Famosa por seus fiordes, a Noruega não é um roteiro tradicional do turista brasileiro. Mas para o casal de cicloturistas Renato e Liliane, foi a escolha perfeita para um pedal seguro e revelador de cenários maravilhosos nas terras dos Vikings.

© Renato Perim

A Noruega sempre me fascinou. Não só pelo nível social da civilização, primeiro lugar no ranking mundial de desenvolvimento humano (IDH), mas pela exuberante natureza. A este fascínio somou-se a busca por uma viagem fora dos clássicos roteiros de bicicleta do Brasil e Europa Ocidental, em um local que oferecesse a segurança para um pedal a dois, já que levava na bagagem uma ciclista apaixonada, minha mulher Liliane.

Pelo pouco tempo de viagem, oito dias, defini um trajeto curto de 500 km, que pudesse nos propiciar a maior diversidade de paisagens.

© Renato Perim

Chegando à capital, Oslo, encontramos certa dificuldade de embarcar para o ponto de partida da viagem, Åndalsnes, pois há vagas limitadas para bicicletas nos trens e, no ápice da estação turística, estava tudo lotado. Com isso, atrasamos um dia o início e aproveitamos para conhecer a cidade, óbvio, de bicicleta. Por lá, pedalamos cerca de 50 km por pacatas vizinhanças, belos parques e zona rural das redondezas. Como praticamente em toda a Europa, o respeito pelo ciclista é imenso e a falta de ciclovias compensada por uma sensação de segurança que infelizmente não existe por aqui.

Pelo inesperado problema de logística, invertemos o roteiro e iniciamos a viagem em Haugastøl, onde descemos do trem e já em seguida adentramos em um conhecido roteiro de bicicleta local, Rallarvegen, uma estreita estrada de cascalho de aproximadamente 100 km construída para dar suporte à antiga e abandonada linha de trem entre Oslo e Bergen.

© Renato Perim

Só este caminho, um dos mais lindos que já pedalei, valeria toda a viagem. Inicialmente com uma longa ascendência, a estrada percorre um platô a 1.400 metros de altitude, passando por trechos nevados, grandes lagos de águas cristalinas e muitas, muitas cachoeiras! Ao entardecer, uma acentuada descida para o nível do mar até Flåm, antes passando por um vale daqueles de cenários típicos da mitologia.

Dizem que anualmente, de julho a setembro (nos demais meses a estrada é fechada pela neve), cerca de 20 mil ciclistas percorrem o trajeto. Aos montes eles estavam lá: famílias inteiras, idosos, crianças, atletas, viajantes, todos misturados, colorindo aquela atmosfera mágica com suas bicicletas.

© Renato Perim

Nos demais dias, pedalamos por caminhos não menos incríveis, muitos deles acompanhando os famosos fiordes, braços de mar que avançam entre as imensas montanhas continente adentro e fazem da Noruega um cenário único no mundo. Dois deles, Nærøyfjord e Geiranger, considerados Patrimônio Mundial pela UNESCO.

Mesmo quando não podíamos avançar no trajeto, aguardando os Ferrys, aproveitávamos o máximo para explorar os lugares de bicicleta e achar o melhor espaço para um piquenique, como um especial feito às margens de um fiorde na vila de Balestrand.

© Renato Perim

Também cruzamos Gaularfjellet, uma rota turística nacional norueguesa, cercada de lagos e cachoeiras, onde pedalamos dezenas de quilômetros sob um frio de oito graus sem avistar uma alma viva sequer. Pode parecer piada, mas a única lanchonete no caminho vendia apenas sorvete.

A Noruega não é um destino tradicional para o brasileiro padrão, que infelizmente parece se entusiasmar mais com os outlets de Miami. Encontramos poucos conterrâneos por lá. Nos isolados vilarejos, a surpresa pela nossa nacionalidade, mesmo pelos contidos noruegueses, era imensa.

© Renato Perim

O cicloturismo nos permite penetrar em espaços que não constam em guias turísticos e com isso nos surpreender. Numa dessas ocasiões, nos vimos em um aconchegante restaurante encravado em uma clássica fazendinha nórdica. Todos os ingredientes dos pratos eram lá produzidos artesanalmente e a simpática garçonete, também pastora de ovelhas, mal conseguia atender os demais clientes, tamanho o interesse nos dois brasileiros viajantes de bicicleta que foram parar naquele isolado pedaço de mundo. Momentos aparentemente simplórios, mas de uma energia grandiosa. De barriga cheia e alma renovada, seguimos em frente desviando de crianças que brincavam no jardim.

Já havia feito viagens de bicicleta por diversos países e algo que não posso me queixar é do elemento sorte, principalmente no que se refere ao clima. Como num enredo literário, tudo sempre conspirou para dar certo e as lembranças sempre foram de pedaladas em estradas floridas e ensolaradas. Na Noruega, a natureza nos mostrou outra faceta além da exuberância.

Primeiro, pelas imponentes montanhas. Não havia como ir de um fiorde a outro sem serpenteá-las e vários foram os dias em que saímos do nível do mar para atingir 700 m, 800 m de altitude após alguns poucos quilômetros de pedaladas. Neste ponto somos gratos às montanhas mineiras, que calejaram nossas perninhas ao longo do tempo. Segundo, pela instabilidade do clima. Mesmo no verão, o frio nos acompanhou do início ao fim e a temperatura oscilou entre 6° e 15°. Como não bastasse, em alguns dias a chuva não deu trégua e caiu impiedosa.

É quase um jargão dos cicloturistas a ênfase na proximidade de tal experiência aos mínimos detalhes do meio ambiente. Colocados à prova na Escandinávia, percebemos que a máxima se aplica ao inverso. A natureza sussurra, mas também vocifera.

Apesar do desconforto momentâneo, as adversidades topográficas e climáticas faziam brotar, ao final do dia de pedalada, uma estranha sensação de realização.

Na terra dos Vikings, destemidos exploradores, entendemos que há algo além do ego que leva os homens a desafiar os próprios limites para desbravar oceanos, florestas e conquistar os mais elevados cumes de montanhas.

Fiordes, braços de mar que avançam entre as imensas montanhas continente adentro e fazem da noruega um cenário único no mundo.

© Renato Perim