Mais um ciclo da minha Volta ao Mundo se fechou. Entrei na grandiosa Ásia Central, o maior de todos os continentes. A chegada foi pelos portões do sul da China, um país cheio de superlativos e curiosidades. O que deixei para trás? O tranquilo e sorridente Sudeste Asiático, que apresento para você nesta edição.

O Sudeste Asiático é composto por uma porção bastante grande de ilhas que pertencem a Brunei, Filipinas, Timor Leste, Indonésia e Malásia e também uma porção continental igualmente grande que se inicia ao sul em Singapura e segue para o norte até a China, passando pela Malásia, Tailândia, Camboja, Laos, Vietnam e Myamar. Abrange aproximadamente desde a latitude de 10° sul até 28° norte. Nas latitudes centrais o clima se parece muito com o amazônico, quente o ano todo e duas estações: chuva e seca. No norte isto muda e o clima se torna tropical, com invernos frios, sobretudo nas montanhas.

Na minha viagem de bike eu escolhi pedalar apenas pela porção continental, pois as diversas passagens aéreas entre as ilhas seriam muito caras. Em geral as companhias aéreas têm passagens bem baratas para voos regionais, mas que não dão direito à bagagem e elas cobram taxas bastante caras para compra de quilos de bagagem e equipamentos esportivos. A exceção foi a ilha de Sumatra, na Indonésia, onde resolvi em última hora ir visitar, por ter encontrado passagens em promoção saindo da cidade onde eu estava (Penang).

Foram cinco meses, entre junho a novembro, percorrendo seis países desde o sul da Malásia até o norte do Vietnam, num total de 6.300 km pedalados e 7.300 km de deslocamento, contando um trecho de trem, um de ônibus e uma carona. O período escolhido coincidiu com as chuvas, as famosas monções asiáticas, e pedalar nesta temporada teve alguns pontos positivos e negativos.

Alguns dos aspectos negativos de se fazer cicloturismo neste período ficam por conta do visual que fica prejudicado pelas nuvens e céu fechado, o desgaste das peças da bike que aumenta muito, sobretudo as pastilhas de freio, rolamentos e transmissão, além da preguiça que, às vezes, bate ao sair numa manhã de chuva. Por outro lado tem todo o conforto de pedalar sob temperaturas mais amenas (mas não frias) e de estar sob a cobertura de nuvens protegido da ação direta do fustigante sol da região. As chuvas são a temporada da vida, do verde, da exuberância e em todos os cantos as pessoas estão colhendo ou plantando a nova safra. Poder ver tudo isto com certeza compensou as dificuldades das chuvas.

Na estação seca os visuais ficam mais bonitos, mas também é alta temporada e os preços sobem, principalmente nas áreas turísticas. A temperatura e a sensação térmica aumentam e com frequência chegam a 40 graus. Nesta temperatura, o desgaste físico e a desidratação são muito maiores que na chuva. Li relatos de cicloturistas que descrevem os pneus literalmente derretendo ao sol de mais de 40 graus. Peguei alguns dias típicos de verão no Camboja e a temperatura chegou a 46 graus na estrada.

Malásia é um misto de China com Índia: muçulmanos, cristãos, budistas e um pouco de Sudeste Asiático. É um país que ao meu ver tem uma identidade confusa devido a exagerada influência estrangeira, mas que por sua vez empresta temperos variados e deliciosos à culinária malaia. Cruzei o país praticamente todo pelo centro, onde a fisionomia é de floresta parecida com a amazônica equatorial, mas pouco resta da cobertura nativa e a paisagem é dominada pelos assentamentos rurais (feldas e felcras) produtores de palmeira e seringueiras – ambas exóticas do norte da África e do Brasil, respectivamente. Gastei um tempo maior no Parque Nacional de Taman Negara e Pegang, a pérola do Oriente, onde pude descansar bem na casa dos meus tios, o que foi bem legal pois eles vivem lá há décadas e nunca tive muita oportunidade de passar um tempo com eles. As poucas praias que visitei foram na parte sudoeste e estavam sujas, mas dizem que as do lado leste são mais limpas.

Tailândia se mostrou logo de início mais conservada, com mosaico de áreas nativas preservadas e manejadas, paisagens mais variadas, praias maravilhosas, maior presença de turismo e pessoas excelentes. É o país que se destaca como refúgio de “férias”, pela quantidade de excelentes praias e estrutura para turismo. Eu sinto apenas não ter conhecido o norte do país, na região das montanhas e das minorias étnicas, onde, dizem, ficam alguns dos mais lindos e simpáticos lugares da Tailândia.

O Vietnam, sem palavras! Some tudo dos países anteriores e terá uma noção de la!

Camboja foi uma viagem no tempo do povo Khemer. Lugar das fantásticas ruínas de Angkor Wat e da excelente culinária Khemer, segunda melhor do Sudeste Asiático! Era a melhor, até eu conhecer o Vietnam! Angkor Wat é um daqueles lugares do mundo que se um dia você tiver oportunidade de conhecer, não perca, é de tirar o fôlego. Imaginar aquele lugar há mil e duzentos anos, cheio de gente construindo aqueles templos de pedra, plantando, rezando, cultuando… Deve ter sido uma loucura.

Laos também foi igualmente uma viagem no tempo, uma imersão na mais pura ruralidade que um país pode ter, despontando ao desenvolvimento econômico, com um povo lindo, extremamente simpático e educado, sorridente e mulheres fortes e trabalhadoras. Foi marcante a força da presença feminina em todos os aspectos do cotidiano, ao ponto de várias vezes eu me perguntar qual o papel dos homens naquela sociedade.

O Vietnam, sem palavras! Some tudo dos países anteriores e terá uma noção de lá! Moderno e ancestral, o Vietnam realmente se destacou pela ótima e farta culinária, pelo povo mais lindo e simpático que já vi. Atravessando as montanhas isoladas ao noroeste e vendo os utensílios usados na agricultura, as tecnologias aplicadas, os materiais e as práticas do dia a dia, eu me senti vivendo a descrição de um livro de história! Hanoi tem tudo de uma grande e moderna capital, menos boas bicicletarias! No meio disto, gente sempre disposta a retribuir um sorriso ou um olá. Berço da culinária mais esquisita e gostosa destes países. Fiz bons amigos que ficarão na memória.

Em todo o sub-continente a navegação foi tranquila, usando os instrumentos disponíveis: bússola, mapas em papel, GPS e Google Maps. Todos os países contêm malha viária asfaltada suficiente para te levar para a maioria dos lugares, mas se você quiser variar e sair das rotas principais terá algum trabalho, pois os mapas em papel que encontrei são em escala ruim – 1:1.500.000 (ou mais) e a qualidade da informação de GPS, com exceção da Tailândia, é limitada. Eu uso uma base de dados free chamada Open Street Map for Garmin (openstreetmap.org) e, considerando que é gratuita, não tenho o que reclamar. A grande vantagem de se usar múltiplas bases é que elas se complementam, cada uma tem sua qualidade e funcionalidade, de modo que permitem uma melhor navegação e exploração das regiões. Lembre-se de que a comunicação é muito limitada e dificilmente você conseguirá perguntar para algum morador local a respeito da estradinha, para onde ela vai e se tem saída, etc. – basicamente você deve contar com o que tem nas mãos e seguir de forma autônoma.

Eu adoro mountain bike, lama e poeira, mas na pegada do cicloturismo, com a bike carregada e desajeitada, as opções de estradas de terra são mais limitadas, pois você deve buscar estradas com qualidade mínima para poder se deslocar razoavelmente. Estradas excessivamente esburacadas ou muito inclinadas inviabilizam o pedal, além disto, as estradas tem que levar a algum lugar, uma travessia de uma cidade a outra, de uma região para outra. Entrar numa estrada de terra para chegar ao fim e retornar não é o tipo de percurso que procuramos no cicloturismo e isto limitou também o uso de caminhos de terra, pois a maioria não levava a lugar nenhum. Em duas situações perdi um dia de viagem porque a estradinha que me enfiei simplesmente acabou ou não tinha como seguir.

Tailândia é o país onde você pode contar com bons mapas na porção sul produzidos pelos departamentos de turismo daquelas províncias e a base de GPS estava com boa qualidade, o que permitiu explorar mais a área, entrar em pequenas áreas rurais e pequenas vias sabendo onde está indo. Encontrei uma variedade de bons mapas do sul da Tailândia nos centros de informações turísticas de Hat Yai e de Crabi. Na porção sul e central da Tailândia o cicloturista tem a possibilidade de escolha de passar pelas serras, que não são muito fortes e onde estão a maioria das unidades de conservação, ou seguir só pelo plano, explorando e curtindo as lindas praias da costa.

Camboja e Laos contam com malhas viárias bastante simples, por isto não tem muito o que variar e o trajeto acaba sendo meio óbvio. Nestes dois países, quando se escolhe um rumo, praticamente só tem uma rota e é por ela que você vai. O Camboja é invariavelmente plano e só se você escolher passar pelo sudoeste do país encontrará algumas serras, mas não é uma rota muito comum. De norte a sul ou leste a oeste o terreno será plano, dominado pelas imensas planícies do rio Mekong e do lago Tonle Sap.

A comunicaÇÃo e um capítulo a parte. NÃo foi fÁcil e parece que foi ficando cada vez mais difÍcil.

Se você resolver atravessar o Laos de norte a sul, praticamente só tem uma estrada que faz render a viagem, que é a rodovia número 13, que corta quase todo o país. Se tentar sair dela, será um ziguezague de pequenas estradas de navegação difícil, avanço lento e que geralmente levam a lugares sem saída. Em todo o sudeste asiático foi somente nesta rodovia 13 que encontrei outros cicloturistas, uns três ou quatro grupos. Partindo do sul vindo do Camboja os primeiros 1.000 km da rodovia 13 serão planos e margeando o rio Mekong. Cerca de 100 km ao norte de Vientiane (a capital) começam as montanhas que dominarão todo o resto do país, por mais uns 350 km. Esteja preparado, são serras duras, longas e íngremes, onde facilmente você acumulará 2.500 m de subidas num dia, mas terá visuais que compensam o esforço.

O Vietnam tem uma malha viária mais dispersa, mas foi o país onde minhas bases cartográficas estavam mais erradas e incompletas, GPS mostrando estradas que não existiam, estradas consolidadas não apareciam etc. Acabei tendo que seguir o rumo das estradas maiores para não me perder. A porção noroeste do Vietnam por onde entrei é um mar de montanhas, plantações de arroz nos fundos dos vales e lindas florestas preservadas manejadas de modo sustentável por uma infinidade de comunidades rurais espalhadas por todo o caminho. À medida que avança a leste, em direção a Hanói, o relevo torna-se plano e todo ocupado por plantações de arroz e outros alimentos.

A parte norte da Tailândia, Laos e Vietnam é dominada por um mar de serras, morros e pequenas montanhas, a maioria delas de calcário, que conferem ao norte do Sudeste Asiático a maior diversidade de paisagem, rios de água cristalina, maior diversidade cultural e belezas cênicas mais variadas que no sul, mais plano e homogêneo. São nessas regiões que estão as minorias étnicas, com os vestuários e práticas tradicionais mais interessantes.

A comunicação é um capítulo à parte. Não foi fácil e parece que foi ficando cada vez mais difícil à medida que avançava mais para o interior do continente, com os idiomas ficando mais difíceis de pronunciar, mais complicado para se acertar o tom e mais difícil de me entenderem. Entender o que eles falavam, então, sem chances. A exceção foi a Malásia, onde o inglês é bem difundido e o turista consegue se virar de alguma forma.

Em todos os países eu estava com phrasebooks que ajudam muito a se virar, mas tem um problema: de ser uma via de mão única. Com os phrasebooks eu consigo transmitir uma mensagem, mas não consigo entender ou traduzir o retorno, o que muitas vezes é frustrante.

No geral, foi possível manter gastos diários entorno de USD 20, contando hospedagem e alimentação. Hotel/Guest House variaram entre USD 4 a 10 e refeição básica entre USD 1,5 a 4.

Esteja preparado com um bom kit de reparos, ferramentas e peças de reposição, como pastilhas de freio, corrente, remendos, cola, cabos, etc., pois você atravessará centenas de quilômetros sem nenhuma bicicletaria “moderna”, com peças ou ferramentas que sirvam para alguma coisa. Ao contrário do que eu pensava, o Sudeste Asiático não é uma região de boas bicicletarias e você poderá contar com apoio em uma ou duas cidades em cada país, mas mesmo assim com opções limitadas e o pior: grande possibilidade de serem peças falsas ou chinesas de má qualidade. As melhores cidades para isto são Kuala Lumpur, Penang, Bangkok e Ho Chi Minh.

Um ponto positivo e que merece ser destacado de se pedalar no Sudeste Asiático é em relação aos motoristas e ao trânsito. Em geral, os motoristas na estrada respeitam o ciclista, mantendo uma boa distância na ultrapassagem e não costumam correr, o que facilita a nossa vida. Já nas cidades e áreas urbanas o trânsito em geral é caótico e sem ordem, por isto espere por fechadas a qualquer momento e por finas de tirar o fôlego, principalmente por motos – entretanto, o interessante é que eles dirigem em um estado pacífico e sem o estresse que vemos no Brasil. Por isto, apesar do caos, é tranquilo de pedalar pois não há raiva no ar. Alguém buzinando freneticamente atrás de você não necessariamente está estressado, só está buzinando alucinadamente! Eles adoram buzinar e a zoada faz parte do trânsito deles.

Fazendo um balanço, achei o Laos o melhor destes países para praticar cicloturismo. A infraestrutura de guesthouses (pousadas) é a melhor, geralmente são sinalizados em inglês e os preços são igualmente bons. A questão de ser sinalizado em inglês parece bobagem, mas ajuda muito, pois do contrário é muito difícil distingui-los de outras casas ou comércios. Tem um site tailandês de cicloturismo que dá dicas de como identificar uma pousada/hotel e como pedir comida (www.cyclingthailand.com).

Resumindo, o Sudeste Asiático É perfeito para cicloturismo!

Algo que chamou a atenção no Sudeste Asiático e também posteriormente na China, é que toda a região é bastante povoada, não necessariamente muito populosa, mas sim povoada. Isto significa que você nunca está realmente isolado como muitas regiões do Brasil, América do Sul ou Austrália, onde estive meses atrás. No Sudeste Asiático a população rural prevalece sobre a urbana, todo o território é ocupado e, o mais importante, é produzido. Para o cicloturismo isto traz algumas vantagens e desvantagens. Do lado positivo é que sempre tem uma comunidade, um povoado, uma pequena cidade para encontrar suprimentos, restaurante ou pousada, de modo que você precisa carregar muito menos coisas. No aspecto negativo é que toda esta ocupação dificulta você encontrar lugares para acampar ou para descansar em paz. Muitas vezes, por dezenas de quilômetros o viajante não encontrará uma área adequada, plana e desocupada para armar barraca, porque todas as áreas planas imagináveis estão plantadas e ocupadas e se você parar a bike por alguns minutos quase sempre ela será cercada por curiosos. Os mosteiros são uma opção para acampar e geralmente se você pedir a um deles, não terá problemas e será bem-vindo. Se a sua viagem for só pelo Sudeste Asiático, a lista de equipamentos pode ser bastante reduzida se você não quiser acampar ou cozinhar. No meu caso, juntando o cansaço do pedal com a temporada de chuvas eu preferi comer em restaurantes e me hospedar em guesthouses e hotéis baratos, pois facilita muito a vida: é muito bom poder tomar um banho quente e descansar o esqueleto numa cama confortável depois de um dia duro de trabalho. Estou ficando velho!

Resumindo, o Sudeste Asiático é perfeito para cicloturismo! Ótima estrutura, barato, paisagens lindas, povo pacífico e acolhedor e diferentes tipos de relevo. Se você está pensando numa viagem de bike fora do Brasil, definitivamente o Sudeste Asiático é uma grande opção. De certo é mais longe e caro de chegar que os destinos mais populares fora da América do Sul, como Europa ou Estados Unidos, mas os custos mais baratos com certeza compensarão o gasto extra com as passagens.