Em junho de 2015, o grupo de pedal Os Dinossauros, do qual faço parte, percorreu as Highlands (Terras Altas) Escocesas de costa a costa, do Mar do Norte ao Oceano Atlântico, sendo que uma parte do grupo utilizou mountain bikes elétricas para tal. Pela primeira vez contatamos uma empresa especializada, a H + I Adventures, que colOcou à nossa disposição os experientes guias Chris (35) e Stevens (64). O primeiro é companheiro de pedal do escocês Danny MacAskill, maior nome do bike trial mundial. O segundo é ex-campeão inglês de motovelocidade, hoje totalmente dedicado à bicicleta. Portanto, estávamos em ótima companhia para encarar os vários trechos íngremes e precipícios das Highlands. A experiência deles foi fundamental para superarmos os singletracks cheios de pedras, valas, raízes e muitas subidas. Nossa integração com eles foi excelente e pudemos aproveitar todo o desafiador trajeto e suas belíssimas paisagens.

esmo governados por Londres, os escoceses têm orgulho de manter sua identidade e um sistema próprio de leis e de educação, além de uma administração local e de parlamento independente. Desde que os romanos invadiram a Grã-Bretanha, a história da Escócia se caracterizou pela resistência à dominação estrangeira. Os romanos nunca conquistaram a região. Quando os escoceses ampliaram seu reino em 1018 até as fronteiras atuais, começou um longo conflito com a Inglaterra, até ser aceita a união das coroas.

Com um dos climas mais rigorosos da Europa, próxima ao sul do círculo ártico, não surpreende que tenham partido da Escócia grandes exploradores, como Robert Scott (que chegou à Antártida) e David Livingstone (que morreu procurando as nascentes do Rio Nilo). Com um quinto da densidade populacional da Inglaterra, a Escócia tem muitas terras desabitadas e várias opções para a prática de MTB. Sua paisagem apresenta uma diversidade sem igual no Reino Unido, com vales solitários, montanhas e belos lagos que dão à região um ar desafiador. Foi neste cenário espetacular que iniciamos nossa pedalada, procurando sempre se integrar e interagir com o ambiente, apesar de nossa inexperiência neste tipo de terreno. Utilizamos muito a técnica do Trackstand, em que o ciclista fica parado em cima da bicicleta sem colocar os pés no chão para planejar os próximos movimentos.

Como há muitas descidas, o ciclista precisa ficar concentrado, antenvendo os obstáculos. O canote de selim ajustável com controle no guidão é super útil nas descidas mais extremas e técnicas, por permitir a regulagem enquanto estamos em movimento na bike. Também é imprescindível manter a posição do corpo projetado para trás e os braços não travados no guidão, funcionando como uma “mola” para absorver os impactos do terreno. Além disso, o ciclista deve cuidar para não utilizar os freios de forma continuada, o que pode gerar superaquecimento e, o mais importante, ter a humildade de reconhecer quando não irá conseguir, para evitar acidentes que podem comprometer a pedalada.

Em alguns locais das montanhas, a partir dos vales até próximo ao topo, existem cabanas que funcionam como acampamentos-base destinadas a abrigar trilheiros para pernoites. Geralmente, elas possuem lareiras, beliches e é comum as pessoas deixarem alimentos e barras energéticas nos abrigos para ajudar quem lá ficar. Em algumas trilhas é impossível pedalar a partir do último alojamento, não só pela inclinação bastante acentuada, mas principalmente pelo volume de rochas com alturas consideráveis, onde temos que firmar as pernas e carregar as bicicletas com os sentidos aguçados. Qualquer deslize pode ser fatal, tal é o tamanho da depressão que se abre até o fundo do vale. Nas descidas temos que margear estas paredes por uma trilha estreita nas encostas até chegarmos ao vale.

Vale ressaltar que nossa integração com nossos guias foi das melhores, fora a diferença entre a “pontualidade britânica” deles e a nossa improvisação e dificuldade de cumprir horários, principalmente ao acordar, com o famoso “jeitinho brasileiro”. Tudo transcorreu da melhor maneira e no fim da viagem nossos guias já estavam bem abrasileirados. Se os romanos não os conquistaram, nós, brasileiros, conseguimos.

Cabanas que funcionam como acampamentos- base.

E-MTBs

Para esta travessia em particular, uma parte do grupo levou suas bikes do Brasil, outra parte, como eu, preferiu alugar mountain bikes com assistência elétrica, esta que é hoje uma grande febre na Europa, principalmente para quem já atingiu uma certa idade, como é o caso da maioria do nosso grupo, em torno dos 60 anos. Muitas pessoas torcem o nariz para este tipo de assistência, talvez por julgarem que o ciclista não fará esforço. Ora, algumas pessoas atingem o “Topo do Everst” sem ajuda de oxigênio complementar, outras precisam desta ajuda, o que não diminui o valor da conquista. É exatamente o que acontece com estas bikes. É ilusão pensar que não vamos fazer esforço e suar a camisa, o ritmo é ditado por cada ciclista, sempre dosando sua bateria, sobretudo nas subidas, pois o sistema é extremamente inteligente ao economizar nas descidas. É preciso também levar em conta a realidade do local a ser pedalado e, o mais importante, curtir e se divertir nas trilhas.

© Ruben Wanderley Filho

Neste ponto, a escolha foi bastante acertada, pois a quantidade de valas formadas para o escoamento do degelo com pedras grandes e soltas é enorme, exigindo sempre aceleração extra para ultrapassá-las. O pneu mais grosso destas bikes ajuda bastante a vencer e transpor os obstáculos, além da autonomia, que difere totalmente de uma bicicleta elétrica urbana, chegando a fazer 150 km com uma bateria de lítio extremamente leve e fácil de carregar, gerando tranquilidade para a conclusão das distâncias percorridas. As bicicletas elétricas que usamos possuem também o motor central, no eixo da linha do selim, o que deixa a bicicleta bastante equilibrada, além de ter o ajuste do selim no guidão, facilitando nas descidas, à medida que não precisamos descer da bike. É uma bicicleta rústica e resistente, e como um tanque, vai triturando as pedras pelas trilhas.

No meu caso, que estava fotografando, não pensei duas vezes, pois nenhum grupo gosta de parar para posar para fotos e neste caso uma retomada rápida para alcançar o grupo é fundamental. Hoje, a maioria dos grandes fabricantes, como Scott, Lapierre, entre outros, já estão com estas bikes em seus lançamentos e temos notado uma verdadeira tendência, sobretudo para casais e pessoas com idades diferentes, tipo pais e filhos, pela possibilidade de se igualar os ritmos da pedalada.

Os Dinossauros

O grupo de pedal Os Dinossauros, de Maceió – Al, anualmente viaja durante duas a três semanas (média de 700 km) por vários países do mundo, conhecendo outras realidades e culturas através da bicicleta. Há 13 anos, o grupo iniciava sua primeira cicloviagem internacinoal pela tradicional rota de Santiago de Compostela, na Espanha, de forma autônoma. Depois, realizou a Travessia dos Andes, entre Chile e Argentina, com uma van de apoio nas regiões remotas da cordilheira. O grupo também viajou por Alemanha, Áustria, Itália, França, Holanda, Dinamarca e Noruega, sempre contando com uma empresa local para fazer o transporte das malas de cidade a cidade.

O grupo é formado por Ruben Wanderley, arquiteto e cicloturista (Foto 0818), seus irmãos Teo e Marcus e seu primo Marcio Paiva, empresários e também cicloturistas; Deraldo Peixoto, empresário e ex-atleta profissional, participou de duas Olimpíadas na equipe de vôlei, junto como Bernard, Montanaro, Wiliams, Bernardinho e Zé Roberto, entre outros; Hélinho Lages, o “Dino”, mais novo do grupo, que estreou este ano, é advogado e reside em Ribeirão Preto – SP. Além deles, Kiko Gato, empresário do ramo hoteleiro, e o peruano Rafael Del Águila, arquiteto e urbanista, integram o grupo, mas não participaram desta aventura na Escócia.

Itinerário

Dia 1
Dia livre em Aberdeen

Encontro com os guias da H + I Adventures, montagem das bicicletas para a aventura pelas Highlands escocesas. Na oportunidade, é passado um briefing pré-viagem.

© Ruben Wanderley Filho

Dia 2
Aberdeen para Ballater

No primeiro dia de aventura, pedalamos da cidade de Aberdeen para a parte oriental do Parque Nacional de Cairngorms, passando pelas belezas naturais das paisagens de Deeside. Esta área é chamada de Deeside Real, porque é a localização do Castelo de Balmoral, residência da Rainha Escocesa. Percorremos as colinas e vales com cervos, águias e outros animais selvagens icônicos da Escócia.

  • Distância: 79 km (aproximadamente 8 h)
  • Subida: 1.000 m
  • Descida: 900 m

Dia 3
Ballater para Aviemore

Deixando Ballater, nos aprofundamos na zona rural das montanhas escocesas, enquanto pedalamos em direção à próxima parada: Aviemore, a capital da aventura das Highlands. Por toda a cidade há uma enorme rede de trilhas “singletrack” fantásticas de antigos pinheiros Caledonian, com lagos escondidos ao redor, e passagens rochosas. No fim do dia fomos recompensados com alguns dos melhores cafés e tortas caseiras em toda a Escócia! Parte do percurso foi feito de carro.

© Ruben Wanderley Filho
  • Distância: 42 km (aproximadamente 5 h)
  • Subida: 300 m
  • Descida: 490 m

Dia 4
Dia de descanso e degustação de whisky

Aviemore está situada no coração do Speyside, que possui a maior concentração de destilarias de whisky da Escócia, por isso seria uma pena não aproveitar essa oportunidade! Dia de folga da bicicleta para relaxar e explorar Aviemore a pé, visitar as destilarias locais para aprender como o ouro líquido escocês é produzido e, é claro, ter a oportunidade de provar diferentes maltes.

© Ruben Wanderley Filho

Dia 5
Aviemore para Kingussie

Com as pernas e os pulmões refrescados, pedalamos através do sul dos cairngorms para Kingussie, em algumas das mais agradáveis trilhas singletracks naturais na Escócia. Há algumas fantásticas e fluidas descidas, e alguns trechos mais técnicos para desafiar as nossas habilidades, sem muitas subidas. Em regra, o trecho favorito do percurso. Ficamos acomodados em um pequeno hotel de gerência familiar na cidade de Kingussie.

© Ruben Wanderley Filho
  • Distância: 45 km (aproximadamente 5 h)
  • Subida: 550 m
  • Descida: 550 m

Dia 6
Kingussie para Fort Augustus

Deixamos Kingussie para trás e continuamos a nossa jornada para o oeste, em direção a Fort Augustus, o Great Glen, e Lago Ness. Para chegar até lá, passamos sobre uma das mais altas passagens do país, desafiando a nossa habilidade e resistência. Fort Augustus fica numa das extremidades do Lago Ness e de Inverness. A cerca de 30 milhas de distância fica a fronteira norte do famoso Lago.

  • Distância: 50 km (aproximadamente 7 h)
  • Subida: 1.500 m
  • Descida: 1.690 m

Dia 7
Fort Augustus para Tomich

Pedalamos através de Glen Affric, um dos mais belos e isolados vales na Escócia, e um dos únicos remanescentes da floresta de pinheiro Caledonian fora do Parque Nacional Cairngorms. Pedalamos ao longo do Lago Affric e por algumas subidas até chegarmos em Tomich.

© Ruben Wanderley Filho
  • Distância: 30 km (aproximadamente 4 h)
  • Subida: 1.000 m
  • Descida: 900 m

Dia 8
Tomich para Dornie

Esta é a etapa final da nossa aventura de costa a costa, na Escócia. Deixando Tomich, nos dirigimos para o oeste novamente, em trilhas florestais e singletracks ao redor de lagos pitorescos e sobre colinas. Conhecemos a imagem de Eilean Donan, o castelo escocês mais emblemático, que ficou famoso em filmes como “O Highlander”. Este é o ponto final da nossa viagem de costa a costa e comemoramos as conquistas com um brinde no castelo. Fomos então transferidos para a pequena aldeia de pesca de Plockton, para uma refeição de deliciosos produtos locais e algumas bebidas comemorativas antes da próxima parte da aventura.

© Ruben Wanderley Filho
  • Distância: 52 km (aproximadamente 6 h)
  • Subida: 1.530 m
  • Descida: 1.450 m

Dia 9
Trilhas locais ao redor de Plockton

Plockton é uma vila pitoresca de pescadores na costa oeste da Escócia, onde encontramos algumas trilhas realmente agradáveis para o conhecimento do local. Ficamos espantados com as vistas espetaculares sobre a Ilha de Skye e além, tivemos também, muita diversão nas descidas em singletracks na volta para aldeia. Este foi um dia mais curto, por causa das longas distâncias que já tínhamos percorrido até aqui.

© Ruben Wanderley Filho
  • Distância: 25 km
  • (aproximadamente 3 h)
  • Subida: 600 m
  • Descida: 600 m

Dia 10
Glenelg

Nada muito selvagem ou técnico para hoje, apenas lindas trilhas e um cenário espetacular. A trilha passeia por dentro e por fora das florestas, ao longo do pedal pela remota costa. A trilha é uma mistura de singletracks fluidas e vias duplas de subida, que são relativamente curtas, com pequenos trechos íngremes em alguns locais.

© Ruben Wanderley Filho
  • Distância: 25 km
  • (aproximadamente 4 h)
  • Subida: 750 m
  • Descida: 750 m

Dia 11
Fuga de Loch Ness

Esta rota vai começar algumas milhas fora do centro da cidade, nos levando através de algumas trilhas na mata e, em seguida, por pântanos que se abrem para uma vista espetacular sobre o Lago Ness e depois por uma descida fantástica direto para um pub local nas margens do lago para o almoço.

A segunda metade do percurso é ao longo das margens do Rio Ness, por arborizadas singletracks e vias duplas com algumas seções rochosas e com raízes. Este é o último dia pedalado da nossa aventura.

© Ruben Wanderley Filho
  • Distância: 27 km (aproximadamente 4 h, incluindo o almoço)
  • Subida: 500 m
  • Descida: 550 m

Dicas para Fotografia

  • Para este tipo de aventura, “menos é mais”, levar só o essencial.
  • Uma bicicleta mountain bike com assistência elétrica ajuda bastante, pela retomada rápida para alcançar e ultrapassar o grupo a fim de estudar a melhor composição.
  • Um colete de tórax da Coton Carrier (B&H Fotos) com trava é imprescindível, pois permite acesso fácil à máquina, com a posição mais segura no corpo em caso de quedas do ciclista.
  • Algumas toucas de banho podem proteger o equipamento em caso de chuva.
  • Sempre levar a câmera com a lente sem tampa no colete, apenas o parasol e alguns filtros para proteção, como o U.V.
  • Levo sempre um filtro polarizador e um de densidade neutra graduado de rosca da “Tiffen”. Os com adaptadores ou “Holder” como os da “Lee”ou “Cokin”, não são práticos para este tipo de aventura, pelo tamanho e dificuldade de colocá-los.
  • Como minha câmera é uma “Full Frame”, adquiri uma lente “tudo em um” da tanron (28/ 300 mm) podendo variar de uma grande angular a uma telefoto sem trocar a lente e sujar o sensor da câmera durante a trilha. Existe esta lente do próprio fabricante da câmera “Canon 28/300 mm”, mas é três vezes mais pesada, o que dificulta o transporte.
  • Levo uma lente 17/40 mm, uma das lentes EF da Canon mais leves e com ótimo custo benefício para fotos eventuais de paisagens, assim como um tripé Gitzo GT 1544 T em carbono, extremamente leve, compacto, com quatro secções e rígido como uma rocha, um dos melhores do mundo para viagens.
  • É indicado ter uma proteção de borracha sobre o corpo da câmera para protegê-la de impactos.
  • Uma câmera ideal para este tipo de aventura é uma Canon 7D, APSC totalmente vedada e relativamente leve, prática e profissional, ou alguma semelhante da Nikon como a D 7000, ou 7100. Outra opção é a linha Alpha da Sony.
  • Leve tecidos próprios para limpeza de lentes.
  • Se possível, use câmera Go Pro Hero 4 no guidão, capacete ou peitoral para o máximo de ação e filmagem rápida com movimento.
© Ruben Wanderley Filho

A Escócia se mostrou um país diversificado e muito bonito, com uma riqueza cultural e histórica pulsante e paisagens belíssimas, em especial, os lagos e montanhas que estiveram sob nossa visão durante nosso pedal – e nunca mais sairão de nossas mentes.