Desde que o Roda Mundo chegou na Europa, recebo mensagens para escrever sobre os 70 mil km de ciclovias que cortam o continente – a Euro-Velo. Há rotas para ciclismo, incluindo ciclovias, o que muda completamente o ponto de vista do que é considerado ciclismo seguro.

Isso quer dizer que: algumas vezes você pedalará por ciclovias (vias segregadas para bicicletas), outras vezes em estradas compartilhadas com automóveis, ou em calçadas compartilhadas com pedestres. Ou entre parques nacionais, vilarejos, tem de tudo.

Pois bem, então o que faz desses lugares “rotas de ciclismo”? Aí é que entra a “mágica”: respeito ao ciclista. Trata-se, por exemplo, de usar políticas e educar para que motoristas respeitem ciclistas nas estradas, reduzam a velocidade e troquem de faixa para ultrapassar. É também sobre ciclistas que reduzem a velocidade em áreas compartilhadas com pedestres. É sobre zonas urbanas com limites de velocidade para automóveis reduzidos, para a segurança e maior qualidade de vida. Bom, algumas vezes é também sobre ciclovias. Em resumo, trata-se de ir com segurança do ponto A ao ponto B, indo de carro, transporte público, caminhando, pedalando, de skate, montado em um unicórnio, você decide.

É bastante comum associar segurança viária para ciclistas apenas com ciclovias. É também, mas é uma forma entre muitas. Trata-se de um sistema de conexão da bicicleta com transporte público, bicicletários, caminhos pensados para todos os transportes, incluindo a bicicleta.

A notícia chata? Bom, isso é um processo de redemocratização do espaço público, e redemocratizar implica em perder privilégios para dar direitos básicos a outros. Ou seja: é bastante fácil adorar pedalar nas vias da Holanda, mas detestar as ciclovias ou protestar contra a redução de limites de velocidade na sua cidade. Nas tais rotas de ciclismo europeias, não há nada mais do que privilégios reequilibrados. É bastante fácil gostar e apoiar isso, pois em outro lugar quem perde privilégio não é o seu carro. Aí, quando tentamos redemocratizar o espaço público, temos que ouvir pérolas como “Tá achando que isso aqui é Amsterdam??”.

Tem muita gente lutando para redemocratizar o espaço público, assim como tem muitos tentando manter privilégios; é bastante comum confundi-los com direitos. Pois bem, ao menos entenda que todos perdem com a manutenção desse privilégio, incluindo quem o detém. Pense nisso quando reclamar do trânsito, da qualidade do ar, do preço e da qualidade do transporte público, etc. Aí sim, iremos de forma segura do ponto A ao ponto B, da maneira que quisermos.

© Ricardo Martins

Dicas sobre a Euro-Velo

Muito resumidamente, a Euro-Velo é a estrutura cicloviária que interliga uma grande parte da Europa ocidental e parte do leste. É um projeto ambicioso e com grandes resultados, mas ainda assim em processo de execução e aperfeiçoamento. Para escrever mais detalhadamente sobre isso, usei minha experiência pessoal e a dos ciclistas que encontrei nas travessias. Dessa forma, acho que dá para esclarecer alguns pontos comuns e desfazer alguns mitos.

Nem sempre há sinalização

O circuito ainda é, embora grandioso, bastante incipiente, portanto, há muito o que aperfeiçoar. Não se espante ao ver a sinalização da rota algumas vezes sim e outras não, quando em uma bifurcação você simplesmente não souber o rumo correto. Vale ter um mapa complementar, seja em papel ou um mapa offline (recomendo o maps.me e o Komoot, embora o segundo seja pago nas versões mais avançadas).

Em alguns circuitos há sinalização adequada e visível, ou existem locais onde simplesmente um papel A4 está fixado toscamente. Vale ficar atento e ter um plano B, haja vista que nem sempre há gente por perto para perguntar.

O projeto ainda está no processo de ciclistas que fazem o percurso e sugerirem sinalização. Como estamos falando de muitos países, leis de trânsito e zonas inóspitas, é um processo naturalmente lento.

© Ricardo Martins

A rota é apenas uma sugestão

Eu devia pedir 10 centavos a cada vez que recebo perguntas de planejamento de rota com base no site da Euro-Velo, como se essa fosse a única opção para se cruzar a Europa. Nem de longe.

Claro, as rotas mais clássicas estarão por lá, mas alguns podem dizer que as melhores experiências podem estar para além do clássico. A rota é uma sugestão, jamais uma obrigatória, e longe de ser a única.

O Reino Unido possui zilhões de rotas alternativas e muito bem marcadas através da “Sustrans”. É possível seguir a rota clássica da costa de Portugal, ainda que os vilarejos que propiciam a experiência mais intocada das aldeias estejam na via central, não sinalizada. A famosa rota de Viena até Budapeste te manda subir algumas montanhas, quando há um caminho gostoso e plano seguindo o Danúbio pela Eslováquia. Posso citar um exemplo por cada país onde estive.

Sugiro usar a Euro-Velo como base e não como regra.

© Ricardo Martins

Como saber a melhor rota?

Converse com os locais, consulte grupos internacionais de cicloturismo, ou mesmo os nacionais. Seja como for, busque sempre mais de uma fonte. Não tome sequer como verdade o que por aqui escrevo, senão como um exemplo possível, dentro do que vivi e considero importante. Isso muda drasticamente de pessoa para pessoa.

Duvide dos especialistas

A quantidade de informação equivocada ou imprecisa disponível é bastante impressionante. Basicamente, há muitos que fazem determinada rota e a recomendam como a melhor, ou ainda recomendam cuidados e lugares apenas com base no que viram. Há os que simplesmente viram pouco e não se dão conta disso, ou os que pensam que o próprio jeito é o melhor ou o único.

Com toda a modéstia que me cabe, deixo essas linhas aqui apenas como ponto de partida. Eu mesmo fiquei apenas um ano pedalando pela Europa, portanto estou bem longe de conhecer tudo o que por aqui existe, ou tudo o que pretendo conhecer.

Vale seguir a Euro-Velo

Muito. Há rotas por castelos, praias, florestas, vilarejos medievais, tudo isso pensado por grupos multidisciplinares contendo os melhores profissionais do mundo da bicicleta. Seria um absurdo ignorar isso, e o resultado impressiona seguidamente.

Ainda que você tenha a Euro-Velo, dar uma escapada pode propiciar uma experiência além da bolha, onde você é tratado mais como pessoa e menos como algo meramente comercial e turístico. Além do mais, as rotas mais famosas podem estar bastante cheias, principalmente no verão.

Pessoalmente, gosto dos imprevistos, ainda mais na Europa ocidental, onde a estrutura costuma ser excelente ou no mínimo razoável.

© Ricardo Martins

Precisa sempre ir para camping e hotéis?

Não. Ainda que o site oficial traga opções confiáveis e até bastante em conta (para os padrões europeus), o acampamento selvagem é perfeitamente possível.

Escrevi anteriormente um artigo somente sobre como dormir de graça pelo mundo, onde falo sobre isso com mais detalhes.

Se precisar de mais informações, será um prazer ajudar. Ainda que eu não saiba de tudo sobre o tema, ao menos há uma grande possibilidade de que eu conheça quem conheça.

Curta muito! Vale a pena conhecer essa rota, que não por nada está cada vez mais famosa.