Fui para a Nova Zelândia com o objetivo de estudar, logo, meu tempo para a viagem foi bastante reduzido, restringiu-se a 20 dias. De qualquer forma, consegui visitar 13 cidades percorrendo 1.100 km de ida. Fiz a opção de ir o mais longe que pudesse para conhecer o máximo de lugares diferentes. A volta, por conta do início das aulas, fiz de ônibus.

Cada cicloviagem é sempre um desafio diferente. Neste caso, o meu desafio teve inúmeras variáveis diferentes. Para começar, o país: sinto-o com um pouco mais de familiaridade, mas que é bastante diferente do nosso Brasil.

© Felipe Aço

Outras variáveis são a “mão inglesa” da estrada, o clima que é bastante inconstante, chovendo e fazendo sol duas a três vezes por dia, e a topografia, já que estou em uma grande ilha que é resultado de duas grandes falhas geológicas das placas tectônicas da terra. Não é a toa que aqui tem dezenas de vulcões e os terremotos são constantes. Por conta disso, há milhares de montanhas naquele estilo dos nossos desenhos infantis atrás da casa: sobe de repente e desce de repente.

Por fim, uma última variável bastante significativa foi a bicicleta. Eu devo ser o único sujeito no mundo a viajar em uma Specialized Stump Jumper Elite. Ou seja, minha bicicleta (que infelizmente não é minha!) totalmente afeita à trilha, teve que encarar uma estrada com quase 23 kg de bagagem.

Além da bagagem, barraca, colchonete etc., levei um par de pneus de trilha. Na verdade os originais da bicicleta, mas coloquei um pneu slick para estrada. Troquei os pneus três vezes durante a viagem para poder fazer algumas trilhas. Não me arrependi. Foi providencial este detalhe. Não teria conseguido conhecer algumas belezas naturais deste país sem os pneus adequados para a bicicleta.

© Felipe Aço

A bicicleta fez bonito na estrada, mas ela é insuperável na trilha. Tenho rodado na trilha duas a três vezes por semana e é impressionante o que esta bicicleta faz. Bom, mas isto é outro assunto.

Minha viagem começou em Rotorua, cidade que, como muitas daqui, tem o nome na língua maori (nativa da região). Esta cidade fica no centro da Ilha Norte. Meu objetivo era alcançar a ilha sul. Não tinha muita clareza de quanto tempo isso levaria, mas tinha a convicção de que enquanto estivesse pedalando, estaria indo para lugares interessantes.

Na primeira parte da viagem fui para Taupo, que fica literalmente na “boca do vulcão”. Aliás, é a maior boca do vulcão daqui, o lago tem quase 200 km de circunferência.

© Felipe Aço

A viagem para Taupo foi “traumatizante”, primeiro porque não estava totalmente adaptado à bicicleta, segundo porque choveu do início ao fim do percurso e terceiro porque a bagagem caiu e eu tive dificuldades de arrumar no meio da estrada com chuva. Coisa de principiante. Em Taupo, fiz a minha primeira troca de pneus, fui para a trilha conhecer as cachoeiras do local, chamadas Huka Falls.

Fiquei dois dias em Taupo e fui para Turangi, cidade na base do vulcão em que não há nada de interessante, mas resolvi parar porque a subida para a serra do vulcão é extremamente íngrime; no outro dia descobri que era mais até do que havia programado. Uma coisa boa na cidade foi o hostel muito aconchegante.

No quarto dia de viagem segui para o National Park, que é uma reserva natural declarada pela Unesco como patrimônio da humanidade em 1990. É neste parque que estão os dois principais vulcões da ilha norte, o Tongariro e o Ruapehu, este último com quase 3.000 metros. Subi o primeiro, que tem 1.800 metros, e já passei frio… Para o outro ia precisar escalar.

Fiquei dois dias no National Park e tentei recuperar o joelho, que teve uma pequena luxação na subida de bike, que se agravou enormemente na descida do vulcão (a pé).

© Felipe Aço

No dia 24 de dezembro fui para Okahune, que é uma estação de ski, nesta época fechada. Dali, conseguia enxergar o Monte Ruapehu com seu cume totalmente coberto de neve – impagável!

No dia 25, mudei os pneus e fui para a trilha! Muito bom, mas, meu joelho estava literalmente em frangalhos… Tomei um anti-inflamatório antes da trilha, mas voltei depois de 25 km tinha que me recuperar para continuar viagem no dia seguinte.

No dia 26 de dezembro prossegui viagem para Wanganui, a primeira visão que tive do mar da Tasmânia que é este mar que liga a Nova Zelândia com a Austrália. “Liga” é maneira de dizer, porque de um lado a outro tem mais de 2.000 km. Esta cidade, de dimensões medianas para a realidade neozelandesa, já foi uma das principais rotas na época da colonização por conta do seu pomposo rio que deságua no mar, mas hoje vive literalmente das recordações do passado.

Não pude deixar de visitar a Galeria de Arte e os inúmeros museus. Detalhe aqui foi o elevador chamado Durie Hill, um dos únicos elevadores do mundo que atravessa uma montanha. Ele foi construído no início do século XX pela elite da cidade que morava em cima da montanha e acho que estava um pouco cansada de subi-la.

© Felipe Aço

Não deu pra melhorar muito o joelho nesta cidade, pois caminhei feito peregrino com culpa. Mas tudo bem. No outro dia segui para Palmstorm North que foi um ponto escolhido somente para dormir. De qualquer forma, no reconhecimento do local, ganhei um abraço de um punk. Algo inusitado, devo admitir.

De Palmstorm North fui para Paraparaumu, uma cidadezinha litorânea a 50 km da capital do país, Wellington. Meu objetivo na cidade era conhecer a Kapiti, uma ilha que fica a não mais que 5 km da costa.

O problema é que as visitas à ilha são controladas e desde que cheguei, chovia a cântaros. Não consegui ir na ilha, mas decidi que ia circular pela cidade. O destaque aqui é o museu do automóvel com um acervo de carros, motos, bicicletas e até aviões. Claro que, para minha insatisfação, o lugar ficava a cerca de 14 km de onde estava e não parava de chover. Fui com chuva, troquei de roupa e entrei no museu. Valeu a pena, não perdi a viagem.

Sai de Paraparaumu no dia 31 de dezembro decido a passar a virada de ano em Wellington. Foi, com certeza, a parte mais difícil da viagem. Eram só 53 km, mas eu levei cinco horas e meia para finalizar.

© Felipe Aço

Nunca havia chovido tanto e aqui em Rotorua já haviam me alertado que o vento é implacável em Wellington, visto ser um imenso canal onde o vento parece ser canalizado. Para completar a “desgraça”, nas vias expressas perto de Wellington não são permitidas bicicletas.

O problema é que organizei todo o meu itinerário considerando as vias e quando sai delas, me perdi. Resolvi voltar para a via, mas descobri porque não era permitido as bicicletas… Não tem espaço para elas e os carros passam a 100 ou 120 km/h. Por sorte, há poucos caminhões, mas foi um grande sufoco esta chegada.

Afora o percurso, Wellington é de fato um lugar singular. Com uma vida cultural intensa, um litoral belíssimo e uma capacidade de mesclar desenvolvimento civilizatório e natureza que poucos conseguem.

Fiquei três dias na cidade, mas podia ficar duas semanas que ainda assim não conseguiria ver metade do que há por ali. Gostaria de ter feito uma das inúmeras trilhas de MTB, mas estava com o tempo reduzido, pois queria conhecer a ilha sul de qualquer jeito.

No dia 4 de janeiro me fui para a ilha sul, desembarquei em Picton e tive um problema na chegada no hostel. Quase dormi na rua, pois o Ferry Boat chegou perto da uma hora da manhã e houve algum problema de comunicação que me deixou sem chave para entrar.

No outro dia subi a serra para Haverlock, onde o porto é maior que a cidade. Aliás, na Nova Zelândia isso é quase uma regra, mas em Haverlock a desproporção é muito grande.

© Felipe Aço

Nesta parte o velocímetro da bike parou de funcionar e não houve quem conseguisse resolver o problema. Mexi, remexi, troquei de lugar, joguei no chão, chutei e pisei, mas nada. Segui sem velocímetro. Inexplicavelmente, uma semana após a minha chegada em Rotorua, voltou a funcionar. Nem troquei mais.

De Haverlock fui para Anakiwa, em que, de longe, foi o melhor hostel que fiquei. Ali, fiz a terceira e última troca de pneus e conheci uma das paisagens mais deslumbrantes da Terra: os chamados souds. São terras alagadas com milhares de enseadas. Em cima da montanha é possível dar um giro de 360° e ver água e terra em toda a circunferência. Gravei esta imagem para o resto da vida.

Voltei para Picton, peguei o Ferry Boat para Welligton, passei a noite de 7 para 8 de janeiro lá e no domingo desmontei a bike, botei no ônibus e voltei para casa aqui na Nova Zelândia. Dia 9 tinha aula e não podia faltar.

© Felipe Aço