Saímos de Florianópolis, sentido Palhoça, e logo de cara enfrentamos a Serra do Parque do Tabuleiro e a Serra da Garganta, que liga São Bonifácio a Anitápolis. Passamos por Santo Amaro da Imperatriz, Águas Mornas e a partir de São Bonifácio o percurso passou a ser todo em estrada de terra e pedra, o que tornou a viagem lenta, até mesmo nas poucas descidas.

Seguindo na Rota dos Campos de Cima das Serras, quando não estávamos subindo um morro, estávamos subindo uma serra. Os caminhos pelo interior de Santa Catarina e Rio Grande do Sul são maravilhosos, com um povo simpático e muito hospitaleiro.

Acordamos em Rio Gabiroba, no segundo dia, e depois de bastante sobe e pouco desce, fizemos um lanche na Lanchonete Santa Luzia. Ainda nessa lanchonete, fiquei impressionado ao saber que a moça que nos atendeu, esclarecida, nunca havia visitado uma capital – nem mesmo a mais próxima, Florianópolis.

Seguimos decididos a almoçar em Braço do Norte, e nosso verdadeiro objetivo se aproximava: a Serra do Corvo Branco, em Grão Pará. Foi mais uma longa tarde de pedalada, seguida de chuva e lama, e só conseguimos chegar no Corvo à noite, depois de correntes quebradas, pneu rasgado e debaixo de uma grande tempestade. Foi sinistro chegar no topo da serra, em meio ao breu e aos raios que iluminavam os imensos paredões de uma das serras mais incríveis e assustadoras que já pedalamos. Parecia realmente filme de terror, daqueles da Transilvânia, Triângulo das Bermudas. Conseguimos montar a barraca na única curva da serra onde a ventania deixou e dormimos totalmente molhados. Pela madrugada, o vento diminuiu e ficou apenas a garoa. Foi no mesmo dia em que um forte vento arrasou a costa do Uruguai e atingiu parte do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

© Marco A. O. Brandão

No terceiro dia, fomos acordados às 6 h 30 min com o ronco absurdo de um caminhão que gemia para subir os topos mais íngremes da Serra do Corvo. Ouvimos alguém dizer: “Olha onde esses malucos conseguiram armar uma barraca”, e o ronco seguiu. A grande expectativa era abrir a porta da barraca para, finalmente, ver onde dormimos. Havíamos chegado ali em meio a uma tempestade e breu absoluto e só sabíamos que estávamos entre paredões graças aos raios da noite anterior, que iluminavam o cenário mais aterrorizador de nossas viagens.

“Quando não estávamos subindo um morro, estávamos subindo uma serra.” © Marco A. O. Brandão

Quando saímos da barraca, mais secos do que quando deitamos, ficamos deslumbrados com a imponência daquela serra, das suas curvas e seus paredões. Eu, particularmente, fiquei impressionado com o caminho que havíamos feito, empurrando as bikes pesadas naquelas subidas íngremes, em meio àquela tormenta. Depois de recolhermos nossas coisas encharcadas, terminamos a subida do Corvo Branco, passando pelo Mirante e o Corte do Caixão, o ponto mais famoso da serra. Enquanto nos aprontávamos para sair, a bike do Pacato caiu e entortou o pedal: precisávamos de uma chave 15. Descemos o Corvo por um restinho de asfalto, que logo se transformou em pedra e cascalho. Seguimos por mais alguns quilômetros e paramos em uma fazenda de maçãs para pedir a tal chave. Fomos muito bem atendidos pelos locais, que até nos deram café da manhã. Depois de um pouco de prosa, seguimos sentido Urubici (Morro da Igreja). Que baita subida! Chegamos no Restaurante Véu da Noiva e depois do almoço fomos conhecer a Serra da Pedra Furada, no mesmo local onde está situado o Cindacta. Depois, filmamos os 18 km de super descida e seguimos para Urubici, onde nos alojamos no Albergue Alternativo Urubici.

© Marco A. O. Brandão

Desde a nossa chegada até a saída de Urubici, fomos muito bem-recebidos. Confesso que até dá vontade de ficar morando por ali, de tão agradável que é a cidade. Saindo do albergue, demos de cara com a igreja que é cartão postal da cidade. Depois de tomar um café da manhã na lanchonete da Cláudia, passamos na “famosa” Bicicletaria do Luciano, para que o Pacato pudesse comprar um pneu reserva, pois o dianteiro já estava com um manchão e preparando-se para rasgar geral.

“Olha onde esses malucos conseguiram armar uma barraca”. Serra do Corvo Branco. © Marco A. O. Brandão

Partimos de Urubici pelo morro que eu chamo de Subida do Belvedere 1175, um morrão onde fica um mirante bem bacana, que permite ver a igreja e toda a região. Passamos pela Cascata do Avencal e por um sítio arqueológico que guarda algumas das pinturas rupestres mais importantes de Santa Catarina.

Serra do Rio do Rastro. © Marco A. O. Brandão

A caminho de Bom Jardim da Serra, depois de passarmos o trevo que segue para o Rastro à esquerda e para Lages à direita, a corrente quebrou pela sétima e última vez. Faltavam 40 km para a Serra do Rio do Rastro. Cruzamos o portal enquanto anoitecia e subimos, só para variar, mais um pouco. Chegamos no Rodoviário do Rastro por volta das 22 horas. Descemos 2 km na serra para tirar fotos dela iluminada e dormimos no mirante.

A partir das cinco horas, a ansiedade não me deixava pregar os olhos. Pela fresta da barraca já podia ver as primeiras brasas se acenderem no céu. Podemos nos considerar realmente pessoas privilegiadas, porque, além da previsão de chuva para aqueles dias ter furado, nem encoberto o tempo estava. Era hora de despertar e se preparar para o espetáculo. Preparamos as máquinas, o tripé, e logo estávamos filmando e presenciando o nascer do sol na serra. Não demorou muito para que os primeiros quatis começassem a chegar e fuçar em todas as nossas coisas. Desmontamos acampamento e fomos conhecer o Parque Eólico de Bom Jardim da Serra, onde estão os aerogeradores que geram energia para iluminar a serra à noite.

Morro da Igreja. © Marco A. O. Brandão

Conhecida e registrada a nossa presença no parque, voltamos para Bom Jardim por 7 km para pegar o caminho para São José dos Ausentes, onde deixaríamos Santa Catarina para adentrar o estado do Rio Grande do Sul, tchê! Seguimos pela Rota dos Cânions. Começava outro longo caminho em estradas de terra e pedra e, como se não bastasse a dificuldade, além das diversas subidas, a estrada estava em obras por um longo trecho, onde dividimos o espaço com muitos caminhões e máquinas, que nos cobriam de poeira quando passavam.

© Marco A. O. Brandão

Depois de pedalar por uns 20 km que pareceram 200 km, quando se está em uma estrada como essa, eis que “no meio do nada” surge uma lanchonete. Nem no meu pensamento mais otimista eu iria imaginar uma lanchonete tão bem montadinha naquele lugar.

Chegada a Urubici. © Marco A. O. Brandão

Estávamos a uns 12 km da divisa dos estados. Passamos pelo Posto da Receita Federal no meio da floresta, onde conversamos um pouco com os três guardas armados que ali estavam. Logo, estávamos na ponte que representa a divisa de estados. Logo na divisa, mais uma baita subida, seguida de muitos morros. Estávamos nos Campos de Cima das Serras Gaúchas, cada vez mais alto.

© Marco A. O. Brandão

Pedalamos um sobe e desce danado por território gaúcho, “noite adentro, vida afora”, e só paramos quando demos de cara com a placa: Pico Monte Negro, a 4 km. Paramos, dormimos ali e acordamos cedo para conhecer o ponto mais alto do Rio Grande do Sul, a 1.403 metros de altitude. Nos dirigimos até uma pousada chique que havia ali por perto (única na redondeza). Fomos recebidos pelo proprietário e dono das terras, Sr. Domingos, um gaúcho típico, com sotaque e trajes, que logo nos reconheceu como paulistas pelo nosso sotaque. Choramos, choramos, choramos, explicamos a situação, e depois de uma grande negociação “turca”, conseguimos um desconto que nem o gatinho do Shrek conseguiria…

Rota dos Cânions. © Marco A. O. Brandão

Da janela do chalé (que luxo), avistava toda a extensão do casarão que compõe a Pousada Monte Negro. Tomamos um rápido café da manhã e rumamos para os 4 km de subida. Atravessamos dois riachos e duas porteiras em território que parecia propriedade particular. Seguimos sempre pelas bifurcações à esquerda, subimos os últimos tops mais inclinados quando avistamos a única placa que indica o local. A partir dali, quem segue de carro tem que deixá-lo e completar o resto do percurso por trilha. Nós seguimos com as bikes, a essa hora um pouco decepcionados, pois aos poucos percebia-se que todo o visual que se aproximava estava encoberto pela não tão densa neblina. Descemos os 800 metros até a placa e decidimos comer umas bolachas por ali. Ouvira dizer que a neblina às vezes vai embora de uma hora para outra, então, confesso que ainda tinha essa esperança. E foi assim: enquanto comíamos nossas bolachas, a neblina foi embora. Escondi minha bicicleta no meio do mato e subi correndo, enquanto o Pacato subiu de bike.

© Marco A. O. Brandão

Que maravilha! Névoa somente nas profundezas do Cânion Monte Negro, agora pudemos desfrutar de suas belezas geográficas. Fotografamos e filmamos à vontade, até dar a hora de voltar para a estrada. Foram 4 km descendo pelas pedras e cascalho e estávamos novamente a caminho de São José dos Ausentes. Dali partimos para Cambará do Sul, onde visitaríamos o Cânion Fortaleza, Cachoeira do Tigre Negro e Trilha da Pedra do Segredo.

© Marco A. O. Brandão

Pudemos matar a saudade do asfalto num trecho de cerca de 10 km: de resto, estrada de terra e pedras. Um caminho lindo, seco e empoeirado, com algumas subidas mais fortes no final, antes dos 13 km de asfalto novinho que nos levaria em meio a uma escuridão absurda. Chegamos por volta das 23 horas, rodamos duas vezes as ruas principais à procura de camping, batemos em umas casinhas que seriam uma espécie de alojamento, porém, fora de temporada é difícil. Por fim, conseguimos uma pousada barata. A dona disse que poderíamos deixar as bikes onde quiséssemos, ninguém mexeria. Deixamos as bicicletas sem prendê-las, embaixo do vão da escada, e lá permaneceram sem serem tocadas. Já estávamos acostumados à tranquilidade das cidades do interior de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Quando entramos em uma cidade, observamos se as casas possuem grades nas janelas e muros altos. Não é regra, mas quando percebemos que não existem nem muros entre um vizinho e outro, dá para esquecer da vida. Nesses lugares, ninguém mexe no que não é seu. A educação e o respeito imperam. São cidades afastadas das capitais, muito pouco contaminadas pelo caos e maus costumes urbanos, e com grande parte de suas tradições preservadas.