Você gostaria de realizar o Circuito Estrada Real, mas é difícil conciliar as datas e ter os dias necessários à disposição? Então, eis uma sugestão! Realizamos o Caminho dos Diamantes em etapas, pedalando um final de semana por mês, sempre reiniciando o pedal de onde paramos. Dessa forma, completamos todo o percurso apenas sábados e domingos, sem deixar nenhum quilômetro do Caminho sem ser pedalado.

Diamantina está localizada a 290 km da capital mineira, na região do alto Jequitinhonha. Fundada em 1713 como Arraial do Tejuco, cresceu rapidamente com a descoberta de diamantes em 1729, que eram explorados pela Coroa Portuguesa. Nessa época, o Arraial do Tejuco chegou a ser a terceira maior cidade da Capitania Geral das Minas.

Detalhe do casario em Serro. © Edson Duarte

No século XVIII, ficou também famosa devido a escrava alforriada Chica da Silva ter tido união estável por 15 anos com o contratador de diamantes João Fernandes de Oliveira, até então um dos homens mais ricos do Brasil Colonial, dando origem a diversos mitos. Chica da Silva teve com ele 13 filhos.

Outro filho ilustre de Diamantina foi o médico e ex-presidente da república Juscelino Kubitschek de Oliveira (JK). Dentre vários cargos públicos, ele foi governador de Minas Gerais em 1951 e presidente do Brasil em 1955.

Largo central em Ouro Preto. Em primeiro plano o obelisco com a estátua de Tiradentes, e ao fundo o Museu da Inconfidência Mineira. © Edson Duarte

No dia 5 e 6 de março de 2016, eu e mais seis companheiros e duas companheiras iniciamos em Diamantina o percurso de bike num dos trajetos da Estrada Real, conhecido como “Caminho dos Diamantes”, que no século XVIII levava ouro e diamantes do Arraial do Tejuco, hoje Diamantina, até Parati-RJ, onde embarcavam nas caravelas com destino a Portugal.

Esse projeto “Caminho dos Diamantes” foi realizado por etapas, acontecendo sempre num fim de semana por mês, com pedaladas no sábado e no domingo. Cada etapa tem entre 110 e 150 km. O reinício de cada etapa é sempre na cidade ou distrito onde terminou a etapa anterior. Há três anos, Valdinei Bruzinga, proprietário da van (Sprinter Bikers), idealizou esse projeto, sendo o responsável pelas informações do percurso, monitoramento, assistência e liderança do grupo.

Montanhas ao longo de todo o caminho. © Edson Duarte

1ª Etapa

Primeiro dia
(12 de março)

Nesse primeiro dia de sábado chuvoso, o percurso teve 64 km com uma topografia extremamente pesada, num sobe e desce sem fim, típico da região, onde o ganho de elevação foi de 1.590 m. Numa das tantas subidas, há uma serra com mais ou menos 8 km de aclive. Foi duro pra todos e principalmente pra mim, que tenho 61 anos e por não ter dormido na viagem. Seguimos sempre pela estrada de terra com muito cascalho solto e às vezes areia, tendo ao lado a serra dos cristais, que nos acompanhou quase todo o dia.

No trajeto, passamos sobre o rio Jequitinhonha e vários outros cursos d’água. Também passamos por lugarejos bucólicos e pacatos como Vau, Milho Verde, São Gonçalo do Rio de Pedras e Três Barras. Em Milho Verde, lugar encantador onde parece que o “tempo para no tempo” para a simplicidade e paz, paramos na praça central para descansarmos um pouco. Sentamos no gramado em frete à igreja centenária para fazermos um bom lanche, observar a tranquilidade dos cavalos “aparando” o gramado.

Ruínas de um bicame de 1796. © Edson Duarte

Seguimos adiante e lá pelas 16 h chegamos ao destino final do dia, na cidade do Serro. Na encantadora cidade colonial do Serro fomos direto pra pousada, tomar um belo banho, trocar as roupas molhadas e sujas, calçar um tênis enxuto e, ao entardecer, saímos pra tomar umas cervejas, comer algo saboroso e bem quentinho, prosear um pouco, rir das nossas dificuldades e tecer estratégias para o dia seguinte, pois a temida Serra da Tapera com 10 km ascensão nos esperava “pacientemente sem sair do lugar”.

Segundo dia
(13 de março)

O café é servido pela pousada às 7 h, mas ficou combinado que fariam esforço para servi-lo às 6 h, para que pudéssemos iniciar o pedal mais cedo, pois teríamos 84 km para cumprir, numa topografia com altimetria muito elevada. Depois do desjejum em que todos se fartaram com bom café com leite, queijo do serro, pão de queijo, bolos, roscas e frutas, começamos nosso giro com parada na primeira praça aos pés da famosa escadaria da Igreja Nossa Senhora da Conceição, para algumas fotos. Nesse momento, uma das bikes apresentou um problema na gancheira, o que atrasou nossa saída em pouco mais de 1 h.

Praça central de Serro, com um das igrejas ao fundo e alguns de nós aguardando o início do pedal. © Edson Duarte

Nosso destino do dia era a cidade de Conceição do Mato Dentro, inserida já nos limites da bela e famosa Serra do Cipó. O tempo chuviscava nalguns pontos e parava noutros, mas sem sol. Então, já que a chuva não veio de vez, resolvemos pedalar sem o agasalho pra chuva, pois o corpo esquentava muito com o seu uso.

Nesse dia passamos também por lugarejos simples, mas muito agradáveis, como Alvorada de Minas, Itapanhoacanga, Tapera, Córregos e Conceição do Mato Dentro. Conceição é uma cidade média, com excelente estrutura para o atendimento ao turista. O ganho de elevação nesse dia foi de 2.209 m.

2ª Etapa

Primeiro dia
(09 de abril)

Chegamos às 2 h 50 min em Conceição do Mato Dentro para reiniciar o pedal, e após os preparativos e café da manhã, iniciamos a pedalada. Tivemos que utilizar faróis, a noite estava muito escura e o céu repleto de estrelas, onde podia-se avistar ainda uma boa parte da Via Láctea, o que é impossível nas grandes cidades.

Prato típico do feijão tropeiro mineiro, que pode também ser bife, boi, porco ou costelinha. © Edson Duarte

Nosso destino final nesse dia era a cidade de Itambé do Mato Dentro, 64 km adiante. No percurso passamos por inúmeros cursos d’água ainda cristalinas. O trajeto por estradão de terra batida seguia sempre por entre as belas e altas montanhas da Serra do Espinhaço. O ganho de elevação nesse trajeto foi de 1.910 m. Fazia muito calor e a dificuldade, além da altitude, era a constante presença de areia em muitos quilômetros, mesmo no alto nas montanhas. Também o cascalho solto e irregularidades tipo “costelas de vaca” contribuíram com o sofrimento. As mãos doíam ao segurar o guidão, devido às trepidações. Antes de chegar ao nosso destino do dia, passamos pela cidade de Morro do Pilar.

Segundo dia
(10 de abril)

Com o trajeto de apenas 45 km, novamente a topografia e o cenário seriam os mesmos do dia anterior, nenhum monumento especial a não ser uma grande imagem sobre o bloco de pedra, dum ermitão que vivera ali numa gruta por mais de 20 anos.

Nosso destino final nesse dia seria a cidade de Bom Jesus do Amparo, onde a van estava nos esperando. Antes de Bom Jesus, passamos por Senhora do Carmo e pela bela e pequena cidade de Ipoema, que possui um museu destinado aos tropeiros. Em Ipoema há uma grande quantidade de cachoeiras e de muitas pousadas também. Paramos para curtir a praça principal da cidade, almoçamos um bom feijão tropeiro com costela assada e, meia hora depois já estávamos na estrada novamente. O trajeto final de 14 km foi todo por asfalto. O ganho altimétrico do dia foi de 1.190 m.

Vista panorâmica de Ouro Preto, fim do Caminho dos Diamantes. © Edson Duarte

3ª Etapa

Primeiro dia
(14 de maio)

Chegamos às 4 h 20 min debaixo de garoa em Bom Jesus do Amparo, onde terminamos o pedal da última etapa, para reiniciar o pedal sem deixar de percorrer nenhum metro da Estrada Real.

Inicialmente, percorremos cerca de 12 km em asfalto – há pequenos trechos da Estrada Real que já estão asfaltados – e depois de algumas horas chegamos em Cocais, a primeira de muitas cidades pelo caminho.

O grupo, com eventuais ausências e entradas de novos integrantes, não foi sempre o mesmo, mas manteve sempre o mínimo de oito pessoas. Participaram da viagem: Adriano Márcio, Alessandro Telésforo, Daniela Moura, Gladyston Chieirici, Kesllie Esteves, Leonardo Franciel, Nayara Costa, Rayanne Teles, Ricardo Nascimento, Rodolfo Correa, Valdinei Bruzinga e eu (Edson Duarte). © Edson Duarte

Entre Cocais e Barão de Cocais, havia uma serra a ser transposta, com elevação longa e contínua de 9 km e ascendência de 460 m, o que exigiu muito esforço e desgaste de todos nós. Depois de Barão de Cocais, seguimos em direção à bela cidade de Santa Bárbara.

Ao entrar na cidade, o Valdinei encontrou com um velho conhecido dele que todos chamam de “poeta”, o que realmente ele é. Ele nos convidou a entrar em sua residência para degustarmos vinhos de jabuticaba, feitos por ele mesmo. Ele aproveitou e recitou uma bela poesia para as meninas do grupo.

Santa Bárbara guarda ainda uma grande quantidade de bem cuidadas construções barrocas, com duas belas igrejas coloniais em sua praça principal, sendo a maior a igreja matriz, e a menor de Nossa Senhora dos Negros (Nossa Senhora da Conceição), dedicada aos escravos, que não podiam frequentar a igreja dos brancos.

Após a refeição, partimos em direção à também cidade histórica de Catas Altas, local em que havíamos alugado uma casa para nosso pernoite, pois os hotéis e pousadas estavam todos cheios, devido a festa anual do vinho. Aproveitando a estrutura da casa, o Valdinei providenciou um bom churrasco e cerveja, que todos aproveitaram bem e aprovaram com louvor. Catas Altas pertenceu ao ciclo do ouro e está no sopé da famosa Serra do Caraça.

© Edson Duarte

No trajeto entre Barão de Cocais e Catas Altas, passamos por um “bicame” desativado há muitos anos, todo feito em pedras lascadas da região, utilizando técnica de construção por sistema de encaixe das pedras, sem a utilização de argamassa inexistente na época da construção de 1789. Passamos também por dentro de algumas matas que ainda conservam milhares de árvores, arbustos e folhagens, resquícios do que ainda resta da “Mata Atlântica”. Nesse dia com nebulosidade total, pedalamos 83 km com altimetria acumulada de 1.785 m.

Segundo dia
(15 de maio)

Com o destino de chegar à magnífica e bela cidade de Ouro Preto, passando pela não menos bela cidade de Mariana, partimos para o pedal, mas antes demos uma passada rápida pela centenária igreja matriz das Catas Altas.

Pegamos a Estrada Real e partimos. Logo após iniciar o pedal, passamos pelo distrito de Morro da Água Quente, onde percebemos muitas construções muradas a meia altura com pedras rústicas vermelhas, gerando um visual muito bonito devido a sua rusticidade. Até chegar no próximo distrito, Santa Rita Durão, há uma subida constante de 5 km, que parecia moer o restante dos joelhos que ainda resistiam. Chegamos às 13 h em Mariana, que foi a primeira capital das Minas Gerais.

Rua central de Mariana, lateral da igreja matriz, calmaria às 13 h de um domingo. © Edson Duarte

Mariana é muito bela, com seu casario colonial muito bem cuidado. Almoçamos num restaurante popular e uns 10 minutos depois partimos para os últimos 14 km que nos separava de Ouro Preto. Tivemos que ir pela rodovia asfaltada, pois a Estrada Real passava pelo distrito de Bento Rodrigues, hoje infelizmente conhecida mundialmente pela devastação total causada pelo rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco.

Mesmo sem o sol, o calor era excessivo devido o asfalto e a terrível subida de 12 km, sem conter nenhum trecho plano para descansar e aliviar um pouco os joelhos. Parecia que esses quilômetros não acabavam nunca, as pernas reclamavam e o traseiro se recusava a ficar sobre o selim.

Um pouco antes das 15 h chegamos à Praça Tiradentes em Ouro Preto, em frente ao Museu da Inconfidência Mineira e terminamos assim o Circuito dos Diamantes, depois de 63 km pedalados no dia, com altimetria acumulada de 1.401 m. No Centro de Atendimento ao Turista, recebemos o Certificado de Conclusão do Circuito Caminho dos Diamantes. Bikes postas sobre a van, partimos rumo a Belo Horizonte, com a satisfação de ter concluído o caminho e, como diz a música do Skank, “o caminho só existe quando você passa”.

© Edson Duarte

Em todas as cidades, lugarejos e distritos por onde se passa, há lugares específicos para carimbar os Passaportes da Estrada Real. O passaporte pode ser obtido por qualquer pessoa interessada, bastando entrar no site institutoestradareal.com.br e fazer a solicitação por e-mail. Tudo muito simples e rápido. O passaporte é bonito e confeccionado com papel de excelente qualidade. No site, o viajante pode fazer download de mapas e planilhas completas dos quatro caminhos.

Em todo o percurso da Estrada Real, nos quatro caminhos oficiais (Caminho dos Diamantes, Caminho Velho, Caminho Novo e Caminho do Sabarabuçu), existem centenas de totens que orientam e guiam os usuários do caminho. Os totens são numerados, estão no máximo a cada 2 km um do outro, e indicam qual a cidade ou lugarejo que está à frente ou atrás, com a quilometragem a ser percorrida para alcançá-las. Eles estão também em todos os cruzamentos e bifurcações, indicando sempre o sentido que o viajante deverá seguir. Por exemplo: se no cruzamento ele estiver à esquerda, o viajante deverá seguir pela esquerda; se estiver à direita, o viajante deverá seguir à direita. Em pouquíssimos entroncamentos há totens mal posicionados que geram dúvidas sobre o lado correto a seguir.

O Instituto Estrada Real foi idealizado por Áttila Godoy e é mantido pelo sistema Fiemg – Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais.