O que países como Holanda e Suécia têm em comum com Moçambique e China? Em países desenvolvidos e em desenvolvimento, a bicicleta é um dos meios de transporte mais utilizados. Elas podem aproximar realidades distantes e distintas e fazer de sua utilização, muitas vezes necessária, uma verdadeira paixão.

Levantar às 4 h 30 min da manhã, pegar a escova seca e com um pouco de água salobra – retirada do poço – escovar os dentes; a pele escura, quase sempre esbranquiçada pela secura do ar, parece quebradiça. Organizar os papéis da associação da qual dedica boa parte do tempo e pegar a bicicleta de aros enferrujados, pneus carecas e sem freios, para pedalar rumo a uma das oito aldeias que visita semanalmente. Esta é a rotina de Alfredo Araújo, moçambicano de 32 anos.

Alfredo em mais um dia de trabalho ao lado de sua magrela. © Taís González

Fundador de uma associação que trabalha com a promoção do esporte, cultura e educação para crianças, adolescentes e jovens de comunidades tradicionais moçambicanas, Alfredo pedala todos os dias cerca de 200 quilômetros. “Muitas vezes eu não tenho dinheiro para pegar a chapa (transporte público moçambicano igual à van aqui no Brasil), por isto, a bicicleta é o meu meio de transporte. Mas pedalar é algo que gosto muito de fazer”, comenta.

No país africano não existem ciclovias, ciclofaixas ou qualquer tipo de regulamentação para ciclistas, porém, a utilização de bicicletas como meio de transporte está cada vez mais difundida entre os moçambicanos, apesar da falta de acesso em adquirir uma. Chiara Corbetta, italiana que mora em Moçambique há mais de um ano e realiza trabalhos voluntários pelo país, quase sempre deslocando-se de bicicleta, diz ser fundamental a utilização dessas para o desenvolvimento de comunidades e até para salvar vidas. “Existem comunidades afastadas dos centros, e o uso da bicicleta é quase vital nestes casos. Pessoas conseguem ir trabalhar em suas hortas, longe de suas casas na maioria das vezes, e até levar doentes aos hospitais”.

Fundamentais para o deslocamento, as magrelas ainda são pouco acessíveis em países como Moçambique. © Taís González

Em outro país distante dali, geográfica e economicamente, o uso da bicicleta é algo além da necessidade, é cultura. Na Holanda, 9 em cada 10 viagens sobre duas rodas são para ir ao trabalho, ao mercado, à escola e 26% de todos os movimentos de tráfego são feitos de bicicleta. O país iniciou suas ciclovias por meio de protestos, principalmente, para evitar acidentes e mortes de crianças – que diminuíram de 400 em 1971 para 14 em 2010. Isso ajudou a população a ser menos dependente de energia e petróleo, diminuir os problemas de trânsito e as questões ambientais, como a poluição do ar. As primeiras cidades a receberem ciclovias foram Tilburg e Haia.

Hoje, em Amsterdã, a cidade mais amiga das bikes no mundo, as ruas são todas adaptadas para o tráfego sobre duas rodas, com ciclovias, corredores compartilhados, postos de aluguel e de guarda e até sinais especiais – resultado de um trabalho de infraestrutura de longa data. Entre 2007 e 2010, a cidade investiu 28 milhões de dólares por ano em projetos de ciclismo.

A utilização de bicicletas como meio de transporte está cada vez mais difundida entre os moçambicanos. © Taís González

“Na Holanda esta é uma cultura muito forte, tanto que hoje, morando na Suécia, continuo realizando pequenas tarefas com a bicicleta, como, por exemplo, fazer compras”, conta a holandesa Ans Van Den Eijkhof que há 30 anos trocou a “capital das bikes” por outra, mundialmente conhecida como a “capital verde”, Estocolmo.

Na Suécia, assim como em muitos países europeus, o uso das bicicletas foi desenvolvido e massificado, o que originou uma nova cultura. Um passo à frente da construção de meras ciclovias, hoje eles constroem estradas para os ciclistas. A primeira delas foi construída em Copenhague, Dinamarca – para muitos, cidade que ultrapassa Amsterdã em relação as bikes -, o que marcou o início desta nova tendência e que agora será imitada pela cidade sueca de Lund, onde 60% de sua população desloca-se com as magrelas. No caso sueco, a via possuirá 30 km de extensão, unindo a cidade de Lund com Malmö, a terceira maior cidade da Suécia. A rota terá quatro pistas – duas por sentido – e entradas e saídas similares às de vias para automóveis, para ordenar o fluxo de ciclistas e evitar choques.

A holandesa Ans que hoje vive na Suécia e levou para lá o hábito de realizar compras de bike. © Taís González

Infelizmente o efeito reverso vem ocorrendo com a China. A comodidade do carro, e seus preços atrativos começam a atrair muitos adeptos que deixam de lado o transporte milenar por duas rodas. A consequência é o aumento do trânsito, poluição do ar – Pequim é uma das cidades que registra a pior qualidade do ar -, a falta de espaço e o aumento das tarifas nos estacionamentos. Embora sem dados oficiais, estima-se que em todo o país, circulem cerca de 500 milhões de bicicletas, o que coloca a China no topo do ranking mundial de bicicletas per capita e também no da fabricação dessas.

Seja em comunidades afastadas em países africanos, em cidades modelos de sustentabilidade ou na capital mais populosa do planeta, a bicicleta ainda é a opção escolhida por muitos para um deslocamento rápido, apesar das razões diversas. Elas simbolizam mais do que qualidade de vida, as bicicletas representam a cultura local, unem realidades, promovem o cuidado com o meio ambiente e a saúde, e salvam vidas.