Conheça a história de Benhur, que pedalou 11.640 km por 13 estados brasileiros, e completou o itinerário mesmo tendo que se recuperar de uma angioplastia realizada às pressas no meio da cicloviagem.

O protagonista

Benhur Luiz Maieron, 59 anos, é natural de Sobradinho – RS, capitão da reserva do Exército Brasileiro, Bacharel em Direito, casado, pai de dois filhos e reside em Brasília desde 1997. Ele já viajou por todos os estados brasileiros e vários países fronteiriços utilizando diversos meios de transporte. É praticante de corridas de rua, com participação em centenas de provas em diversos estados. Dos diversos cursos militares que possui, destacam-se o de Paraquedismo, Guerra na Selva e Batedor-Motociclista.

Em Planaltina de Goiás – GO, com o ciclista João Silva Plebeu, que saiu de Araras – SP, passou por Brasília e estava seguindo para o leste, rumo à Bahia. © Benhur Luiz Maieron

Viagens ciclísticas anteriores

  • 1994: Ida e volta de Manaus a Santa Helena, na Venezuela, um percurso de 2.000 km, sendo 1.400 km em estrada de terra, em 21 dias.
  • 1997: De Manaus para Guayara Merin, na Bolívia, e depois Brasília, um percurso de 4.820 km, em 36 dias.
Primeira refeição preparada no fogareiro a gás, na rodovia TO-050, altura do km 392, no bar do Joel, em Arraias – TO. A refeição quente transportada era sempre a mesma: macarrãozinho com sardinha em lata, acompanhada de refresco em pó. © Benhur Luiz Maieron

A viagem
Brasília > Oiapoque > Chuí > Brasília

O início da viagem foi em 11 de dezembro de 2013. Foram rodados 92 km, saindo de Brasília rumo a São Gabriel de Goiás – Go. Neste primeiro dia, contato com outros aventureiros: o ciclista João Silva Plebeu, que saiu de Araras – SP, passou por Brasília e estava seguindo para o leste, ruma à Bahia, e com o mochileiro argentino Sebastian Razvan, residente em Brasília, que também viajava na direção norte.

No quinto dia de viagem, a primeira refeição feita com meios próprios, num fogareiro a gás: macarrãozinho com sardinha, na tapera do Joel, em Arraias TO.

Os primeiros 1.000 km da viagem foram atingidos no oitavo dia, em Miranorte – TO, às margens da rodovia Belém/Brasília; os 10.000 km no 160º dia, na cidade de Pinhão – PR.

Com pouco mais de 1.000 km rodados, o bagageiro arrebenta, sendo necessário um reforço com barras de ferro, o que foi feito numa oficina de Guaraí – TO. © Benhur Luiz Maieron

Acidente

No 13º dia, durante deslocamento noturno, 35 km ao norte de Araguaína, no Tocantins, uma falha no desnível do acostamento provocou a derrapagem da bicicleta, sendo jogada no meio da pista. Na queda, o guidão penetrou na coxa direita, provocando um ferimento com grande sangramento. Socorrido por ambulância, o atendimento médico é prestado no Pronto-Socorro Municipal de Araguaína. Na falta de leitos, todos ocupados por pacientes apresentando casos mais graves, o tempo no hospital foi passado sobre uma maca, no corredor. Não houve falta de medicamentos e o atendimento da equipe médica é merecedor de elogios. Também é digno de nota o auxílio prestado por outras pessoas do local, que resgataram a bicicleta e a guardaram em local protegido, não havendo perda de nenhum material. Depois de seis dias em convalescença, retorno à estrada.

© Benhur Luiz Maieron

Navio ou avião?

Entre Belém e Macapá não há ligação terrestre, restando as opções aérea ou fluvial. Os navios ou balsas fazem a travessia pelos rios e canais a oeste da ilha do Marajó e duram, em média, 24 horas para os navios e o dobro desse tempo para as balsas. Normalmente os navios partem no meio da manhã e o valor médio das passagens é de R$ 130,00, com direito a um café muito simples. Com exceção dos camarotes, nos navios não há leitos para os passageiros e cada um tem que se virar com sua rede ou colchonete. Também não há escaninhos para guarda de material: tudo fica espalhado pelo chão. No caso dos navios desta viagem (ida e volta), ambos tinham como característica a sujeira, o mau cheiro, o barulho dos motores e a péssima comida, que é paga pelo passageiro. No Amapá, as embarcações saem e atracam no porto de Santana, 20 km distante de Macapá. Uma dica para quem chega aos portos de Belém ou de Santana, à tarde ou à noite, é pernoitar gratuitamente no próprio navio, bastando falar com o comandante da embarcação. Quanto à opção aérea, as empresas Tam, Azul e Gol realizam voos de aproximadamente 60 minutos de duração cujos preços variam muito de acordo com a data de compra, mas a média gira em torno de R$ 300,00.

© Benhur Luiz Maieron

Extremos decepcionantes

O Oiapoque, extremo norte da costa brasileira, e o Chuí, extremo sul, decepcionam pela feiura e pela sujeira. No Oiapoque, sentimos um choque de contraste quando atravessamos o rio de mesmo nome e desembarcamos em Saint Georges, na Guiana Francesa, com suas construções em estilo europeu e ruas limpas. No Oiapoque, pelo menos, há uma inscrição em uma pedra onde se lê: “Aqui começa o Brasil”. No Chuí, a decepção é maior: casas feias, lixo espalhado por todos os lados, ruas esburacadas e mal cuidadas, muitas delas sem pavimentação. No lugar de um belo monumento, há um outdoor fajuto e desbotado, indicando que estamos no extremo sul do Brasil.

Comando de Fronteira do Amapá, 34º Batalhão de Infantaria de Selva, Companhia de Fuzileiros de Selva, em Clevelândia – AP. Esta é a unidade do Exército Brasileiro localizada mais ao norte do país. © Benhur Luiz Maieron

Um coração dando susto

No Rio Grande do Sul, em algum momento, um cansaço incomum e dores no peito e braços começaram a aparecer. Em consulta num posto de saúde do Taim, localidade ao sul da cidade de Rio Grande, o médico diagnosticou os sintomas com sendo “problemas na coluna”, receitando um remédio que quase arrebentou o estômago durante uma semana. E o problema não era na coluna… Dia 18 de março, na capital gaúcha, após consulta no Hospital Militar de Área de Porto Alegre, do Exército, foi feito eletrocardiograma e coleta de sangue para exame, que indicaram entupimento das coronárias. No dia seguinte, 19, foi feita angioplastia com implantação de “stents” (molas para desobstrução) nas coronárias direita e esquerda. Em consequência, 31 dias sem deslocamento ciclístico, mas muitos livros foram lidos.

  • Países visitados: 2
  • Guiana Francesa e Uruguai.
  • Estados visitados: 13
  • Distrito Federal, Goiás, Tocantins, Maranhão, Pará, Amapá, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais.
  • Cidades ou localidades: 274
  • Tempo de navegação (navios e balsas): 55 h 30 min
  • Pneus furados: 26
Em 19 de março de 2014, no 99º dia da viagem, no Hospital Militar de Área de Porto Alegre – RS, depois de submetido à angioplastia coronária para implantação de “stents” (molas para desobstrução) no coração. Depois disso, 31 dias sem deslocamento ciclístico. © Benhur Luiz Maieron

Estradas

Em geral as estradas do roteiro se encontram em bom estado, mas pecam pela falta de acostamento na maior parte dos trechos percorridos. Na metade sul, o melhor trecho está no estado de São Paulo (SP 483, 425 e BR 153). Na rodovia Belém/Brasília, somente dentro do Maranhão ela merece elogios. Para os ciclistas, o paraíso está no estado do Amapá, na única estrada norte/sul existente, a BR-156: relevo plano, asfalto bom, acostamento largo e liso e com pouco tráfego. Certo dia circularam menos de 30 veículos.

No hotel Portal do Bico, em Darcinópolis – TO. Hotel bem cuidado, florido e perfumado, gerenciado pela proprietária, Valdenita Motta (comigo na foto), que morou muitos anos no Japão e teve a casa destruída pelo tsunami de março de 2011. Como o governo japonês não indeniza os proprietários estrangeiros de imóveis destruídos, ela regressou ao Brasil e montou seu estabelecimento hoteleiro. © Benhur Luiz Maieron

Segurança

Nos quase seis meses da viagem não houve nenhum problema relacionado à segurança, mesmo nas periferias das grandes cidades. No Maranhão, estado que todos alertavam para ter o maior cuidado, foi uma tranquilidade total, com uma população extremamente hospitaleira.

Um problema constante na maioria das estradas brasileiras é a falta de acostamento, como esse, na rodovia Belém-Brasília, em Ulianópolis, Pará. © Benhur Luiz Maieron

Comunicação

Em quase todos os dias se fazia contato telefônico com a família, via celular ou orelhão. Na maioria dos locais de hospedagem havia sinal de internet disponível. Quanto ao rádio, percebe-se que houve uma grande diminuição das emissoras de ondas-curtas ou médias e as poucas existentes estão nas mãos das igrejas. Notícia que é bom, nada! Assim sendo, o radinho foi usado como reprodutor de músicas gravadas em memórias. Todas as anotações diárias eram feitas inicialmente num caderno e posteriormente digitalizadas no notebook. Para as fotos, a máquina utilizada foi uma Nikon D-3200, muito pesada para viagem ciclística, mas que possui um excelente recurso para quem viaja sozinho: um “timer” que bate a primeira foto com 20 segundos e em seguida mais nove a cada cinco segundos. Assim, é possível ser fotografado longe sem aquela correria imposta pelas máquinas de apenas 10 segundos.

Com índios da aldeia Tukay, 92 km ao sul de Oiapoque – AP. © Benhur Luiz Maieron

Clima

O período escolhido foi um que não chovesse tanto na região norte e nem fizesse frio no sul, mas em vários dias foram enfrentadas chuvas de variada intensidade e, devido ao alongamento involuntário do tempo da viagem, também foi pego o frio de maio e junho na região sul.

Família de Adilson Körbes (Tilo) e Liane do Nascimento. Eles ofereceram hospedagem durante dois dias, em Itapiranga – SC. © Benhur Luiz Maieron

Tralha transportada

Dos 70 itens transportados, destacam-se: lonas, rede, barraca, colchonete, lençol, facão, fogareiro, lanterna, botijão de gás, panela, talheres, rádio, telefone, roupas de muda, material de higiene, protetor solar, alimentos diversos, álbum de fotos, ferramentas e peças de reposição, livros, mapa rodoviário, notebook, máquina digital etc.

Em 1923, o Rio Grande do Sul enfrentava mais uma revolução, entre Maragatos (lenço vermelho) e Chimangos (lenço branco), na qual se dava continuidade às degolas dos vencidos, tão comuns na revolução de 1893. Neste cemitério, em Santo Augusto – RS, estão enterrados oito vítimas dos enfrentamentos, todos degolados, sendo que seis deles já haviam sido mortos à bala. © Benhur Luiz Maieron

Alimentação

Quase toda a alimentação consumida foi aquela encontrada pelo caminho, em restaurantes, lanchonetes, padarias, barraquinhas ou casas de família. Nada de especial foi transportado; somente o necessário para um ou dois dias sem contato com pessoas, como macarrãozinho, pescada em lata, bolachas e refresco em pó. Frutas são encontradas com certa abundância à beira da estrada, como goiaba, manga, maracujá doce, butiá, pitanga, jabuticaba, laranja, tangerina e outras. A água era conseguida em postos de abastecimento, residências ou em córregos. Em nenhum momento houve necessidade de fervura ou tratamento com produtos químicos.

Primeira “free way” do Brasil, ligando Porto Alegre a Osório – RS. Depois de várias horas pedalando nela, é avistada uma placa informando ser “proibido para bicicletas”. Placas de trânsito existem por força de leis ou resoluções, algumas idiotas, como essa. © Benhur Luiz Maieron

Duração da viagem

A viagem foi realizada no período de 11 de dezembro de 2013 a 05 de junho de 2014, num total de 177 dias. Destes, houve deslocamento ciclístico em 109 dias. Os dias sem deslocamento ciclístico totalizaram 68, devido a um acidente, panes mecânicas, problema de saúde ou estadas prolongadas em casa de parentes.

A chegada ao Palácio do Planalto, Brasília – DF. © Benhur Luiz Maieron

Distâncias percorridas

  • De Brasília ao Oiapoque: 2.849 km
  • Do Oiapoque ao Chuí: 5.542 km
  • Do Chuí a Brasília: 3.249 km
  • Total: 11.640 km
  • Deste total, 466 km em estradas de terra

Gastos com hospedagem

Hospedagem paga em 87 hotéis, pousadas ou dormitórios, ao custo de R$ 2.589,00, não chegando a R$ 30,00 a média diária.

Gastos com mecânica

  • Peças e mão de obra: R$ 1.250,00
© Benhur Luiz Maieron

Custo total da viagem

Os gastos, sem nenhum patrocínio, chegaram a R$ 12.550,00. Deste total, algumas despesas não tiveram relação específica com a viagem, como, por exemplo, presentes, táxi durante o período hospitalar, remédios, livros, ajuda na alimentação quando hospedado na casa de familiares etc. No entanto, houve dias em que toda a despesa, ou parte dela, foi bancada por parentes ou até mesmo pessoas desconhecidas ao longo do caminho.