O passaporte é o documento de identificação internacional, mas nem sempre é obrigatório ter um para sair do Brasil. Os documentos obrigatórios para visitar um país são aqueles decididos entre os dois países em um acordo escrito que vale como lei entre eles. Geralmente obedecem a um princípio de reciprocidade, ou seja, o que é exigido para o cidadão de um país é o mesmo que se exige para o cidadão do outro.

Assim como em um contrato particular, estes acordos internacionais gozam de liberdade, por exemplo, nos países do Mercosul (lembre-se que grande parte dos acordos do Mercosul ainda estão no papel e sem assinar), não é necessário a utilização de documento internacional, basta o documento de identidade nacional para identi- ficar e permitir a en- trada como turista.

Mas não confunda as coisas, por exemplo: no Brasil, a carteira de motorista serve como identificação civil, mas o acordo in- ternacional fala somente sobre a “carteira de iden- tidade”, ou seja, um brasileiro não pode entrar na Argentina só com a carteira de motorista.

Na prática, é sempre melhor utilizar o passa- porte em viagens inter- nacionais. Em alguns países do Mercosul os oficiais de imigração costumam permitir tempo de permanência menor para quem viaja só com a carteira de identidade.

Na maioria dos muitos países, basta chegar no balcão da imigração com o passaporte. O oficial faz um registro de entrada e coloca um carimbo com a data de entrada e o tempo de permanência permitido. Por outro lado, alguns países podem ofere- cer restrições de controle. Além do pas- saporte, exi- gem uma análise pré- via para saber se é conveniente receber o cidadão estrangeiro ou não, o chamado “visto”.

Podemos utilizar os Estados Unidos como exemplo clássico, mas ele não é o único nem é o país mais difícil de conseguir visto, afinal, apesar do grande medo que eles têm de terrorismo, no geral a maior preocupação é o trabalho ilegal.

Mesmo que sua intenção seja somente viajar pelo país, terá que pedir um visto em um consulado, nunca numa embaixada, pois esta cuida dos assuntos entre os países (estados) e o consulado cuida de assuntos entre o cidadão e o estado. Geralmente, se tiver uma situação financeira boa e estável, o visto é concedido.

Como os Estados Unidos exigem visto para os brasileiros, o Brasil também exige o visto dos americanos (princípio da reciprocidade), entretanto, o rigor é, no geral, muito menor.

“Então quer dizer que com o visto na mão eu posso entrar no país?” Calma… No caso deste país ainda quer dizer pouco, pois na hora que algum estrangeiro chega na fronteira ainda passa por um oficial que, caso não vá com a cara do sujeito, pode impedir a entrada dele no país, e a viagem acaba antes de começar. Estes acordos internacionais mudam com o tempo ou, mesmo que mantidos, se “afrouxam” ou se “asseveram” por várias razões.

Na volta ao mundo tive que pedir visto para a França (hoje já foi abolido). “Diziam” na época que houve uma enxurrada de brasileiros que iam fazer cirurgia de troca de sexo e acabavam “trabalhando” por lá. A Inglaterra não exigia visto, mas tive que responder a um monte de perguntas duras antes de receber o carimbo de entrada. No consulado Turco, descobri que os argentinos não precisam de visto para este país (será que é por que eles são mais civilizados que nós?). Para o Nepal, o mais importante é saber quanto tempo pretende ficar, pois o valor do visto é um dólar por dia, e se precisar ficar mais a extensão do visto é ainda mais cara. Em Miamar, antiga Birmânia, o visto só era dado se fosse viajar em pacotes turísticos com agências.

Alguns vistos podem oferecer restrição a certas partes do país. Quando entrei na região de Caxemira, por exemplo, tive que assinar um documento em que declarava que estava entrando em uma região de conflito, onde o estado indiano não se responsabilizava mais por meu bem-estar.

Para entrar em Israel fazem um monte de perguntas. Na fronteira com o Egito existe uma zona especial chamada desmilitarizada (com restrições de armamentos pesados do tipo “canhão só com menos de 150 mm”). Quando cruzei esta fronteira em direção ao Mar Vermelho e Sinai, tive que pagar uma boa soma em taxas.

A ilha de Chipre é dividida em dois países e não havia como atravessar. Ou eu entrava pela Turquia ou entrava pela Grécia. E assim vai…

Entretanto, posso dizer com muita sinceridade que o documento que mais me ajudou a atravessar fronteiras foi a bicicleta. Os vistos que mais temia não conseguir eram os de países ricos, nestes casos era só comprovar que estava fazendo a volta ao mundo de bicicleta que os atendentes me abriam o sorriso.

Em fronteiras secas tudo ficava mais fácil, os oficiais sempre me reconheciam como um sujeito no mínimo esforçado. Dava para perceber que mesmo quando a revista era compulsória, as perguntas que faziam eram mais para saciar a curiosidade que por desconfiança.

Mas isto foi na volta ao mundo, será que as coisas continuam assim?

No meio deste ano, eu e a Rafaela fize- mos uma viagem de bicicleta por três meses pelo Peru, voltando pela Bolívia. Justamente quando estávamos chegando perto do Lago Titicaca, fronteira entre os dois países, ocor- re um incidente. O presidente Garcia anunciou a concessão de uma mina na região do Titicaca. Esta região é habi- tada pela nação Aimará que sempre ofe- receu resis- tência, primeiro à invasão Inca, depois aos espanhóis e  até hoje ao governo local. Mantendo costumes e língua próprios, os Aimarás são os verdadeiros guardiões do Lago Titicaca e segundo eles a mina iria poluir o lago.

Mais que uma greve regional, eles simplesmente fecharam a fronteira entre os dois países e ninguém passava por suas barricadas feitas com pedras, cacos de vidro e fogueiras, quem se atrevia era apedrejado.

Imagine como uma fronteira internacional é bem guarnecida… Lembre-se de que a Bolívia não tem saída para o mar e depende dos portos peruanos e chilenos para fazer qualquer comércio… Pois o posto aduaneiro peruano inteiro teve que ser transladado para outra cidade fora da zona de protestos de tão séria que foi a manifestação com direito a quebra-quebra e tudo mais. Tínhamos que sair do país e continuamos pedalando na esperança de que a greve se resolvesse nos próximos dias. A estrada ficou com poucos veículos, só o transporte local. As pessoas nos diziam que não iríamos passar, mas sempre há exceções.

A região entre Cusco e o Lago Titicaca está no roteiro de todos os aventureiros que viajam pela América do Sul, mas agora estava fechada, adivinha quem conseguia passar? Só cicloturistas, chegamos a encontrar sete cicloturistas em um único dia e todos conseguiram quebrar o rigor dos grevistas despertando a igualdade e a simplicidade que existe em todos os seres humanos de qualquer nação do mundo, seja em uma viagem de aventura em bicicleta ou em uma greve para manter um ecossistema delicado.

Toda esta história é só para demonstrar o que já disse: a bicicleta é o melhor documento para atravessar fronteiras.

Os franceses Nico e Thomas, na volta ao mundo encontraram o norte-americano Aashiq e começaram a viajar juntos por um tempo. © Rafaela Asprino
Os franceses Plassiard e Guillermin vieram de barco do Senegal até Fortaleza, passaram por Brasília, atravessaram para a Bolívia, encontra- ram o alemão Jan vindo desde Ushuaia e viajaram juntos por um tempo. © Rafaela Asprino
Cicloturista francês Jean Marc – 60 anos, após a aposentadoria saiu para uma volta ao mundo, já havia atravessado a África toda e vinha de Ushuaia. © Rafaela Asprino
Bloqueio da estrada © Rafaela Asprino
Bloqueio da estrada © Rafaela Asprino