“Tem certeza de que você está no voo certo?”, uma querida mulher nos pede no momento do check-in da Air Greenland em Copenhague, enquanto ela está processando as nossas bicicletas como excesso de bagagem. Estamos indo para a Groenlândia no meio do inverno. Uma coisa é certa: as próximas semanas vão provar se realmente foi ou não uma boa ideia. Temos tanto conhecimento que a maior ilha do mundo é um lugar para pedalar no inverno quanto a funcionária do aeroporto tem sobre as nossas fat bikes.

160 km de Fat Bike pela

Arctic Circle Trail


4 dias de pedal


16 cães
puxaram o trenó com a bagagem

-10 °C a -30 °C
de temperatura diurna

© Martin Bissig

Eu aprendi com um amigo que a Groenlândia tem 160 km (99,5 milhas) de pistas de caminhada longa chamadas de Arctic Circle Trail. Longe da civilização, esta trilha começa nas infinitas geleiras encontradas em Kangerlussuaq e termina na cidade costeira de Sisimiut. Durante o horário de verão leva-se cerca de 10 dias para ir de cidade em cidade – a pé. Depois de alguma pesquisa inicial na internet e um par de e-mails, eu sabia que a pista era inferior à ideal para bicicletas de montanha durante as temperaturas mais quentes dos meses de verão. Dependendo do tempo, o chão pode ser bastante pantanoso entre junho e setembro, os mosquitos são agressivos e os caminhos mal marcados às vezes são difíceis de encontrar. Devido ao fato de que toda a diversão desta viagem particular poderia ser arruinada se tivéssemos que andar boa parte do caminho empurrando a bicicleta (e o fato de que muitas pessoas já se torturaram com isso), eu decidi largar a opção verão.

Junto com Claude Balsiger, com quem já compartilhei várias expedições malucas no Himalaia, e a guia de montanha Valais Fabian Mooser, tivemos uma enxurrada de ideias e bolamos um novo plano para o nosso ciclismo no solo da Groenlândia. O hype em torno das fat bikes encaixou muito bem em nosso planejamento. Finalmente, a parte perfeita de nosso equipamento apresentou-se como o que tornaria possível a nossa expedição: sermos os primeiros a viajar a Arctic Circle Trail de bicicleta de montanha no inverno!

© Martin Bissig

O nosso hotel (ok, vamos chamá-lo de “quartel”) em Kangerlussuaq situa-se junto à pista do único aeroporto internacional. A partir daqui, tomamos um ônibus fretado para percorrer cerca de 40 km, onde a nossa aventura começaria. Uma vista incomparável cumprimentou-nos em Russell Glacier. Claude e Fabian iniciaram rudemente os cerca de 200 km de passeio na queda de gelo. Eles não poderiam ser mais gritantes e bizarros com seus capacetes laranja neon e roupa amarela em contraste com a paisagem fria e azul da geleira. Eu continuava conduzindo os meus amigos de novo e de novo para fazer tomadas diferentes, mas não podia ter tudo o que queria. Não tínhamos muito tempo. Precisávamos voltar antes do anoitecer. Depois de apenas uma hora, filmamos tudo e então voltamos para a nossa cidade de 500 habitantes. Já cumprimos 20% de nossa meta. Mas, e o resto da turnê? Ainda tínhamos mais três dias para os 160 km restantes. Quais seriam as condições de neve? Onde ficar? Nossas fat bikes vão conseguir cumprir toda a rota? Jens Erik respondeu a todas as nossas perguntas à noite. Este gigante da Groenlândia e seus 16 cães que puxam um trenó enorme com todas as nossas bolsas iriam nos acompanhar. Jens conhece muito bem o terreno de ambos os locais e atravessa dois deles várias vezes todo ano.

© Martin Bissig

Pelos fiordes e lagos do Acampamento Kanoo

Nossos passeios planejados foram entre 52 e 60 km por dia, uma distância que nunca conseguiríamos cobrir durante o horário de verão. No inverno, os vários metros de camadas espessas de gelo que cobrem os fiordes e lagos são bastante confortáveis. Em vez de fazer o esforço exaustivo para seguir a costa, nós usamos a água lisa da superfície congelada como a nossa estrada. Foi um grande momento. Mas devido à ampla superfície de contato dos pneus, andamos mais nas faixas de skidoos e trenós puxados por cães. Graças a estas faixas, uma trilha de bicicleta quase perfeita foi criada na neve durante os meses de inverno.

© Martin Bissig

Durante a primeira parada maior, percebemos que precisávamos manter o nosso ritmo baixo. Mesmo com temperaturas diurnas entre -10 °C e -30 °C, nós ainda suávamos cada vez que entrávamos em movimento no frio penetrante. No entanto, o congelador da natureza nos mordia sem piedade no momento em que tínhamos que fazer uma pausa: qualquer umidade ou fluido torna-se duro, congelado em questão de minutos. Nós ajustamos o nosso ritmo para corresponder ao de Jens e seus cães. Não faria qualquer sentido ir mais rápido porque todos os nossos suprimentos estavam em seu trenó. Mantendo-se a poucos metros de sua equipe, nós conversamos sobre sua vida na Groenlândia. Esse cara de 25 anos e 2 metros de altura ama a vida áspera e dura, seus cães e caça. O que para nós é uma aventura de uma vez em uma vida, para ele é só mais um dia. Dito isto, ele não trocaria sua vida por nada. Em seus olhos, ele já está vivendo no paraíso. Nós muitas vezes nos encontramos perguntando uns aos outros por que as pessoas gostariam de se estabelecer em um dos locais mais extremos da Terra. Durante o inverno, é mais ou menos apenas escuro, e o termômetro às vezes se aventura acima de 0 °C nos quatro meses durante o verão. Agricultura e pecuária só são possíveis em pequenas áreas e tudo tem de ser importado, custando quase um braço ou uma perna. Apesar de tudo isto, mais de 55 mil pessoas ocupam este canto árido do mundo.

Depois de uma série de altos e baixos, conquistamos nossos primeiros 59 km e 750 m em ganho de elevação em quase oito horas. Chegamos ao Acampamento Kanoo. A cabana ofereceu mais conforto do que esperávamos. O forno aquecia rapidamente e penduramos nossa roupa úmida e sapatos acima dele para secar. Haviam mesmo algumas camas decentes com colchões esperando por nós. À luz de velas, e com tigelas de boi almiscarado ragout, discutimos a rota do dia seguinte com Jens Erik.

© Martin Bissig

Manhã de -30 °C

Às sete horas da manhã, abrimos a porta de nossa cabana e, por alguns segundos, não pudemos ver nada. O gelado ar de fora imediatamente condensou e embaçou nosso quarto. Os cães bocejavam e uivavam. Eles passaram a noite fora acorrentados e não amontoados; em vez disso, estavam a uma distância de dois metros cada um. Enquanto Jens Erik alimentava e preparava sua equipe, nos fortalecíamos com alguns muesli pré-embalados. Nossas roupas já estavam secas, as nossas fat bikes de montanha rochosa descongeladas e nós aquecidos, por hora. O céu claro da noite esfriou as coisas consideravelmente e nós começamos nosso terceiro dia com cerca de -30 °C. Os primeiros 25 km estavam relativamente fáceis através do lago. O cinza azulado do céu limpo fazia um contraste maravilhoso com o inverno branco reluzente. No final de março, o sol ainda é muito baixo no céu e se obtém grande luz para tirar fotos o dia todo. Mantive baterias extras por perto para garantir que elas não iriam descarregar por conta própria devido ao frio. Mas as baterias da minha Canon duraram surpreendentemente bem.

© Martin Bissig

Quando paramos para o almoço, deu para ver a primeira inclinação grave. A faixa branca de neve, inicialmente em linha reta, em seguida continuava em ziguezague subindo 400 m até uma cadeia de montanhas. Era quase impossível imaginar os cães carregando o nosso trenó lá em cima. Jens Erik ia na frente, enquanto nós tomamos um pouco mais de sol. Para ganhar mais tração, reduzimos a pressão dos nossos pneus largos de 7,2 a cerca de 4,4 psi. Exceto por alguns metros, ficamos surpresos de ver que podíamos conquistar a primeira parte da subida em nossas bicicletas. Mesmo com temperaturas tão baixas, literalmente cozinhávamos sempre que abríamos as roupas, já que sabíamos que o que está molhado agora, vai congelar mais tarde. Por esta razão, nós continuamos fazendo nosso possível. Parte do caminho, pedalamos sem usar nossas luvas. Nosso companheiro e seu trenó estava esperando por nós mais à frente. Mais uma vez reunidos, partimos para conquistar o resto da subida juntos. Em certas áreas ainda mais íngremes, Jens Erik pulava fora do trenó, reduzindo a carga em uns bons 130 kg.

O resto do dia foi brincadeira de criança. Chegamos à nossa segunda cabana no fim da tarde, depois de 52 km e com quase 900 m ganhos de elevação. Ali, passamos a noite. Uma família da Groenlândia também estava usando o local como refúgio para um fim de semana prolongado. Um ronco filarmônico vindo do quarto, não transmitido em estéreo, mas em alta qualidade Dolby Surround 5.1, se estabeleceu por toda a noite na sala. Escolhemos bem nosso cômodo. Nele haviam grandes janelas, e pudemos ver o espetáculo acontecendo lá fora, o qual tínhamos a esperança de encontrar. Verdes cintilantes luzes do norte apareceram no céu da noite. Para mim, isso só podia significar uma coisa: sair do saco de dormir, colocar minhas roupas de inverno, desdobrar meu tripé e ir para o frio. As fotos, graças ao tempo de exposição entre 30 e 60 segundos, deram ainda mais cor do que se fossem vistas a olho nu. Em uma hora registrei tudo o que queria, meus dedos já estavam dormentes do frio e o cabo remoto estava congelado.

© Martin Bissig

Voltando para a civilização

Em nosso último dia, 56 km ainda nos separavam da costa e do nosso destino final, Sisimiut. No mapa, Jens Erik apontou para a próxima cadeia de colinas. Quando terminamos os próximos 600 m, fomos em direção à costa da cidade. Quanto mais subíamos, maior era o tráfego na estrada. Skidoos passavam acelerados por nós e trenós puxados por cachorros nos atravessavam. As pessoas aqui se conhecem, se cumprimentam e trocam notícias. Mesmo bem grande, Sisimiut tem apenas cinco mil habitantes, ainda é singular e todos se conhecem.

© Martin Bissig

A nossa difícil batalha agora se assemelhava a uma pista de esqui. Uma larga faixa branca fazia o seu caminho para o pico. Mais uma vez, diminuímos o ar dos pneus e lutamos pelo nosso caminho até o topo. Disparamos vários olhares para os lados e acenamos para os moradores. Os motociclistas não são uma visão comum aqui, pelo menos não durante o inverno. Os cães de Jens Erik pareciam ter a mesma energia que tinham no primeiro dia. Depois de uns bons 90 minutos, finalmente alcançamos o passo deles. Os cães provavelmente farejaram o cheiro de casa e começaram a puxar o trenó feito loucos. Ignoramos o almoço e arrasamos com a montanha em direção ao mar. Logo, passamos um teleférico, em seguida, uma trilha cross-country. O número de skidoos aumentava drasticamente.

Para a próxima vez, já temos um vislumbre dos próximos cenários. Voltaremos para cá em breve. Não há nada que nos impeça agora. Sorrindo, Jens Erik anunciou que já não era mais possível parar para tirar fotos porque seus cães não dependiam mais de seus comandos. Vinte minutos mais tarde, estávamos de volta à civilização. Aí foi uma rodada de abraços e apertos de mão com Jens Erik. Nos despedimos de nossos leais guias de quatro patas e de Jens Erik. No melhor hotel da cidade, nos estragamos com um banho quente e um hambúrguer.

Tivemos uma aventura que foi, de longe, mais impressionante e emocionante do que poderíamos ter imaginado. Se nos encontrarmos com a senhora da Air Greenland mais uma vez, vamos dizer-lhe: “Pedalar na Groenlândia durante o inverno é a coisa mais legal que já fizemos. Esteja preparada para mais bicicletas transportadas em breve”.

Cachorros de potência

© Martin Bissig

Os cães nórdicos possuem habilidades especiais para suportar o frio e a neve, além da tradicional habilidade de puxar trenós. Muitos deles possuem características físicas parecidas com as dos lobos. Possuem bastante resistência, podendo viajar até 160 km por dia, embora não sejam muito velozes. Em geral, os trenós puxados por cães circulam a uma velocidade de 8 a 16 km/h. Malamute-do-Alaska, Gronlandshund, Samoieda e Husky Siberiano são as raças mais utilizadas para este nobre serviço.

Aurora Boreal

© Martin Bissig

As auroras boreal (polo norte) e austral (polo sul) são fenômenos que acontecem nas regiões polares. Este verdadeiro show de luzes coloridas e brilhantes, que ocorre em virtude do contato dos ventos solares com o campo magnético do planeta, recebeu este nome do astrônomo Galileu Galilei. Foi uma homenagem à deusa romana Aurora (do amanhecer) e seu filho Boreas.