O guia e os Circuitos do Sul

Começamos nossos trabalhos de campo pela histórica cidade da Lapa/PR, e logo entramos em Santa Catarina por São Bento do Sul, marco zero do Circuito das Araucárias.

Com 240 km e três municípios participantes, o circuito não é muito longo, mas possui uma altimetria acumulada impressionante (6.273 m), podendo ser considerado o circuito sinalizado mais difícil de todos. Além das dificuldades físicas do relevo áspero, existem etapas longas com pouca assistência pelo caminho. É recomendado para quem já está bem treinado.

O destaque deste circuito é pedalar por regiões de mata nativa muito bem preservada e aproveitar a beleza de sua fauna, flora e belas cachoeiras.

Admirando o Rio Tainhas a partir da Ilha. © Rafela Asprino

Seguindo para leste, interligamos o Circuito das Araucárias com um Circuito que está em fase de desenvolvimento, e que deverá se chamar Circuito Dona Francisca. Diferentemente dos outros, este circuito se mantem nos largos limites do município de Joinville e o destaque é percorrer a famosa estrada Dona Francisca, considerada uma das primeiras estradas carroçáveis do país, atravessando a serra de mesmo nome, que liga Campo Alegre a Joinville.

O desenvolvimento descentralizado do estado de Santa Catarina permite que o cicloturista tenha acesso fácil a grandes cidades como Joinville, onde pode fazer uma pausa de suas pedaladas em florestas, curtindo tudo o que um grande centro econômico e cultural pode oferecer.

Seguindo para o sul, também fizemos a interligação do Circuito das Araucárias com o famoso Circuito Vale Europeu (cerca de 300 km de extensão) que, através de seu sucesso, inspirou todos os outros circuitos.

Caminho para o Morro da Igreja e Morro do Campestre © Rafela Asprino

Em todo o espaço público, ciclovias, ruas e praças das principais cidades participantes, percebemos cuidado e respeito pelo ser humano, ao contrário da maioria das cidades brasileiras, escravas da ditadura dos veículos automotores. Realizar o Vale Europeu é mais que uma viagem lúdica por uma Europa idealizada em um passado remoto, ao vivenciar o esmero com que o circuito é mantido, sentimos que na região a ideologia do uso da bicicleta está presente no dia a dia das pessoas.

Pedalando para leste, interligamos o Vale Europeu com o Circuito Costa Verde & Mar, que é o primeiro a mesclar regiões litorâneas e serras. Com 270 km, o circuito atravessa o território de 11 municípios.

Ao interligar os circuitos, o guia abre ao cicloturista a possibilidade de arquitetar uma viagem de bicicleta que começa em Joinville, passa por um ou mais destes quatro circuitos, e termina no aeroporto de Navegantes (ou em sentido inverso). Ou, com a ajuda do guia do Paraná, poderá começar a viagem em Curitiba e terminar a pedalada em Navegantes (ou em sentido inverso).

Mirante da Serra doi Rio do Rastro. © Rafela Asprino

No extremo sul do Vale Europeu, o caminho para Apiúna está fora do circuito clássico, é considerado como “opcional”. A partir deste ponto nos deparamos com as maiores dificuldades técnicas para continuar o trajeto do guia no rumo sul: com alto padrão econômico e cidades espalhadas, muitas pessoas utilizam veículos automotores e as rodovias estão sempre cheias e apertadas em pequenos vales, muitas nem tem acostamento.

Mesmo que o trajeto até a próxima cidade fosse bom, tivemos que planejar a sequência dos percursos até chegar à cidade de Urubici, nosso próximo destino. As dicas de dois colegas cicloturistas locais, Dudu e Hendrik, foram fundamentais para tomarmos nossa decisão.

Os circuitos estabelecidos proporcionam todos os tipos de facilidades aos cicloturistas, mas atenção, a partir deste ponto do guia, é importante notar que há uma quebra de padrão de serviços.

Seguimos costeando os limites do Parque Nacional da Serra do Itajaí, logo na primeira cidade, Presidente Nereu, não conseguimos encontrar nenhuma pousada na cidade e propusemos ao cicloturista algumas alternativas que deverão ser estudadas previamente. Com o aumento das incertezas e dificuldades, o circuito do guia entrega ao cicloturista o agradável e desafiante sabor da aventura.

Urubici está no alto da Serra Geral, onde encontramos com o Circuito Acolhida na Colônia. Com apenas 143 km, o circuito ainda está se desenvolvendo, mas possui uma ideologia muito interessante. Baseado num projeto francês de mesmo nome (Accueil Paysan), a ideia por trás desta associação é promover a permanência do homem no campo exercendo como função principal, não o turismo rural, mas sim, o próprio trabalho no campo.

“Mais que o grande feito de vencer cada uma dessas grandes subidas, o cicloturista poderá apreciar a beleza da região em cada curva da estrada.”

Após conectarmos tantos circuitos sinalizados e estabelecidos, decidimos oferecer ao cicloturista um circuito que, apesar de não ser sinalizado, já está estabelecido entre vários ciclistas e cicloturistas brasileiros sedentos por desafios e belezas. Por falta de um nome oficial, resolvemos denominá-lo de “Circuito Quatro Passos da Serra Geral”.

Passo é o ponto mais alto na travessia de uma montanha. Em grandes competições como o Tour de France, os Giros de Itália e Espanha, as etapas de montanhas, atravessando passos, são as que mais contam pontuação para os competidores.

Nosso guia propõe um circuito pelos passos mais belos e desafiadores da Serra Geral, atravessando as Serras do Corvo Branco, Rio do Rastro, Rocinha e Faxinal. Mais que o grande feito de vencer cada uma dessas grandes subidas, o cicloturista poderá apreciar a beleza da região em cada curva da estrada.

“No meio do caminho existe uma profusão de culturas.”

Praça ao lado da “Casa dos Cavalinhos” – Lapa/PR © Rafela Asprino

Tivemos que subir e descer cada uma das serras, nossa experiência com grandes subidas ajudou a enfrentar esse desafio. No guia propomos formas de minimizar o esforço, na tentativa de auxiliar aqueles que, por falta de experiência com grandes subidas, ainda acreditam que não são capazes. Nós sempre acreditamos na capacidade que todos possuem de se preparar e realizar seus mais profundos sonhos de viagem e aventuras.

Alternativamente, propomos um trajeto com menor grau de esforço, que mantem-se no alto da serra, pois acreditamos que essa região é imperdível, está entre as mais belas do país, com atrações como Morro da Igreja, Morro do Campestre, Pedra Furada, Cânions Monte Negro, Índios Coroados e Itaimbezinho, dentre tantas outras.

Chegando à Cambará do Sul estamos perto de Porto Alegre, entretanto, o guia guarda muitas aventuras para o final da viagem.

Desenhamos um trajeto para evitar rodovias, passando pela emblemática travessia do rio Tainhas, onde não existe ponte e temos que empurrar a bicicleta por toda a extensão de seu espelho d’água, o famoso Passo da Ilha.

Ponte no caminho para São Francisco de Paula © Rafela Asprino

Por um intrincado caminho atravessando porteiras e servidões de passagem de antigas estâncias gaúchas, o caminho chega à cidade de São Francisco de Paula, onde o cicloturista tem acesso ao primeiro circuito cicloturístico estabelecido no Rio Grande do Sul, o Circuito das Cascatas e Montanhas. Em 123 km, o circuito guarda grandes belezas, num trajeto que sobe e desce a serra, visitando belas e exóticas cachoeiras.

Por entre antigas estradas tropeiras, chegamos a Gramado através do belo Vale do Quilombo e encerramos o guia neste importante e acessível polo turístico, que possui conexões diretas com o aeroporto e a rodoviária de Porto Alegre.

No total, o guia possui 1.348 km de caminhos planilhados, mas um cicloturista poderá pedalar da Lapa até Gramado numa linha reta com apenas 736 km. Por outro lado, quem desejar mesclar nosso guia com todos os circuitos, poderá fazer uma grande viagem pela região com pelo menos 2.433 km, quase dobrando a quilometragem do guia.

Mais um amanhecer congelante. / Neste dia fomos acampar no Morro das Antenas (1733m de altitude), a caminho de Urupema, e presenciamos um maravilhoso entardecer4 Parque nacional dos aparados da serra, Cânion Itaimbezinho. © Rafela Asprino

O relevo e clima das regiões por onde o guia passa são muito diversificados. Começamos nossos trabalhos de mapeamento em abril, terminamos em agosto e podemos dizer que é uma ilusão imaginar que no sul só faz frio.

No início do mapeamento, em pleno outono, passamos pela Baixada Litorânea, que nos proporcionou calor forte e úmido, com chuvas tropicais esporádicas. O top do verão nessa região pode ser escaldante e desagradavelmente úmido.

Mapeamos a parte alta da Serra Geral durante o inverno e registramos quatro graus negativos dentro do motor home, que ficou coberto de gelo, congelando todo nosso encanamento. As estradas ficaram brancas e o gelo permanecia nelas por todo o dia, mesmo com sol.

Com o auxílio técnico que o guia oferece, aconselhamos o cicloturista a programar sua viagem durante ou próximo aos meses de inverno, evitando o top do verão, pois o inverno costuma ser mais seco.

Parque Nacional dos Aparados da Serra – Cânion Itaimbezinho © Rafela Asprino

Viajar durante o inverno, principalmente nas Serras Catarinense e Gaúcha, poderá oferecer uma experiência rara em nosso país, o frio intenso. Há quem considere como um treino perfeito para quem deseja se preparar para pedalar em países frios, pois o clima é comparável ao de certos locais, como o verão da Patagônia, por exemplo.

Mesmo com pouca umidade no ar, a cada ano, em algum local, a neve acontece. Se tiver sorte, poderá trazer em suas lembranças a bela experiência de ver cair flocos de neve do céu. Nós nunca mais esquecemos a primeira vez que vimos neve caindo…

Se a diversidade de clima impressiona, a diversidade de culturas pelo caminho é algo realmente incrível. O guia atravessa regiões de colonizações distintas que podem ser reconhecidas até pelo sotaque.

Rota da Cachoeiras de Corupá/SC / Monumento aos Tropeiros, do artista paranaense Poty Lazzarotto – Lapa/PR.5 Rota da Cachoeiras de Corupá/SC © Rafela Asprino

No início e no final (Lapa e Serra Gaúcha) percebemos de diferentes formas as influências deixadas pelos tropeiros que traziam gado, couro e charque do sul para ser vendido na grande feira de Sorocaba/SP, o chamado Caminho do Viamão. Apesar da mesma raiz, as diferenças são gritantes (palavras-chave para perceber o sotaque: Lapa “leitê quentê, dói o dêntê”, Serra Gaúcha “Bah… Tchê!”).

No meio do caminho existe uma profusão de culturas, desde as mais antigas e arraigadas, como a dos açorianos instalados no litoral catarinense no começo da colonização do estado (palavras-chave para perceber o sotaque: “roschca de polvilho”) até as diversas culturas europeias mescladas, amalgamadas umas com as outras e somadas com o tempero nacional (palavras-chave para perceber o sotaque: “coreio” “mareco”).

Com a conclusão deste guia, perfazemos mais de cinco mil quilômetros planilhados em seis estados brasileiros, pela primeira vez sentimos que nosso sonho de interligar o país com guias de cicloturismo está se realizando, pois um cicloturista pode pedalar por eles desde o Rio Grande do Sul até o norte de Minas Gerais já bem perto da Bahia.

Famíia de ovelhas. / Monumento ao Negrinho do Pastoreio, São Francisco de Paula. / Ponte pênsil de Apiúna, SC. © Rafela Asprino

Acabo de completar 50 anos de idade e neste período de vida percebi que o universo da bicicleta em nosso país realmente melhorou muito. Nunca imaginei que veria, em vida, uma ciclovia na Av. Paulista interligada com uma verdadeira rede cicloviária na capital paulista.

Lembro-me da Renata Falzoni, em 1993, quando foi convidada para inaugurar a ciclovia do Parque Ibirapuera. Parecia algo importante, mas ela comentou com desdém: “ciclovia?!!… Isso é na verdade uma “círculo-via”…

Quem conhece a Renata pode imaginar a cara que ela fez… Indignada com as migalhas que a administração municipal entregava à massa de ciclistas já existente na época, que na verdade desejava atravessar a cidade de bicicleta.

Comecei minha volta ao mundo de bicicleta treinando nas “círculo-vias” de Curitiba, pedalava 10 km por dia na velocidade de 10 km/h. Por isso valorizo muito passeios controlados com o máximo de deleite, mesmo que não tenham a função de promover real locomoção.

Acreditamos na importância de circuitos estabelecidos, mas não deixamos de observar a crescente massa de cicloturistas que desejam fazer grandes viagens de bicicleta pelo país, pois já perceberam que com a bicicleta podem conhecer melhor qualquer região que visitem.

O Guia de Cicloturismo Circuitos do Sul pretende auxiliar o cicloturista com soluções logísticas para acessar um ou mais circuitos estabelecidos no sul, mas também tem a capacidade de abrir os horizontes daqueles que desejam se aventurar pelas desafiadoras passagens da Serra Geral enquanto conhecem as belezas e diversidades dos três estados sulistas: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Pausa para o lanche, admirando a bucólica paisagem. © Rafela Asprino

O espírito do guia

Nosso objetivo com o Projeto de Cicloturismo no Brasil é produzir guias para um cicloturista atravessar o Brasil com sua bicicleta.

Na extremidade sul de nossa coleção de guias estava a cidade da Lapa, no Paraná, e é dela que iríamos continuar a linha de guias rumo sul; mas qual caminho seria melhor?
Decidir o trajeto de um guia de cicloturismo é uma tarefa complicada, principalmente quando temos tantas regiões interessantes e distantes umas das outras.

Depois de muitas pesquisas percebemos que a melhor forma de conhecer a região é através dos circuitos de cicloturismo já existentes. Não há muito o que agregar ao trabalho que tem sido feito pelas tantas pessoas envolvidas nos projetos de cada um dos circuitos e decidimos aproveitar os roteiros já existentes na região, traçando, com nosso guia, uma linha capaz de interligar um ao outro. Dessa forma, um cicloturista pode pedalar por cada um dos circuitos de forma total ou parcial e continuar para o próximo circuito mantendo a linha norte-sul.

Além da interligação, o guia propõe várias soluções logísticas que irão auxiliar o acesso do cicloturista aos circuitos através dos principais aeroportos da região: Joinville, Navegantes, Porto Alegre e Curitiba (este último, com o auxílio do guia do Paraná).

Para exercer a função de interligar o país, nossos guias tem mão dupla, ou seja, o cicloturista pode começar a pedalar de norte para o sul ou do sul para o norte, pois existem planilhas detalhadas para os dois sentidos.

Assista o documentário completo do Guia em: www.youtube.com/user/OlintoCicloturismo

Onde adquirir o guia: www.olinto.com.brom.br