Não foi uma nem duas vezes, em momentos críticos de minha aventura, Meu Dakar 2012, que me perguntei: “porque diabos embarquei nesta?”

A coisa já não começou muito bem, porque dois dias antes de iniciar a viagem, ainda não havia conseguido equacionar o problema do blog que relataria a aventura. Era uma sexta-feira, dia 06 de julho de 2012, já com a passagem comprada para Mar Del Plata, Argentina, para o domingo, quando fiz um desafio ao meu amigo Nei Azambuja para que se tornasse o correspondente do Meu Dakar 2012. Aposentado, morando em Balneário Camboriú, companheiro de aventuras em caiaques na região de Porto Belo, ele aceitou, pedindo a senha para acessar o blog e se familiarizar com o assunto, já que nunca mexera com isso. Foi quando o informei que o blog ainda não fora criado, mas que isso era o de menos… Cheguei a pagar honorários para que um garoto que tomava conta de uma lan house o ajudasse, mas a “bomba” ficou mesmo com o Nei.

E lá me fui de ônibus, com a bike desmontada rumo a Mar Del Plata, Argentina, onde se iniciara, meses antes, o Rally Dakar 2012 e onde começaria também a minha aventura, seguindo o mais próximo possível o trajeto original percorrido pelos pilotos do Dakar.

© Werner Hennig

Não foram poucos os momentos de angústia e, porque não dizer, medo, pelos quais passei. Numa dessas vezes, não conseguindo atingir o local sugerido por um guia para o pernoite na Cordilheira (uma guarnição de carabineiros, fechada nessa época do ano), fui obrigado a dormir ao relento, dentro de um precário saco de dormir, a 4.200 metros de altitude. Lembrando que na Cordilheira dos Andes, nessa época do ano, a temperatura, à noite, é sempre abaixo de zero. Isso sem falar na noite mal dormida numa gruta entre Uspallata e Los Berros, Argentina, pela incômoda presença de um camundongo, que insistia em dividir comigo o mesmo saco de dormir.

O desgaste nesse tipo de viagem é maior porque no trajeto se passa de temperaturas de -4 °C na cordilheira para mais de 44 °C no deserto de Atacama. A isso se junte o fato de ser uma aventura solitária – se algo der errado, você só conta consigo mesmo, o que a torna mais perigosa.

Tudo isso é que faz de uma viagem uma verdadeira aventura e nos fornece material para contar aos amigos quando regressamos.

Agora, susto mesmo foi quando o coração disparou em função do esforço dispendido para atingir antes do anoitecer, o abrigo no caminho para Los Berros. Ao chegar ao local, quando tentava dormir, percebi um início de disritmia, que se confirmou no dia seguinte, ao colocar o transmissor de frequência cardíaca, que registrou uma forte anormalidade no batimento. O episódio não teve maiores consequências no início da jornada, já que o trecho inicial era em declive. Logo em seguida, porém, forte subida apareceu obrigando-me a várias paradas para descanso, já que as pernas não obedeciam mais ao comando do cérebro. Após algumas horas pedalando em ritmo bastante leve, finalmente o coração estabilizou seus batimentos, dando-me mais conforto e tranquilidade.

Realmente, vida de aventureiro não é fácil. Alimentação à base de bolachas e refrigerantes, na beira da estrada ou numa escadaria, porque na estrada a bike não comporta levar alimentação mais sofisticada e nas povoações pelas quais passei, nem sempre se consegue acomodações razoáveis. Alguns dos abrigos na cordilheira são precários, mas um teto e uma boa fogueira não têm preço nessa hora.

© Werner Hennig

Os constantes furos nos pneus, ocasionados pelas estradas alternativas que muitas vezes era obrigado a trilhar, atrasavam as jornadas, colocando em risco a chegada ainda com luz do sol nos destinos previamente fixados. Mas tudo isso é que faz de uma viagem desse tipo uma verdadeira aventura e nos fornece material para contar aos amigos quando regressamos.

Se houve sobressaltos, as alegrias também foram muitas. Lembro bem da satisfação que senti ao superar o ponto mais alto da Cordilheira dos Andes, a 4.726 metros do nível do mar, pelo Paso de San Francisco (fronteira entre a Argentina e o Chile). O visual oferecido naquele local recompensou todo o esforço dispendido na aventura e o desconforto sofrido nos precários abrigos onde pernoitei.

Não foi menor a felicidade, quando em Copiapó, Chile, pude rever meu amigo Ércio, guia chileno que me acompanhou no último dia da travessia da cordilheira em 2011. Sem esquecer o também chileno Luis Canalis, funcionário da Secretaria de Turismo de Copiapó, que muito me auxiliou em todas as oportunidades em que por lá passei.

© Werner Hennig

Jaime Prohns, piloto de moto com várias participações no Rally Dakar, foi sempre um excelente anfitrião na mesma cidade. Foi com ele e seus familiares que passei uma noite muito agradável no Minga’s Club, em Copiapó. Foi ali que me senti um astro do cinema brasileiro, graças à brincadeira inventada por um dos participantes da noitada, que enganou a namorada, dizendo-lhe que eu era um famoso artista da televisão brasileira.

Outro fato marcante nessa jornada foi a habitual confusão que os moradores das cidades por onde passei faziam quanto à minha nacionalidade. Muitas vezes fui confundido com um turista inglês: ao pedir informações, no meu sofrível portunhol, recebia uma resposta em inglês.

“Não basta plantar árvores, ter filhos e escrever livros antes de morrer…”

© Werner Hennig

Os fortes ventos do deserto de Atacama, e os da Cordilheira dos Andes, que davam a impressão de sempre soprar contra, foram um obstáculo constante nessa jornada. Quem costuma pedalar numa bike bem sabe a diferença que faz um vento contra ou a favor. Imaginem numa jornada de quase seis mil quilômetros. O deserto traz ainda outros grandes inconvenientes ao ciclista que por lá se aventura – passa-se de temperaturas abaixo de zero à noite, para outras perto de 40 graus durante o dia. Isso me obrigava a carregar peso extra na bike, relativo à indumentária para conseguir me adaptar a essas variações de temperatura.

Lembro-me ainda com calafrios, das ventanias que enfrentei, como quando fui obrigado a pegar carona num caminhão porque certamente não chegaria antes do anoitecer em uma localidade. No Peru, logo após Chala, enfrentei tempestades de areia que em dados momentos me obrigaram a fazer paradas não previstas, porque as rajadas me jogavam fora da pista e a areia que entrava nos meus ouvidos e na roupa geravam um enorme desconforto.

© Werner Hennig

No contraponto das dificuldades, havia felicidade de encontrar um companheiro ciclista rodando pelas estradas em condições muito parecidas com as minhas. Foram várias as amizades iniciadas nessas situações, que se firmaram posteriormente através de e-mails e trocas de fotos. Assim foi com Cristian, ciclista de Mar Del Plata, com que cruzei nas rutas argentinas, entre vários outros.
Então, meus amigos, para finalizar, eu lhes digo: não basta plantar árvores, ter filhos e escrever livros antes de morrer – é preciso também fazer uma dessas aventuras que resumidamente lhes contei no texto acima. Sem isso, nossa história nunca estará completa.