Incrível cicloviagem pelo sudeste da França!

Em Provença há uma natureza sem sobressaltos, onde um céu quase sempre azul pontifica sobre um relevo harmonioso, sem mais dramatismos que não seja o despontar de uma fraga cinzenta numa seara, com a correspondente presença humana igualmente discreta e sem grandes abalos. Mas há pequenas surpresas que em cima da bicicleta podemos descobrir bem de perto: rios antigos que cavaram gargantas na rocha arenosa, colinas avermelhadas de ocre, aldeias feitas da mesma pedra e da mesma cor do chão de onde se levantam construídas em lugares inexpugnáveis. E também a surpresa da água, que brota em nascentes ocultas, ou entra, salgada, pela terra adentro em canais estreitos, misturando-se ao verde seco do maquis o azul intenso do Mediterrâneo. Para melhor identificarmos estes recantos sossegados de Provença, convém apontarmos no mapa a região da França onde se situam.

De bicicleta, podemos começar a descoberta pela costa. Marselha, por exemplo, para que o contraste da grande cidade com estes lugares, dos mais belos do sul da França, realce ainda mais a pacatez e a rusticidade do interior de Provença. Da praia para o campo e numa área relativamente pequena, passamos por alguns destinos que mantêm ainda um charme de outros tempos, aliado a uma beleza natural igualmente bem preservada.

© Paulo de Tarso

Cenários de filme em Provença

Esta é a primeira impressão, quando percorremos algumas das aldeias tradicionais da zona do Luberon. Só em Provença ficam 17 das 141 povoações classificadas como “as mais belas aldeias da França”.

As aldeias são todas razoavelmente diferentes, cada uma tem o seu charme e todas pedem um agradável passeio pelas suas sombras. Apenas alguns exemplos: La Tour d’Aigues tem um castelo-museu que justifica bem o nome de “Torre de Águias”; em Ansuis existe um castelo ducal, visitável, e uma coleção de batentes, puxadores de porta, sinetas e outros objetos de ferro forjado fora do comum, que lhe dão um ar de aldeia-museu; Cucuron tem clientela garantida às horas de calor, graças a um grande e fresquíssimo lago ensombrado por fileiras de velhos plátanos. Daí entra-se nas muralhas, que têm em pontas opostas duas torres de pedra com vistas magníficas sobre um redemoinho de ruas estreitas. Lourmarin possui as mais belas fontes, e os seus habitantes gostam de, passada a hora da sesta, abrir as portadas das janelas para mostrar os vasos floridos pendurados no seu interior. Fora da aldeia, depois dos cerejais, fica um pequeno castelo da Renascença, ajardinado e redondo, que abriga exposições e conferências. Uma após outra, as pequenas povoações de pedra formam um rosário de lugares de sonho, onde apetece comprar uma casinha e ficar por ali – e não falta quem o faça, a avaliar pelas línguas estrangeiras que se vão ouvindo pelas ruas.

© Paulo de Tarso

A excelência da pedra

O desfile de aldeias tradicionais é apenas interrompido por uma paisagem de colinas, intercalada de casais solitários, semiocultos entre vinhedos e pomares. Mais do que em outras regiões, aqui é notório o domínio da pedra. Em camadas horizontais e verticais, as patelas finas de calcário formam muros, casas, pequenos armazéns, igrejas e toda a estrutura arquitetônica necessária a uma povoação. Dois verdadeiros monumentos à pedra ficam muito próximos um do outro, e demonstram a beleza que a pedra nua pode ter: a aldeia de Gordes e a Abadia de Sénanques, imagem de todos os postais, eternamente enquadradas por campos de alfazema.

Verde-água

Para onde quer que se olhe, a extensão de céu parece bem maior que a de terra, e a água traz algumas das mais belas surpresas  naturais da região. Que dizer da fonte de Vaucluse, extraordinária nascente natural que atinge uma profundidade superior a 300 metros abaixo do nível do mar? Petrarca, impressionado pelo fenômeno natural e pela extraordinária beleza da zona, passou ali alguns períodos da sua vida, entre 1337 e 1353, onde escreveu alguns dos seus mais inspirados sonetos.

É verdade que hoje temos de fechar os olhos ao longo do circo de quinquilharias à venda no caminho de acesso, para só os abrir junto ao enorme poço verde da nascente. A falésia que a rodeia, com mais de 200 metros de altura, faz-nos sentir que descemos por um poço até a linha de água. E que água: de um verde especial que muda com a luz do dia, a nascente tem o ar misterioso que fica bem a um lugar que ainda não revelou todos os seus segredos.

© Paulo de Tarso

Vaucluse não fica longe de Gordes. Mas é no sentido oposto que descobrimos um abrigo, neste solo despenteado pelo vento mistral, e mais uma vez se trata de uma criação da água: as falésias inesperadas, as estreitas gargantas de Oppedette, escondidas pela vegetação. As gargantas do Verdon, para os lados de Manosque, são famosas e imponentes demais para passarem despercebidas. Mas as de Oppedette, pequenas e delicadas, são menos conhecidas e frequentadas, talvez por terem uma escala humana, tal como a aldeia com o mesmo nome, que mais parece um pequeno presépio provençal. O cânion estreito que se abre na rocha mantém-se oculto até chegarmos quase ao pé do precipício. Há sombra, água fresca, piares de pássaros e um refúgio contra o vento – o lugar ideal para um piquenique. Depois é só subir pela parede oposta, por chaminés de rocha onde há degraus escavados e escadas metálicas, que ajudam os caminhantes a chegar de novo à pequena cidade.

À exceção da cidadezinha costeira de Cassis, o restante do nosso itinerário situa-se no “arrière-pays”, as zonas interiores onde é mais fácil fugir ao bulício nos meses de verão. Assim, a maior parte dos lugares mencionados fica no departamento de Vaucluse. Alguns deles, como as zonas de exploração de ocre do Roussillon e de Rustrel, assim como as aldeias típicas entre Ménerbes e Pertuis, ficam no Parque Regional do Luberon. A área é pequena e nos dá uma excelente ideia sobre o que há de melhor em Provença.

© Paulo de Tarso

Quando viajar

O clima não é um problema em Provença, mas se quiser os sítios só para si, o melhor é evitar os meses de verão e os finais de semana.

Quem leva

Sampa Bikers
sampabikers.com.br