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade.

© Therbio Felipe M. Cezar

Tudo parecia dizer: ‘Veja as calçadas, as eiras, beiras e tribeiras, meu senhor. Veja as telhas nada simétricas feitas ‘nas coxas’ dos escravos; veja as torres das igrejas e o Café Baiuca na Praça Correa Rabelo. Repare nas janelas ornadas com flores ou com ‘namoradeiras’, simpáticas estátuas femininas feitas em madeira colocadas ao borde das aberturas de guilhotina, não para seduzi-los, mas para encantá-los’.

Buscando sair da cidade, invariavelmente o cicloturista será saudado por várias pessoas, quase que como um agradecimento por incluir no roteiro de viagem algumas horas percorrendo seu lugar, sua joia, sua casa. Esta maneira de ser não abandona o cicloturista em nenhum momento sequer, até encontrar o caminho de terra que leva em direção a São Gonçalo do Rio das Pedras, Milho Verde, Três Barras e Serro.

Mal o grupo se acostuma com o som das rodas sobre o chão árido, o caminho permite um encontro inusitado. Tivemos a graça de parar alguns minutos para conversar com o casal Nemo Romero e Jimena, jovens argentinos, artistas de rua, empurrando duas bicicletas simples carregadas com toda a sorte de tralhas e, pasmem, um monociclo e um bambolê! Nada surpreenderia mais a um grupo de cicloturistas usando bicicletas caras e super equipadas do que cruzar com dois outros cicloviajantes em tais condições. Aliás, penso que os sorrisos sinceros e humildes do casal ao encontrar-nos foram ainda mais surpreendentes.

Um de nossos companheiros de viagem, o leal Leo Bike, expert em pilotagem e em gentileza, notou que havia algo de errado com uma das bicicletas do casal e, em questão de minutos, resolveu o problema de mecânica que não os permitia pedalar. Tais caminhos nos concedem o poder incomum de ser mais do que sequer imaginamos. O sol quente que nos atrapalhava deixou de ser notado após nosso encontro com tais personagens. Obrigado, Nemo e Jimena, diamantes deixados no caminho para serem colhidos a quem interessar possa.

Obrigado, Nemo e Jimena, diamantes deixados no caminho para serem colhidos a quem interessar possa.

Em São Gonçalo do Rio das Pedras, mais um fragmento da hospitalidade mineira. Ao chegar no Bar do Ademil (sim, é Ademil mesmo!), em frente à pousada Refúgio dos Cinco Amigos, a prosa com o proprietário antecipa a boa mesa que logo se seguirá. Em instantes, se pôde contemplar uma cena incrível, não só pela comida caseira com gosto de “casa da avó”, mas pelo capricho do artesanato feito em capim-dourado e das panelas ariadas (quase ‘ouriadas’), reluzindo no beiral da janela da cozinha. Fica claro que aquele ambiente, para os mineiros, tem significados muito mais profundos do que simplesmente abastecer o corpo com alimentos. É um convite a ser, apenas isso.

Ao seguir e ao passar pelas próximas cidades, cruzando algumas vezes o importante e ameaçado Rio do Peixe, é notável e benfazeja a presença das pessoas nas praças e largos públicos. Destaco isto por ter percebido, ao viajar por outros estados, que as praças foram deixadas de lado pelos cidadãos, o que submete tais espaços públicos à patologias sociais urbanas, dentre elas o vandalismo, a falta de manutenção do patrimônio comunitário e adoção de tais locais de lazer pelo tráfico e prostituição.

© Therbio Felipe M. Cezar

É fácil perceber que as praças por onde passamos estavam limpas, tinham a grama aparada, se viam sinalizadas, iluminadas à noite, e o melhor, apropriadas pela comunidade.

Seguindo viagem, na bifurcação das estradas que levam de um lado a Alvorada de Minas e de outro a Santo Antônio do Itambé, uma triste constatação. Veículos motorizados de grande porte seguem levando, de um lado para outro, o resultado da extração de minério que cria cicatrizes indeléveis na paisagem e na cultura local.

Ainda que qualquer experiente economista tente me convencer sobre o resultado econômico da atividade de mineração, nada de sustentável pode ser conferido a tal prática. E, para concluir a reflexão, se uma atividade não é boa para o cidadão, jamais o será para o turista.

Se formos analisar do ponto de vista sociocultural, seria bastante pertinente levantar as condições de saúde familiar, índice de alcoolismo, violência contra o menor e contra a mulher, exploração do trabalho infantil, evasão escolar, entre tantas outras variáveis que permanecem escondidas por traz de um discurso desenvolvimentista e alienante.

Se uma atividade não é boa para o cidadão, jamais o será para o turista.

E choca mais ainda saber que 90% destas empresas de mineração são norte-americanas. Que tal atividade gera trabalho e renda, não se discute, porém, de que tipo de trabalho e de que renda estamos falando?

O nome Itapanhoacanga (pedra cabeça-de-negro, em tupi), confesso, foi soletrado e treinado repetitivamente durante as longas horas de pedal, porém, possivelmente repercutiu em um dos mais belos cenários de toda a viagem. Este distrito de Alvorada de Minas é um pequeno fragmento de caminho composto de passagens sobre rios e estradas estreitas entre matas de galeria, as quais faziam crer que, logo após, seria possível vislumbrar muito mais além. E a promessa foi cumprida.

Antes mesmo de poder chegar ao final da subida, impossível não deter- se diante da figura imponente do Seu Sebastião, com menos de 1,60 m de altura, camisa azul surrada e bonezinho branco posto na cabeça, caminhando com dificuldade, mas com fé.

© Therbio Felipe M. Cezar

A saudação hospitaleira que nos dirigiu, carregada de doce simpatia e de sentido deixava entrever o moleque de calças curtas e boca suja de manga sabina por trás daquele semblante de 83 anos, cuja cútis mais lembrava os caminhos tortuosos de terra e mato pelos quais passamos. Com uma foice sobre os ombros, o pequeno homem indo para o trabalho feliz era feito de uma boniteza que emociona, com os olhos de jabuticaba que se fizeram mais brilhantes enquanto conversávamos, como se fôssemos nós, o momento mais belo do dia.

Mais uma vez, nos toca a delicadeza do povo deste lugar, que de fato, é a sua maior fortaleza. Depois da prosa ligeira, e de coçar a cabeça meio que sem entender o que essa gente viera de tão longe de bicicleta fazer no seu “cantinho de mundo”, Seu Sebastião dita aquela frase que até agora retumba em nossas cabeças: “moço, vai com Deus e obrigado por visitar a minha cidade, que alegria!”. Ser Estrada Real, nas formas mais singelas, pode revelar uma grandeza incomensurável. Lá vai, Sebastião, que sumiu entre a poeira das bicicletas morro abaixo… Sebastião, uma história de vida escondida nos torrões de terra no sertão desconhecido do meu país… Sebastião, um sonho de ‘sertão’… De ser tão Estrada Real.

Moço, vai com Deus e obrigado por visitar a minha cidade, que alegria!

Ao trocar ideias sobre o que vimos e sentimos com um dos companheiros de cicloviagem, o experiente e bem-humorado Gestemberger, percebi que esta emoção silenciosa do Caminho dos Diamantes soara como um grito de siriema na alma de cada um de nós. Então, depois disso, alcançar a Cidade Fantasma, na localidade de Mato Grosso, e avistar o infinito multicolorido das geraes, é apenas mais uma pepita de valor inestimável do Caminho dos Diamantes.

Os trechos da Cordilheira do Espinhaço, feitos de subida-descida- subida, intercalados com paradas para refrescar a moleira em bicas d’água à porta de propriedades rurais ou às margens de riachos, se somam a uma transição de Cerrado, possivelmente tão importante e bela quanto à passagem deste bioma para o pantanal, no oeste brasileiro. A água verte entre os grotões, das encostas de minério para os leitos de rios visivelmente claros. Avistar a Serra do Cipó e a do Caraça não é tarefa difícil quando se está na crista de um daqueles montes.

Não se furte a chance de perceber, ainda que ligeiramente, Santo Antônio do Norte e Córregos, povoados de quase uma rua só, que já foram visitados por figuras importantes da história como o naturalista francês Auguste de Saint – Hilaire, em 1817.

Siga, sem afrouxar a pedalada, em direção à Conceição do Mato Dentro, Morro do Pilar e Itambé do Mato Dentro, emolduradas pela Serra do Cipó. Nesta última, Itambé, uma hospedagem de extremo conforto e hospitalidade espera o cicloviajante. Depois de muito pedalar, não deixe de conhecer a Pousada Lava-pés, onde o João Dornelas recebe a todos com esmero, oferecendo uma noite repositora de energias e uma gastronomia de excelente padrão.

© Therbio Felipe M. Cezar

Mais à frente, em Cocais, distrito de Barão de Cocais, pode-se, alternativamente, ter acesso ao Caminho do Sabarabuçu, pequeno trecho da Estrada Real que leva em direção a Ouro Preto, passando por Caetés, Sabará, cercanias do Parque Estadual da Serra do Rola Moça, Honório Bicalho e Acuruí. Porém, a localidade reserva um lugar ainda mais especial para o cicloturista. Além das igrejas de Nossa Senhora do Rosário e da Capela Nossa Senhora de Sant’Ana, ambas do século XVIII, o sítio arqueológico da Pedra Pintada reúne centenas de pinturas rupestres de mais de 8 mil anos, e de quebra, uma vista monumental. O guiamento no sítio é feito pelos proprietários da localidade, muito bem capacitados, e se trata de uma visita imperdível. É possível contratar almoço saboroso ou lanche com iguarias produzidas no lugar, promessa de sensações ao paladar.

Entre Barão de Cocais e Santa Bárbara, o convite a visitar o Santuário e Parque Natural do Caraça não pode deixar de ser atendido. E os motivos são vários e inimitáveis. Ali, junto à Serra do Espinhaço, ergueu-se um colégio e um mosteiro, em 1774. Presidentes da República como Afonso Pena e Arthur Bernardes tiveram lá seus estudos. A igreja Nossa Senhora Mãe dos Homens, de 1883, é um convite ao silêncio interior. A hospedagem é simples, porém, confortável e extremamente caprichosa. As refeições, com hora marcada, permitem recobrar os ânimos e deixar os sentidos mais aguçados para o que está por vir, ao cair da noite.

No meio do breu da madrugada, em um dos acessos ao santuário, é possível ter um encontro que mexe com as sensações dos visitantes. No silêncio da nossa espera, lobos- guará se aproximam precavidamente em busca da refeição noturna entregue pelos religiosos internos, todas as noites. Não há como não deixar-se hipnotizar por aquela presença tão especial, altiva, elegante e cheia de si, ainda que em processo de extinção, por nossa omissão e culpa, nossa tão grande culpa.

Em nossa opinião, este é um dos pontos de maior impacto por se tratar de uma experiência incomum e de beleza silvestre que impressiona. Acreditamos que em raríssimos lugares no país algo assim se torna tão possível. Recordo que muitos de nós nem sequer piscou os olhos enquanto o guará se fazia presente.

Após uma noite de sono renovador, no caminho Santa Bárbara-Catas Altas, mais uma razão para buscar compreender a importância da Estrada Real, não apenas para as Minas Gerais, mas para todo o sertão brasileiro. O bicame de pedra pelo qual cruzamos se constitui em uma obra de engenharia em forma de aqueduto que, em 1792, servia ao garimpo, de onde provém o nome ‘catas’. Hoje, restam nada mais do que cento e poucos metros de tal construção, possível de visitação.

Dali em diante são poucos quilômetros até Ouro Preto, onde o repouso e o conforto esperam o cicloturista na excelência da Pousada Sinhá Olímpia. Mas, antes disso, visitar Mariana torna-se uma ‘obrigação’ bem-vinda. Palco da Guerra dos Emboabas, Mariana foi a primeira cidade planejada de Minas Gerais, ainda que sob um projeto de engenharia militar de ângulos retos. Visitar, além das igrejas, a Mina de Passagem de Mariana (1821) também deve ser incluído no roteiro, já que se trata da maior mina de ouro do mundo aberta à visitação, com cerca de 120 m de profundidade e 315 m de comprimento, tendo sido desativada em 1984.

Ao final do FamBike Caminho dos Diamantes, centenas de inferências são possíveis, mas nos cabe citar neste espaço apenas algumas. Acreditamos que a iniciativa do Instituto Estrada Real tenha atingido suas metas, visto que centenas de posts foram gerados nas redes sociais pelos ciclistas participantes, promovendo paisagens e a cultura do caminho, além das matérias originadas, atingindo milhares de pessoas.

Os saberes e sabores do Caminho dos Diamantes esperam pelos cicloturistas de todos os cantos do Brasil.

Se há o entendimento que o cicloturista é um consumidor que replica seu repertório de experiências variadas, tem gosto bem formado, é exigente em termos de conforto, segurança e diversidade, e se há claramente o interesse em atrair o segmento cicloturístico para o Caminho dos Diamantes, há que se realizar um forte investimento em mídia segmentada e qualificada, a fim de consolidar este público.

Os saberes e sabores do Caminho dos Diamantes esperam pelos cicloturistas de todos os cantos do Brasil. O papel competente dos especialistas do Instituto Estrada Real, mais do que profissional, se dá de forma amorosa, afinal, revelam o quintal de suas casas para todos nós. Mais que promover o destino, realizam a qualificação da oferta turística local e auxiliam no desenvolvimento de estratégias que possam incidir sobre a potencial melhoria da qualidade de vida daquela gente, não para o turismo, mas através dele.

Ver, sentir e ser Estrada Real… Diamantes postos ao caminho para serem colhidos.


Instituto Estrada Real www.institutoestradareal.com.br
Rua Álvares Maciel, 59 / 11° andar
Santa Efigênia – Belo Horizonte – MG (31) 3241-7166
Procurar os turismólogos especialistas Rodrigo Azevedo e Marcelo Faria Passos.

Livraria e Espaço B
Beco da Tecla, nº 31 – Diamantina (38)3531-6005

Pousada Pouso da Chica www.pousodachica.com.br – Diamantina – (38) 3531-6190

Pousada Sinhá Olímpia
www.sinhaolimpia.com.br – Ouro Preto
(31) 3551- 6369

Equipe de Paramédicos e Resgate Nerea www.nerea.com.br
(31) 3225 – 5721

Santuário do Caraça www.santuariodocaraca.com.br
(31) 3837 – 2698

Programa Vivendo Estrada Real www.vivendoaestradareal.com.br