Pela primeira vez na história, a Serra do Sol, montanha localizada na fronteira entre Brasil (Roraima) e Venezuela, foi escalada de bicicleta. Entre os dias 31 de outubro e 02 de novembro, o grupo de amigos do Pedal Caburaí, de Boa Vista – RR realizou a expedição. Foram 85 km para alcançar o topo da montanha de 2.250 m em 13 horas de pedal, partindo de Santa Elena de Uairén, pelo lado venezuelano.

Sierra del Sol (Wey Tepuy) é uma imponente montanha de 2.250 m cortada pela linha de fronteira entre o Brasil e a Venezuela, a menos de 30 km ao sul do Monte Roraima. Tornou-se um dos principais destinos de aficionados pelo mundo off-road no norte do Brasil desde que o Caracas Jeep’s Club realizou uma expedição por aquelas terras e publicou na revista Ruta’s 4WD. Em 1º de novembro de 2003, chegaram lá os primeiros brasileiros em motos próprias para trilha. No ano de 2007 surgiu a ideia de fazer o percurso de bike, mas o projeto não vingou, dadas as dificuldades do terreno combinadas com a necessidade de apoio.

© Dilamar Lewiski e João Swamy

Sierra del Sol (Wey Tepuy) é uma imponente montanha de 2.250 m cortada pela linha de fronteira entre o Brasil e a Venezuela, a menos de 30 km ao sul do Monte Roraima. Tornou-se um dos principais destinos de aficionados pelo mundo off-road no norte do Brasil desde que o Caracas Jeep’s Club realizou uma expedição por aquelas terras e publicou na revista Ruta’s 4WD. Em 1º de novembro de 2003, chegaram lá os primeiros brasileiros em motos próprias para trilha. No ano de 2007 surgiu a ideia de fazer o percurso de bike, mas o projeto não vingou, dadas as dificuldades do terreno combinadas com a necessidade de apoio.

Os anos se passaram, o ciclismo em Roraima evoluiu e a ideia ressurgiu com o grupo Pedal Caburaí. A data foi marcada: 4 de novembro de 2012. Com a incerteza a sua frente, Elton Oliveira, Idonilson Wanderley Bila, Irajara Silva e Gilmar Araújo iniciaram o “reconhecimento”. O plano era ir até a maloca dos índios em Santa Rosa, distante 37 km de Santa Elena de Uairén, onde se paga um simbólico pedágio para a ida à Serra. Entretanto, conseguiram mais do que isso: às 13 h, estavam a apenas 5 km do Salto Kae Meru, no rio Arabopo, metade do caminho para a Serra do Sol. Porém, pelo avançar das horas e a questão de ter toda a volta para cumprir, desistiram do segundo objetivo que era chegar até a cachoeira. A região é isolada e o grupo não podia comprometer a integridade na volta, pois seria um risco ter que atravessar rios e matas à noite. Enfim, após 122 km pedalados, tiveram a certeza: “Serra do Sol nos aguarde, pois somos brasileiros e não desistimos nunca. É duro? Sim. Impossível? Nunca!”

© Dilamar Lewiski e João Swamy

Dois anos mais tarde, Ademir Timbó, um dos primeiros brasileiros a chegar na Serra do Sol, conhecia bem o traçado, havia organizado expedições com motos e jipes 4×4, era conhecedor da logística necessária e agora frequentador assíduo dos grupos de pedais e competições de ciclismo MTB em Roraima e no outro lado da fronteira. Ele uniu-se com Elton Oliveira e juntos criaram um grupo fechado, selecionaram bikers, começaram os treinamentos e as reuniões. Três meses foram necessários para que tudo ficasse ajustado às necessidades do “Pedal Caburaí – Expedição Serra do Sol 2014”. Além do duro e incessante treinamento, houve todo um planejamento para a logística que contaria até com apoio aéreo para levar o material de camping, alimentos e um cozinheiro/garçom.

Tudo pronto. Check-list mais uma vez conferido, era 30 de outubro e fizemos um deslocamento de 230 km de Boa Vista-RR até Santa Elena de Uairén – Venezuela, para a Pousada Del Guerreiro, a qual foi escolhida como último ponto de apoio, pois seu proprietário, Sr Almir Herculano, sempre foi muito prestativo e há tempos colabora com grupos aventureiros que passam pela pequena mas movimentada cidade fronteiriça.

© Dilamar Lewiski e João Swamy

O dia em que a história da Serra do Sol
começa a ser contada também por bikers

31 de outubro de 2014

As luzes se acenderam às 4 h da manhã e os olhos insistiam em permanecer fechados mas a mente impulsionava os corpos para dentro dos uniformes de ciclismo. O café da manhã teve um gosto de adrenalina da saída. O sol estava no segundo sono quando Jimmy Siqueira, venezuelano filho de brasileira, chegou com seu caminhão para nos dar uma carona.

O pedal começou com 10 km de savana plana até o rio Divina Pastora, e o dia renasceu com oito bikers pedalando sobre a relva molhada pelo orvalho. Ademir Timbó, David “Jabota”, Dilamar Lewiski, Elton Oliveira, João Swamy Miranda, os gêmeos Kleiton e Kleber Pinheiro e Randerson Aguiar estavam prontos para enfrentar um longo dia de aventura, dispostos a vencerem a si mesmos. A paisagem é muito mais que um energético em nossas mentes. O “alimento” captado pelos olhos é transmitido para os pedais e a cada quilômetro sentimos os efeitos positivos do treinamento. Pouco a pouco vamos acostumando com o piso irregular e as duras subidas…

© Dilamar Lewiski e João Swamy

O tempo vai passando e 23 km depois chegamos em Santa Rosa, pequena comunidade indígena por onde quem passa sempre deixa uma pequena taxa, como um “pedágio”. O que começou como uma forma de ajudar os caboclos, hoje se tornou uma obrigação. Em setembro, uma motocicleta nova de um grupo de Manaus foi incendiada no local, sem motivo que o justificasse, apenas para mostrar quem manda.

Alguns igarapés e 8 km savana a dentro, chegamos no Retentor, subida íngreme e pedregosa que se destaca na rota pela dificuldade de vencê-la pelos 4×4 e motos. As bikes nas costas correm menos riscos e rapidamente chegam ao topo. Paradas para apreciar a paisagem do alto e em uma laje onde a água corrente e refrescante completa os reservatórios são importantes. Alimentação e reidratação são uma preocupação constante do grupo.

© Dilamar Lewiski e João Swamy

Às 09 h 20 min alcançamos os marcos da fronteira, limite da Venezuela com o Brasil. À nossa frente, na região baixa, as comunidades indígenas de Campo Alegre, Campo Formoso e Maloca do Piolho. O percurso se tornou mais variado, com subidas e descidas intercaladas, divididas por igarapés e trilhas de pedras que tornaram o pedal mais pesado e perigoso.

O sol, que surgiu tímido e belo ao amanhecer, agora castigava. Para alívio de todos, às 11 h 20 min chegamos no Salto Kae Meru, uma imponente cachoeira de mais de 30 metros de queda d’água do rio Arabopo, que nasce no alto do Monte Roraima e serpenteia pela savana deserta até encontrar o rio Kukena. A beleza e grandiosidade do Salto K, como também é conhecido na Venezuela, impressiona e convida para uma pausa. Estávamos seguindo o quadro horário até aqui, então, merecíamos este “presente”.

© Dilamar Lewiski e João Swamy

O banho renovou o corpo e a alma. Recarregamos “as baterias” e partimos para mais alguns quilômetros de savana, contra o vento. Vento que nos segura e ao mesmo tempo refrigera o sangue dos corpos suados. Pedras, atoleiros, subidas e descidas diversificavam esta parte do percurso.

O relógio marcava 15 h quando chegamos ao pé da última grande serra. Uma subida de três quilômetros onde pouco – ou nada – se pedala. Já na parte final da subida, para nossa alegria e motivação, avistamos o avião que levaria todo material de camping e a alimentação. Sempre existe a possibilidade do apoio não chegar, mas não foi desta vez. O jantar estava garantido.

© Dilamar Lewiski e João Swamy

O último obstáculo a ser vencido foi o “Retentorzinho”. Impossível pedalar nele. Muito inclinado, muitas pedras… É por a bike nas costas, olhar para cima, estufar o peito e, “vamo que vamo”. Um passo de cada vez, afinal, não somos profissionais nem contamos com o condicionamento dos grandes atletas. Dosando o esforço com a distância, metro a metro nossa meta se aproxima. No alto, a recompensa: a Serra do Sol, ao longe ainda, nos dando as boas vindas. Quase 20 km nos separam, porém, a parte mais difícil havíamos vencido. À nossa frente, a linda savana cortada pelos marcos da fronteira, dividiam dois países e, ao mesmo tempo, nosso objetivo.

O dia foi longo, começou cedo. A trilha deixada pelos 4×4 bem marcada e limpa, somada à sensação de estar chegando, fez com que o grupo “acelerasse” o pedal, esquecendo momentamente o desgaste do dia. O barulho do vento cortando o rosto, o ronco dos pneus em contato com o solo, a troca de marchas e a visão do imponente tepui à nossa frente nos dão a certeza de que todo esforço valeu a pena. Meses de planejamento, quilômetros e mais quilômetros de treinamento e preparação para se alcançar um único objetivo – chegar na Serra do Sol.

© Dilamar Lewiski e João Swamy

Chegamos, então, em mais um igarapé. Uma laje muito lisa que já fez muitas “vítimas”, principalmente com motos. Para nossa surpresa, avistamos um 4×4 muito bem equipado e três venezuelanos que tomavam banho nas piscinas naturais do riacho. Cumprimentamos, conversamos com eles e descobrimos que também estavam acampando com outros quatro veículos. Ufa! Até que enfim pessoas. Geralmente não se vê ninguém por lá.

Quando chegamos ao  acampamento, o sol começava a repousar no horizonte, a pequena cachoeira nos chamando para o banho e a emoção tomou conta do grupo. Era a sensação do dever cumprido, a sensação de que todo o tempo e esforço dedicados à preparação foi válido, pois a visão que a Serra reservava para aquele grupo de oito bikers extenuados por um dia inteiro de trilha, do mais puro Mountain Biking, fez ressurgir no grupo a energia dispersada no decorrer do percurso.

© Dilamar Lewiski e João Swamy

O grupo de 4×4 da Venezuela que lá estava, nos deu as boas-vindas mas ainda não acreditando que seria possível enfrentar caminho tão sinuoso de bicicleta. Calculavam que levaríamos dois dias, mas chegamos no fim do primeiro, conforme o planejado. Foi para isso que nos preparamos.

Gil, nosso cozinheiro/garçom/barman que chegou com o avião e o material, já havia montado a cozinha e os preparativos para o jantar estavam adiantados.

As barracas rapidamente foram montadas, banho também rápido devido a fria água da cachoeira, e acabamos também rapidamente com a macarronada, afinal, ninguém mais suportava as tais das barras energéticas. A conversa após o jantar foi curta, pois o longo dia deixou todos exaustos e no segundo dia teríamos outro desafio.

© Dilamar Lewiski e João Swamy

No topo da Serra do Sol

2º dia – 1º de novembro de 2014

Os primeiros raios de Sol cruzavam as nuvens deixando ainda mais belo o amanhecer e os corpos doloridos começaram a se por na vertical. O objetivo para esta manhã era chegar ao topo da Serra do Sol, com 2.250 m e deixar lá uma pequena placa como lembrança do feito do grupo Pedal Caburaí.

Levando em consideração o desgaste do dia anterior e a dificuldade que seria a escalada, decidimos que apenas aqueles que estivessem melhor fisicamente realizassem a subida da Serra, afinal, seriam 18 km de pedal (ida e volta) e mais 3 km a pé para alcançar o topo, mais 3 km para descer, o que com certeza exigiria um ótimo condicionamento e resistência, depois de todo o esforço realizado no dia anterior.

Dois guerreiros se dispuseram para a batalha. Randerson e Lewiski calçaram as sapatilhas, capacetes e partiram. Sem pressa, sem muita preocupação com o horário, metro após metro a imensidão da savana venezuelana ficava para trás, para baixo. Dividimos o roteiro em três partes: subida, escalada e cume. Passos curtos, constantes, sempre procurando por “degraus” para apoiar melhor os pés e evitar torções ou escorregões.

© Dilamar Lewiski e João Swamy

Há um “caminho” contornando pela direita da montanha, que não se faz necessário equipamento de escalada ou prática em alpinismo, porém, há de se ter maior cautela por ser bastante íngreme e existe a possibilidade de pedras se soltarem. O uso do capacete foi uma prevenção.

Na parte da escalada há uma espécie de fenda arredondada por onde o vento afunila, fazendo ainda mais pressão. No alto deste estágio, pedras maiores são rapidamente ultrapassadas até chegarmos à região plana onde se forma um pequeno alagadiço com bromélias.

Chegamos então à reta final para o cume. O vento agora mais forte e a formação de nuvens começou a encobrir o topo da Serra. Íamos entrando no nevoeiro ao passo que o caminho se afunilava. Os últimos metros se tornaram assustadores, pois a estreita passagem ladeada por dois abismos e somada ao vento forte causava vertigem, e a sensação de medo foi inevitável.

Ventava muito, estávamos literalmente sendo engolidos pelas nuvens e eram 10 h da manhã quando alcançamos o cume da Serra do Sol. Talvez isso não fosse nada para muitos alpinistas, mas para nós, simples aventureiros de fins de semana, foi a glória. Outras placas que lá estavam foram levadas para longe pela ação dos fortes ventos. Mesmo assim, deixamos a nossa lá também.

© Dilamar Lewiski e João Swamy

Sentamos por poucos minutos para sentir melhor a energia do lugar e curtir a vista quando as nuvens se abriam. Agradecemos a Deus e iniciamos o caminho de volta, sempre com o mesmo cuidado e cautela. Ao alcançarmos as bikes tudo ficou mais fácil, pois, além de ser descida, o vento também estava a nosso favor.

Quando chegamos no acampamento o almoço estava no ponto para ser servido. Eram 12 h 30 min. Fomos recepcionados com festa pelos companheiros que ficaram na torcida. O segundo objetivo tinha sido alcançado!

À tarde nos demos um momento de relaxamento. Percorremos 5 km pela savana para mais um banho de cachoeira, desta vez no Salto Chirimatá. Com a imagem da Serra do Sol ao fundo enquanto caminhávamos pela savana, podemos apreciar calmamente o quão belo era aquele lugar. São imagens que não sairão da memória de nenhum de nós, é algo inexplicável. Por mais que se fale ou que se mostre fotografias, apenas estando lá para sentir.

Retorno para Santa Elena de Uairén

3º dia – 2 de novembro de 2014

O sol majestoso mais uma vez nos presenteou com sua beleza. Máquinas fotográficas apostas e o som dos clicks se misturam ao da cachoeira e o de panelas sendo “manobradas” pelo Gil preparando um café reforçado. Teríamos os mesmos 90 km de volta e as mesmas preocupações e cuidados também. O relógio marcava 6 h 30 min quando passamos por cima da cachoeira seguindo para casa. Agora a Serra do Sol e toda a sua grandiosidade ficava para trás, como uma mãe zelosa, a nos espreitar na partida.

Se a ida foi agonizante, agora, descendo e com o vento a favor, só se ouvia o “uhul” dos bikers serra abaixo. Estávamos mais rápidos. Mas dois de nossos companheiros “compraram um terreno”, ou seja, sofreram uma queda. O primeiro a levantar sacudiu a poeira, olhou para a bike e seguiu. O segundo demorou para levantar, não sacudiu a poeira e nem olhou para a bike – isso não era um bom sinal. Sentiu fortes dores no ombro e a preocupação tomou conta do grupo. Neste local, totalmente isolado, já houve casos de pessoas serem resgatadas de helicóptero, dada a dificuldade de se transitar com veículos 4×4 por lá. Apesar de perder um pouco a mobilidade do braço acidentado, aos poucos a dor foi melhorando. Nosso companheiro sabia que teria que ser forte e seguir viagem; parar não era uma opção. Decidimos dividir o grupo. Os três mais rápidos iriam à frente para buscar um carro e resgatar os demais. Até onde os carros 4×4 chegam com facilidade seriam 27 km a menos e para quem vem contundido e desgastado, isso dá mais de uma hora de pedal.

© Dilamar Lewiski e João Swamy

Faltando 15 km para chegarmos ao asfalto, um forte estouro aconteceu. Era um pneu, e o reserva ficou com o pessoal que vinha atrás. Tivemos que improvisar para seguir. A bicicleta pulava um pouco, mas conseguimos continuar. O ritmo foi ótimo, com poucas e rápidas subidas, até chegarmos à ponte de concreto onde tudo começou. Na reta final, empurrados pelo vento, a adrenalina foi tomando conta e a velocidade média passou dos 45 km/h na plana savana.

Enquanto isso, lá atrás o segundo grupo resolveu que iria diminuir o tempo e a quantidade de paradas para não correr o risco de pegar parte do trajeto à noite. Sacrificaram um pouco mais seus corpos, mas tomaram a decisão certa, pois conseguiram manter um ritmo forte mesmo com um companheiro contundido.

Após mais 15 km de asfalto, chegávamos à Pousada Del Guerreiro onde o Sr. Almir nos recebeu alucinado com a conquista deste feito. Não demorou muito para tomar banho e seguir com dois carros ao encontro dos companheiros que ficaram para trás. Para nossa surpresa, encontramos eles já no asfalto!

Mais 230 km de volta para Boa Vista e estava tudo acabado. Os corpos doloridos, mas a alma ao vento, alucinados ainda com a conquista de um objetivo há tempos desejado.