No mês de julho de 2012, Celso, Gilberto, Jairo, Márcio e Paulo Renato, o “Quinteto da Bike”, realizaram uma cicloviagem saindo de Itaiópolis, passando por José Boiteux, Ibirama, Apiúna e Ascurra.

Sexta

A sexta-feira ainda amanhecia e já estávamos amarrando nossas bikes na camionete. A saída de Joinville seria de carro no final da tarde com destino a Itaiópolis, localizada no Planalto Norte Catarinense, mas ainda tínhamos um dia de trabalho a cumprir.

Como estes preparativos foram no local de trabalho de quatro membros do “Quinteto”, os outros funcionários do local testemunhavam aquela movimentação estranha de bikes, claro que em muitos uma pontinha não só de curiosidade, mas também de vontade de estar entre nós para a aventura que viria pela frente.

Finalmente a tarde caiu, todos a bordo com suas bikes devidamente amarradas. Eram 17 h 45 min quando entramos na BR-101, mais ao norte pegamos a BR-280 em direção a Mafra e de lá pela BR-116 no sentido sul em direção a Itaiópolis, onde chegamos às 20 h 45 min.

Sábado

O hotel que ficamos foi o Hotel Venturi (47 3652-2215), que mostrou-se um local decente para as nossas necessidades, com quartos providos de TV a cabo e Internet Wi-Fi. Eram 22 horas, pizza devorada na janta e todos dormir para o início da pedalada no dia seguinte.

Às 05 h 45 min de sábado, Jairo, Celso e Gilberto começavam a preparar-se com suas bikes para pedalar. Eu e Márcio ficamos no hotel para tomar café, preparar um lanche para os três, fechar a conta e ir ao encontro deles.

Após 23 km de asfalto pela SC-422, sem subidas, encontramos os que estavam no pedal. Lanches para eles, o que foi devorado com prazer pelo trio que até então jejuava e neste momento Márcio se junta ao grupo. Estávamos próximos da entrada da localidade de Volta Triste, caminho que teríamos que seguir para chegar à cidade de José Boiteux.

Para mim, sobra o volante da camionete e tempo para escrever estas linhas, ainda não tinha pedalado, mas tinha a importante função de apoio ao grupo e o passeio estava divertido.

Após 25 km de pedalada pelo asfalto da SC-422 chegamos na entrada para Volta Triste. Daqui pra frente só chão batido, agora sim no habitat natural de nossas bikes. A temperatura baixa não desanimava ninguém, muito pelo contrário, dava mais motivação aos pedaleiros.

© Arquivo Pessoal

Após 2 km da saída do asfalto, uma parada básica no bar do Pilequinho de propriedade de Dona Vanda. Água em todos os radiadores e orientações da mesma sobre o percurso que viria a seguir até a Ponte Parolin na localidade de Barra da Prata, já na divisa de Itaiópolis com o município de Victor Meirelles, onde não passaríamos pela cidade, apenas por sua área rural.

Teríamos uma descida forte e longa pela frente, estávamos a 1.800 metros de altitude e chegaríamos a 300 metros acima do nível do mar, estávamos saindo do Planalto Norte Catarinense e adentrando no Médio Vale do Rio Itajaí Açu. Saindo do bar da Dona Vanda um bando de Maritacas, espécie de papagaio do mato comum na região sul do país, anunciavam nossa passagem sobrevoando nossas cabeças e gritando estridentemente.

Esta parte do Planalto Norte de Santa Catarina possui uma colonização polonesa muito forte, caracterizada pela arquitetura das casas de madeira – algumas até tombadas pelo IPHAN – e pelos cabelos de fogo das pessoas que nos olhavam passar em frente as suas casas. Certamente ficavam questionando entre si onde estes loucos estavam indo e se pudéssemos responder seus pensamentos diríamos: – “Onde o pedal nos levar.”

Já se passavam 30 km desde o início de nossa pedalada e a estrada de chão denunciava a vida calma e simples do campo, por cada pessoa que passávamos um aceno e um sorriso eram lançados em nossa direção.

Fila indiana neste trecho final. © Arquivo Pessoal

Já viajei muito de carro pelo interior, chegava a lugares estranhos e sempre era visto primeiro com desconfiança e só depois de um tempo conquistava a confiança e recebia os sorrisos e cortesias dos habitantes locais. Com a bike é bem diferente, ao chegar num local, antes mesmo de descer da zica (apelido da bike aqui em Joinville), já recebemos sorrisos, cortesia e boa acolhida. Parece que o pedal estreita as fronteiras, tornando cada canto visitado, cada pessoa que cruza em seu caminho como um vizinho amigo que conversa com você como se estivessem entre os muros de suas próprias residências.

Nesta altura da viagem os casacos já não são mais necessários. Pela frente aquela descida anunciada pela Dona Vanda e uma curiosidade, o xixi feito aqui na beira da estrada já corre em direção ao Rio Itajaí-Açu.

São 15 km de descida forte e eu na frente com o carro para tentar providenciar um local para almoçarmos. Nesta descida as primeiras imagens do Rio Hercílio, também chamado de Rio Itajaí do Norte que deságua no Rio Itajaí-Açu, já davam sinais de que estávamos deixando o Planalto Norte Catarinense.

Uma visita ao engenho na localidade de Barra da Prata é uma boa pedida. © Arquivo Pessoal

Lá embaixo, passada a Ponte Parolin, dobrá-se à esquerda em direção ao município de José Boiteux e chegamos a Igreja São José Operário na localidade de Barra da Prata. No bar em frente ao Colégio esta Mário, um Itajaiense, professor de informática que mora na região e dá a dica: dobrando o cruzamento da Barra da Prata, à esquerda, um salão verde a poucos metros adiante pode servir uma boa refeição. Como era sábado, e no interior as coisas são mais lentas, o salão estava fechado. No entanto, lá mesmo, me mostraram onde morava a dona do restaurante que poderia providenciar uma refeição para nós. Dona Ruth, que com seu marido Valdir são os proprietários do único restaurante do local que só abria aos domingos, mas ambos se prontificaram em preparar um almoço para o Quinteto, avisando que no máximo em uma hora e meia o mesmo seria servido. O Restaurante Mui Amigos (47 8447-3339) atende também como Pousada, aceitando reservas pelo telefone para grupos maiores, uma boa pedida para os que gostam de pedalar distâncias menores por dia.

Lá embaixo corre o Rio Hercílio, também conhecido como Itajaí do Norte. © Arquivo Pessoal

A descida constatada pelo grupo foi íngreme, muita pedra encravada na estrada, exigindo perícia para não sair de frente, a mão constantemente no manete do freio ficava cansada de ser tanto exigida. Bom para os avançados que usam pouco os freios, o que não era o nosso caso. Você não encontra só descida neste trecho de Volta Triste até Barra da Prata, nenhuma subida causticante, mas algumas bem chatas. O jeito neste momento era descer e empurrar, o que não podemos considerar um grande perrengue, pois sabemos que logo após vem a descida que sempre é muito divertida, com direito a colher algumas tangerinas que davam sopa na beira da estrada.

Nossos pedaleiros já chegaram e Dona Ruth fazendo milagre na frente de um fogão a lenha em tão pouco tempo. Almoço pronto, servido, consumido e delicioso, claro com umas cervejas para acompanhar. Após o almoço, agradecimentos e despedidas feitas, vale uma visita a um engenho na beira do Rio Itajaí do Norte, dica também do Profº Mário, já que o engenho fica em terras da família de sua esposa. Uma visão espetacular da obra do homem integrada com a obra do Criador.

O Restaurante Mui Amigos foi aberto especialmente para nós. © Arquivo Pessoal

Alguns quilômetros à frente nova encruzilhada, à direita nos levava ao município de Victor Meirelles e à esquerda para o município de José Boiteux, ambos os caminhos chegando em Ibirama. Dando ouvidos a dica de um motorista de ônibus que parava no local, seguimos à esquerda em direção a José Boiteux, pois apesar de ser um trecho mais longo e por estrada de chão, o percurso era plano, ideal para os bikers, além de termos a companhia do Rio Itajaí do Norte também neste trecho. Agora era minha vez de pedalar, cabendo ao Márcio a condução da camionete.

Mais à frente a Reserva Indígena de José Boiteux e a barragem de contenção de cheias do Vale do Rio Itajaí Açu nos aguardavam. Estrada fácil, sem grandes subidas e passando pela Reserva Indígena da região. Casas que nada lembram as ocas que estudamos no primário, mas o semblante dos moradores entregava a origem. Uma profusão de igrejas evangélicas, algumas bem próximas uma das outras parecem catequisar os índios, assim como os jesuítas o fizeram no Brasil colonial. Você ainda pode cruzar com o cacique da aldeia dirigindo a camionete da Funai, provavelmente indo visitar algum membro de sua aldeia.

Rumo ao município de José Boiteux. © Arquivo Pessoal

À esquerda da estrada, o Rio Itajaí do Norte agora mais largo corria mansamente, sinal que nos aproximávamos da barragem de Ibirama, uma das importantes obras de contenção das cheias que de tempos em tempos assolam as cidades do médio vale do Rio Itajaí Açu, entre elas, Blumenau. Esta barragem faz parte de um conjunto de barragens construídas depois das enchentes de 1982 e que tem funcionado bem, diminuindo o impacto das enchentes na região a jusante deste trecho.

Depois da Ponte Pênsil, uma parada antes do trecho final até Ascurra; © Arquivo Pessoal

Domingo

A noite caia quando chegamos a José Boiteux. Tínhamos percorrido 90 km desde a partida em Itaiópolis, estávamos cansados de corpo e relaxados na mente. A pernoite foi reparadora, o Hotel e Restaurante Aurora (47 3352-7134), único na cidade com quartos e banheiros individuais, TV a cabo e Internet com Wi-Fi, jantar de rei, melhor impossível e com lugar para guardar as bikes. Final do primeiro dia, agora é só dormir.

Como já constatei antes, a cortesia dos moradores para com os cicloturistas é impressionante. Eles sabem a importância de uma boa acolhida para este pessoal que volta e meia por lá aparece, pois ajudam a movimentar o comércio da região, além, é claro, de falar bem do local e induzir novas pessoas a por lá passar.

Passando por Ibirama. © Arquivo Pessoal

Na manhã seguinte partimos em direção a Ibirama. Agora é só asfalto pela frente num percurso de 18 km e as placas já indicavam que estávamos no “Circuito Vale Europeu de Cicloturismo”, engraçado pois já havíamos feito trechos do “Circuito das Araucárias” lá no Planalto Norte e agora estávamos no Vale do Rio Itajaí Açu fazendo um novo circuito para bicicletas. Um excelente trabalho de integração entre algumas prefeituras do estado de Santa Catarina que proporcionam trajetos mapeados e maravilhosos para se fazer de bike.

Passando Ibirama chegamos à famosa BR-470. Uma garoa fina parecia dar as boas-vindas nesta famigerada rodovia, capa nos lombos e cuidado redobrado neste trecho violento de estrada, agora com o Rio Itajaí Açu nos acompanhando a nossa direita.

Tínhamos 25 km pela rodovia em direção ao litoral, com destino ao município de Apiúna. Existe um caminho de Ibirama a Apiúna pela margem direita do Rio Itajaí Açu, passando pela ponte da estrada de ferro da antiga R.F.F.S.A., mas a Usina do Salto, às margens do Rio Itajaí Açu, fechou a estrada impedindo a passagem de todos, indo na contramão da procura de alternativas para desafogar a BR-470 do trânsito local.

Preparando para pegar a BR-470. © Arquivo Pessoal

O trânsito matinal de domingo pela BR-470 nos dava um pouco de tranquilidade neste perigoso trecho do passeio, além de não termos que enfrentar nenhuma subida longa, pois afinal estávamos descendo em direção ao litoral.

Na BR-470 cruzamos o Rio Itajaí Açu pela ponte da própria rodovia e ao chegarmos a Apiúna pegamos a ponte pênsil, abandonando com nossas bikes a BR-470 e indo em direção ao município de Ascurra pela margem esquerda do rio. Passar com a camionete pela estreita ponte mostra que quem estava dirigindo também tem seus momentos de aventura e emoção.

Esta estrada não pavimentada faz parte do “Circuito Vale Europeu”, são mais ou menos 12 km de Apiúna até Ascurra. De um lado o Rio Itajaí Açu em direção ao mar nos acompanhando todo trajeto, do outro lado fragmentos da mata atlântica e várias plantações pelos morros.

Nos despedindo do proprietário após um bom almoço. © Arquivo Pessoal

A estrada de chão segue quase plana como o Rio, numa paisagem deslumbrante. À direita do rio, a rodovia leva o desenvolvimento através de seu pesado tráfego e à esquerda do rio o “Quinteto da Bike” leva pela estrada de chão o desenvolvimento de uma grande amizade, forjada ao longo de muitas pedaladas juntos.

Chegamos a Ascurra no início da tarde e na “Churrascaria do Beber”, no km 90 da BR-470, damos adeus a mais uma aventura. Bikes para cima do carro que agora juntos de novo só no próximo passeio, o que não deve demorar.