A capital holandesa é o paraíso para um ciclista, mas não pense que é muito fácil pegar uma bike, entrar na ciclovia e sair pedalando: tem que ficar esperto, não pode parar na pista ou fazer conversões sem sinalizar que leva bronca! E a grande maioria dos ciclistas de lá não utiliza capacete.

Na chegada, verifiquei que a bicicleta estava ok após a viagem, e o tempo agradável. Foi meio difícil achar o camping, pois é mais ou menos 10 km fora da cidade e a comunicação inicialmente foi um pouco difícil, mas depois fluiu. A chuva também atrapalhou um pouco o começo da viagem e nos primeiros dez dias ela foi constante.

Fiquei dois dias em Amsterdã e lá pedalei 50 km por dia. Várias ciclovias, tudo bem sinalizado. São tantas… Que se você bobear, pega uma errada. Ali realmente é o mundo da bicicleta. Ao lado da estação central de trem há um bicicletário para mais de quatro mil bicicletas, e ali ao lado fui ver o movimento de uma balsa que leva “apenas” 400 bicis!

© JB Carvalho

Outra coisa que chamou minha atenção é que as lojas e oficinas de bicicleta trabalham de porta fechada, mas mantêm do lado de fora uma mangueira de ar ou uma bomba de pé para o ciclista se servir e encher seu pneu – muito legal! Sim, vi automóveis pela cidade, embora não tenha visto postos de combustível. Vi alguns pontos de recarga de bateria para autos, e eles sempre tinham algum plugado. Enfim, Amsterdã é uma cidade linda, um daqueles lugares que devem ser visitados, principalmente se você gosta de bicicleta.

Fiquei realmente impressionado com o sistema cicloviário. Na saída de Amsterdã a ciclovia segue lateralmente à autoestrada, então, existe um muro de concreto de mais ou menos 1,5 m de espessura e de mesma altura, ou seja, segurança total ao ciclista. Além disso, é iluminada.

Segui sentido nordeste para conhecer Giethoorn. O vilarejo está a 120 km de Amsterdã e pensei que faria em um único dia, pois o terreno é praticamente plano e eu estava mais ou menos em forma, mas a condição climática não permitiu.

Pedalei em grande parte da baía holandesa, ou Big Lake como eles chamam. Passei por uma ciclovia maravilhosa cercada de fauna e flora incrível, mas com o dia cinza e chuvoso praticamente nem fotografei. Dividi esse dia de 120 km em dois de 60 km, então, dormi na metade do caminho num camping próximo a Lelystad.

Giethoorn é uma cidade com não mais que mil habitantes que parece um conto de fadas. A base da cidade foi construída com toda uma estrutura de junco, similar ao usado nas ilhas flutuantes do Lago Titicaca. Toda a cidade é cercada por pequenos canais. Automóvel não entra, só pedestres, ciclistas ou pequenas embarcações elétricas. Fiquei por lá dois dias procurando um pedaço de céu azul para fotografar.

© JB Carvalho

Dali, parti sentido sul, pedalei uns 80 km e cheguei numa cidade com nome igualmente difícil e já cansado de tanta chuva. No dia seguinte, peguei um trem até a cidade de Colônia (Alemanha), na esperança de mudar de área e melhorar o tempo. Lá, fui hóspede de uma prima que reside há vários anos na cidade. A chuva, porém, não só continuou como aumentou de intensidade. Foram dois dias praticamente sem pedalar e no terceiro dia, ainda cinzento, parti sentido sul, subindo pela ciclovia que margeia o Rio Reno.

Na minha ideia original pedalaria uns 400 km por ela, mas devido a toda aquela chuva, o Rio Reno transbordou em vários trechos, avançando na ciclovia e também sobre algumas cidades. Então, o desvio era fundamental e às vezes eu tive que retornar alguns quilômetros para escapar da água.

O trecho entre as cidades de Bonn e Koblens é conhecido como Rota dos Castelos, sendo o principal deles o de Markburg, imponente e belíssimo. Com tempo bom, segui mais três dias o Rio Reno passando por várias cidades encantadoras e então desviei um pouco para ir até Stuttgart. A cidade tem um lindo e gigante parque na área central, que entrando em clima de verão estava sempre movimentado. Na cidade visitei o sensacional museu de duas marcas que são ícones do automobilismo mundial.

© JB Carvalho

A partir de Stuttgart, eu deveria tomar a rota dos Alpes. Minha ideia original era de seguir para a França e depois Itália, pelo Valle d’Aosta. Seriam cinco ou seis dias de Alpes. Porém, com o tempo ainda incerto, pensei bem e mudei o trajeto. Segui para a Áustria, pois a travessia alpina me pareceu mais curta. A partir de Augsburg, ainda na Alemanha, peguei a famosa Via Claudia Augusta. Bem sinalizada, ela vai atravessando vilarejos e cenários bucólicos até a cidade de Füssen, com vários lagos e castelos, aos pés dos Alpes austríacos. A última cidade alemã é um charme!

O primeiro dia na Áustria até que foi fácil: pouca quilometragem e só um “passo”, que foi na verdade só uma colina em comparação com o dia seguinte, quando sai de Reute e fui até Landeck com a travessia do Fernpass. Parti seguindo as indicações da Via Claudia Augusta e já na saída da cidade a placa indicava uma estrada de terra. Entrei e vi que era dura, ainda mais com a bike carregada. Seria difícil, então, assim que pude, saí e fui pela estrada principal. Porém, era uma estrada perigosa, mão única e com muitos caminhões. Dessa forma, na primeira possibilidade saí novamente da pista e num pequeno vilarejo encontrei dois alemães pedalando no mesmo sentido.

Seguimos juntos, 100% pela Via Claudia Augusta, um verdadeiro mountain biking com subida em terra de mais de 10 km. Um maravilhoso passeio pelas montanhas, com um lindo dia de sol. Foram oito horas de pedal até Landeck, e com certeza se eu estivesse sozinho iria me demorar mais ali. Os alemães partiram e eu fui procurar o camping. O tempo mudou radicalmente, com muitos raios e nuvens carregadíssimas que fecharam totalmente o vale. Montei a barraca em tempo recorde, joguei tudo lá dentro e corri tomar banho, achando que depois ainda conseguiria sair para comer. Ao sair do banho, porém, parecia que o mundo ia acabar. Corri para a barraca e a chuva veio forte. Ainda bem que eu tinha uma maçã, alguns biscoitos e duas barrinhas.

No dia seguinte, mais uma travessia. O Reschenpass, ou Passo di Resia, era a porta de entrada na Itália. Desta vez fui pela estrada asfaltada, uma bela subida de mais ou menos três horas. No alto da montanha, visualiza-se o Lago di Resia maravilhoso com uma ciclovia que o acompanha por mais de 30 km.

Desta vez, a mudança de tempo repentina me pegou no altiplano. Equipei-me e tentei continuar, mas ali no lago o vento lateral era tão forte que fui obrigado a descer da bike e empurrar. Era impossível manter o equilíbrio. Começou a chover forte e por sorte achei uma oficina de autos e uma casa ao fundo, mas não tinha ninguém. Achei ali um canto para me proteger, preocupado pois a chuva não diminuía. Comecei a pensar se teria que dormir lá. Esperei algumas horas e a chuva diminuiu. Então, parti. No começo da descida ainda com chuva, senti minhas mãos congelando!

Em meio a tantas raridades do Museo della Bicicletta, de Luciano Berruti, algumas remetem ao Leão da Toscana, Gino Bartali, como a blusa (maglia) e a lâmina de barbear com o desenho do rosto do campeão. © JB Carvalho

Já em território italiano, descendo o Val Venosta, a chuva parou e até apareceu um pouco de sol. Dormi na cidade de Naturno. Curiosamente, nesta região, conhecida como Tirol, o idioma é o alemão, e praticamente ninguém fala italiano, que só começa a se ouvir a partir da cidade de Merano.

Depois, foram mais dois dias tranquilos até chegar ao Lago di Garda. Finalmente, parece que o verão chegou, com muito calor e chuvas pontuais. Fiquei dois dias tendo como base a cidade de Padenghe. No primeiro dia fui até a cidade de Borghetto, um vilarejo medieval às margens do Rio Mincio, por uma ciclovia maravilhosa e um sorvete espetacular. No dia seguinte, fui até Villafranca di Verona e visitei o Museo Nicolis, o maior acervo privado da Europa. O museu tem um pouco de tudo. São quatro pavimentos com automóveis, bicicletas, motocicletas, equipamentos de foto e cinema, coisas do cotidiano, e no teto do edifício algumas aeronaves. Durante minha visita, eles estavam preparando uma mostra comemorativa aos 70 anos da Vespa, a velha Lambreta, a vovó dos Scooters. Valeu a visita!

A caminho de Torino, passei pelos lagos di Como e Maggiore. Fiz um giro lindo pelo Vale Veddasca, subindo o Alpe di Neggia até chegar a uma vista incrível dos Alpes. Neste dia cruzei a fronteira da Suíça duas vezes, a primeira no alto da montanha e a segunda no lago, em um giro de 54 km e 2.600 m de desnível. Segui para Torino e lá fiz um belo giro pela cidade, incluindo a subida ao Colle della Maddalena e Santuário de Superga. Ainda dei uma esticada até o Valle di Susa e mais alguns quilômetros de lindas montanhas que rodeiam a cidade de Torino.

Na reta final para o litoral da Ligúria, fiz mais uma pequena parada na cidade de Cosseria para visitar o amigo Luciano Berruti e o seu Museo della Bicicletta. O museu possui várias raridades e uma incrível coleção de “maglias”, tudo original. Além disso, Berruti sempre dá uma aula!

Aproveitei que estava lá e fiz mais um belo giro passando pelo Colle Del Melogno, com direito a vista para o mar. No dia seguinte, fui de Cosseria até Albenga, já na costa mediterrânea. Ali fui hóspede de um casal que conheci em 2013 nos Alpes durante outra viagem. No dia seguinte, então, fui a Sanremo por uma ciclovia incrível que margeia a costa.

Como ainda tinha alguns dias até o retorno ao Brasil, fui de trem até a região da Toscana, na cidade de Castelnuovo di Garfagnana, rever velhos amigos e percorrer alguns quilômetros pelo Alpe Apuane, ótima maneira de finalizar!

Uma novidade no museu de Luciano Berruti é que ele fez um piso que começa em terra e vai até o asfalto, acompanhando a evolução das bikes. © JB Carvalho

No total, foram 1.600 km por ciclovias incríveis de cinco países: Holanda, Alemanha, Áustria, Suíça e Itália.

Na Holanda é muito fácil viajar de bike. Todo o país é servido de ciclovias e lugares lindos. Apesar da comunicação um pouco difícil, o povo holandês é muito simpático e receptivo.

Na Alemanha, a ciclovia que margeia o Rio Reno é muito fácil de seguir, podendo até levar crianças, pois há muitas cidades pelo trajeto que facilitam a estrutura.

Na Áustria, a parte que percorri da Via Claudia Augusta é bem sinalizada, lindíssima, um verdadeiro mountain biking, porém, não indico a iniciantes, pois o percurso é montanhoso e fora de estrada.

A Itália, em comparação a estes países, possui menos ciclovias, mas todas são “Bellissimas”.

O Museo Nicolis, maior coleção privada da Europa, estava montando uma mostra em homenagem aos 70 anos da Vespa, a velha Lambreta, vovó dos Scooters, um dos ícones da cultura italiana. © JB Carvalho

A bike da viagem

Por ser um dos pioneiros do mountain bike no Brasil, e um tanto quanto nostálgico, eu ainda usava uma MTB 26, então, pensei que esta viagem seria a oportunidade ideal de realmente provar e adotar uma bike 29.

Formei um pool de amigos e parceiros e montei esta belíssima bike. O quadro é First modelo Lunix, bonito, leve e com geometria consagrada. Montei com o grupo Shimano Deore 30 velocidades, 100% adequado ao projeto. Utilizei rodas Shimano MT55 com 24 raios, leve e resistente, suspensão Proshock Onix com trava no guidão (usei direto). Calcei a magrela com pneus Vittoria Revolution 700×35 com Grafeno. Também equipei a bike com bagageiro e alforje Pack’n Pedal da Thule. A montagem e o bike fit ficaram a cargo da Anderson Bicicletas.

A bicicleta foi perfeita, confortável, 100% confiável. Não tive nenhuma queda de corrente, nenhum pneu furado, raio quebrado nem sequer desalinhado.

Museus visitados

Museo Nicolis
www.museonicolis.com

Museo della Bicicletta
www.veloretro.it

Apoiadores

firstbikes.com.br
bike.shimano.com.br
proshock.com.br
thule.com
vittoria.com
andersonbicicletas.com.br