Em uma região muito bela, o Leste Europeu apresentou desde capitais com boa infraestrutura até montanhas que são habitat de ursos.

Saindo do Cáucaso e Turquia, um misto de asiático e europeu, finalmente entrei na Europa de fato, pelo Leste Europeu, região linda e palco de algumas das guerras mais sangrentas e extermínios étnicos do final do século XX. Na Bósnia e Croácia as marcas das guerras são muito visíveis pelo caminho, com vilas e regiões inteiras ainda desabitadas, com casas destruídas por bombas e marcas de tiros e campos minados pelos lados da rodovia.

Sérvia. © Nicholas Allain Saraiva

A parte boa é que atualmente a região está – aparentemente – em paz e foi muito seguro e tranquilo pedalar, acampar e viajar por lá. A região é linda, com relevo de pequenas montanhas, muitos rios, um povo ainda acolhedor, que vai mudando à medida em que se aproxima da Europa Central, pouco habitado e com muita área natural boa para acampar. Alguns cenários na Sérvia parecem de contos de fadas, tipo Hobbits, com casinhas muito bonitas, todas floridas, tudo com muito verde e tranquilidade.

Itália. © Nicholas Allain Saraiva

A minha entrada no Leste Europeu foi pelo sudeste da Bulgária, em meados de setembro, onde segui três dias margeando e acampando pelo rio Maritsa até chegar em Sófia. Uma região ótima de pedalar, pois é fácil encontrar estradinhas com pouco movimento de carros. Ainda estava anoitecendo tarde, perto das 20 h 30 min, então, os dias rendiam muito. Sófia, a capital da Bulgária, foi uma das cidades mais lindas que passei, muito antiga, com os primeiros assentamentos datando de 6.000 anos, com trânsito bom para a bike e relativamente barata. Fiquei lá quatro dias num hostel esperando a chegada dos pneus novos que encomendei na internet e conheci alguns grupos de brasileiros. Ali fiz também a troca de toda a relação da bike (corrente, cassete e pedivela), com 20.000 km. Durou!

o Leste Europeu é uma boa região para fazer manutenção na bike, as capitais todas tem ótimas bicicletarias, que vendem peças top das melhores marcas, inclusive de cicloturismo, com um preço melhor que a Europa. Em Zagreb, capital da Croácia, troquei o rack traseiro, que já tinha quebrado e precisado de solda sete vezes durante a viagem.

Saindo de Zagreb passei pela situação mais amedrontadora acampando nas montanhas a oeste de Karlovac. Trata-se de uma enorme área de florestas, habitat de ursos, que demorei dois dias para atravessar. Umas pessoas tinham me avisado para tomar cuidado e não acampar por lá pois existem casos de ataques, mas não dei importância. Na segunda noite, por volta das dez horas, estava chovendo e nublado e comecei a escutar barulhos na mata. Saí para ver e dei de cara com um bichão, que nem sei se era urso realmente, pois estava escuro, mas que disparou meu coração! A adrenalina explodiu. Corri pra dentro da barraca, peguei toda minha comida e qualquer coisa que pudesse cheirar comida (panelas, talheres etc), coloquei tudo num saco, sai correndo e amarrei no alto de uma árvore longe do acampamento. Fiquei boladaço e quase não preguei o olho naquela noite, fiquei todo vestido, calçado e pronto pra sair correndo se precisasse!

Marcas da guerra na Croácia.© Nicholas Allain Saraiva

Depois da Bulgária, segui pela Sérvia, Croácia, Bósnia e Eslovênia, antes de adentrar na Europa Central pela itália. infelizmente, a passagem por estes países teve de ser rápida, pois já estava iniciando o outono, ainda teria toda a Europa para atravessar e eu queria evitar estar no inverno nestas altas latitudes. Uma pena, pois a região realmente merece ser explorada com mais calma. Algumas praias da Croácia, por exemplo, estão entre as mais lindas do mundo. Na Europa, além do frio, o outono e o inverno trazem muita chuva, uma combinação desastrosa para o cicloturismo. Meus planos eram de conseguir sair da Europa e atravessar para a África no início de dezembro, saindo assim das latitudes mais altas e do frio.

Bósnia. © Nicholas Allain Saraiva

Numa volta ao mundo com o roteiro que estou fazendo, o cicloturista fica numa verdadeira armadilha climática, pois existem alguns passos que só permitem passagem por um período determinado, o que deixa o itinerário apertado. Estou falando especificamente de passagens pela cordilheira dos Himalaias na região do Paquistão, China e Quirguistão, cujas passagens se abrem apenas em meados de maio e depois na Europa, que se “fecham” de dezembro em diante. Entre estes dois tem mais de 12.000 km para atravessar em cerca de seis a sete meses de janela, por isso é puxado.

Fico um pouco chateado de não parar e conhecer melhor os lugares e as pessoas, e isto às vezes é bem duro, mais difícil que o pedal em si. Mas é inevitável no contexto do meu projeto, pois saí do Brasil com a meta de dar a volta ao mundo, com um prazo mais ou menos determinado e dinheiro contado, o que me força a estar constantemente em movimento. Penso que no futuro será voltar para os melhores lugares e explorá-los com calma. Até agora certamente o alvo será a Ásia Central. E Espanha, de onde escrevo agora.