“Oh, il Braziliani!!!”. Com essa frase e um enorme sorriso no rosto fomos recebidos em todos os lugares na viagem entre as cidades de Bologna a Firenze. É sabido que brasileiros são bem recebidos em praticamente qualquer lugar do mundo. É sabido também que italianos recebem com simpatia a toda a gente. Mas nessa região, somos recebidos de forma tão efusiva, que ficamos até comovidos.

É o passado vindo à tona em forma de gratidão, uma vez que a região recebeu os soldados brasileiros na Segunda Guerra Mundial. As cidades e vilas pelas quais passávamos faziam parte de uma linha de defesa que os alemães criaram e cortava a Itália de leste a oeste, a chamada Linha Gótica. Os soldados da FEB (Força Expedicionária Brasileira) libertaram estas localidades do domínio nazista. Mas não foi só isso, a forma como os brasileiros interagiram com a população foi o que realmente os diferenciou dos outros exércitos. Enquanto os outros países seguiam a ordem de guerra de não se envolver com a população, e chegavam a enterrar alimentos que sobravam, os brasileiros agiam diferente, dividiam tudo que tinham, inclusive medicamentos. Chegamos sem saber quase nada dessa história, somente com a noção básica e mal dada que tivemos nas aulas do colégio. Nossa visão mudou imensamente após esta viagem.

© Walter Magalhães

Em Bolonha, antes de partir para o pedal, reservamos a parte da manhã para conhecer um pouco a cidade. Perambulamos pelas ruas e becos, perdendo-nos pelos labirintos de construções medievais, sempre andando por baixo dos típicos pórticos que cobrem suas calçadas. Bolonha é uma cidade que intriga e que vamos descobrindo aos poucos. Só para ter uma ideia, ali foi fundada a primeira universidade da Europa, lá pelos anos 1300. A catedral abriga o maior relógio de sol do mundo. Um complexo de sete igrejas, de diferentes eras, sendo a primeira dos anos 500, interconectam-se por corredores e jardins. E tudo é envolto em muitas histórias e lendas, algumas divertidas, como a que diz que se um estudante subir na mais alta das torres da cidade, nunca vai conseguir se formar. Lado a lado, contrastando com tanta história e cultura, estão as dezenas de lojas de grifes internacionais e restaurantes sofisticados.

© Walter Magalhães

Depois do pequeno passeio, fomos em busca de matar a fome. Matamos também a curiosidade em conhecer uma das culinárias mais famosas da Itália. A região da Emiglia Romagna, da qual Bolonha é capital, é conhecida pelos próprios italianos como um lugar onde se come bem, já dá para imaginar a importância disso. Comprovamos que a fama é totalmente justificada, comida deliciosa!

À tarde começamos a jornada. Para aquecer, uma subida longa, mas bem “pedalável”, levou-nos ao Santuário de San Luca, já nos arredores da cidade. De lá tivemos uma vista espetacular da cidade. Despedimo-nos de Bolonha e seguimos, por entre vinícolas e áreas rurais, rumo à Rivabella. No hotel em que ficamos, apesar de não ser especializado no público ciclista, ninguém olhou torto para as bicicletas. Indicaram para cruzarmos o saguão, e assim, entramos pela porta principal empurrando as bicicletas, até a sala onde elas passariam a noite (essa boa vontade com o ciclista é um bom exemplo a ser seguido aqui no Brasil).

© Walter Magalhães

Nesta noite fomos dormir cedo, para nos preparar para o dia seguinte, que seria o mais duro da viagem. Afinal estávamos para subir os famosos Apeninos, uma das principais cadeias de montanhas da Itália. Ao todo foram 1.300 m de ascensão, o que com as bicicletas carregadas exigiu um certo esforço. Mas a inclinação sempre constante e as estradas de asfalto impecável facilitaram muito nossa tarefa. A estrada passa por bosques, vilarejos, campos, tudo bem tranquilo e com pouquíssimo movimento de carros. Na verdade, distraídos com a beleza da paisagem nem percebemos que já estávamos no topo dos Apeninos. Ao longe víamos o traçado da estrada, que ia serpenteando entre as colinas e nos mostrando os lindos lugares que ainda iríamos conhecer de perto. Passamos por uma área de parque natural e aproveitamos para fazer ali nosso piquenique, com pães, frutas e queijos deliciosos que carregamos cuidadosamente nos alforjes. Dosando nosso ritmo, para não chegar nem muito cedo nem muito tarde em nosso destino daquele dia, fomos parando para tirar fotos, conversar e admirar a paisagem.

Chegando ao nosso destino, a pequena cidade de Montese, fomos direto ao museu da guerra. Quase todos em Montese tem um episódio sobre a guerra para contar que envolve os brasileiros, inclusive a diretora do museu que nos recebeu. Incrivelmente o clima do museu não é pesado, nem chocante. Pelo contrário, são imagens e objetos que nos mostram fatos do dia a dia das famílias que ali viviam, e que nos tocaram profundamente. Impressionante também foi comparar as fotos da época com a realidade de hoje. O museu fica no alto do morro, com uma belíssima torre, de onde pudemos reconhecer os prédios históricos que vimos nas fotos, totalmente destruídos por bombas, e comparar com eles agora, completamente restaurados.

© Walter Magalhães

À noite tivemos um jantar magnífico e ainda descobrimos que o chef, além de excelente cozinheiro, era também profundo conhecedor das trilhas e estradinhas das redondezas, e pôde nos auxiliar com valiosas dicas.

Revigorados, partimos logo cedo para uma visita a um laticínio, ou melhor, caseificio, onde se produz um queijo especial com denominação de origem. Isso quer dizer que só ali ele é produzido e todas as etapas da produção são rigorosamente controladas. O resultado é primoroso, um “Parmegiano Reggiano” de primeira qualidade. O mais interessante foi ver o cuidado e a paixão com que os funcionários se dedicam. O chefe da produção nos explicou cada etapa, desde a chegada do leite até os vários anos de maturação do queijo, sempre fascinado pelos séculos de cultura acumulada para chegar àquele sabor único.

Seguindo adiante, continuamos por lindas estradinhas entre as colinas. Neste caminho vimos uma plantação de castanheiras seculares. Um painel contava sua história e dava a data, ao redor do ano de 1500. Uau! Isso deu um nó em nossa cabeça e nossas pedaladas seguintes foram de reflexão. Afinal, o Brasil ainda estava sendo descoberto e essas castanheiras já estavam lá. Fomos passando também por alguns monumentos na beira da estradinha. Eram singelos e ao mesmo tempo muito significativos: plaquinhas afixadas em grandes blocos de rocha, com nome de algum soldado brasileiro. Uma homenagem, exatamente no lugar onde haviam tombado em combate. Ao todo, espalhados pela região, são mais de 30 monumentos destes, e o mais legal é que todos foram feitos por iniciativa das próprias comunidades italianas.

© Walter Magalhães

A estrada passa por bosques, vilarejos, campos, tudo bem tranquilo e com pouquíssimo movimento de carros.

Neste dia ainda, passamos próximo ao mais importante local de batalha brasileira, o Monte Castelo. Neste lugar os soldados passaram muito frio e enfrentaram o duro inverno italiano, com roupas emprestadas dos americanos. Um monumento construído pelo governo brasileiro, aos pés do monte, simboliza o que não devemos esquecer para jamais repetir, o horror da guerra.

De lá, uma descida nos levou até a cidade de Porretta-Terme, que é uma estância termal. Foi providencial para relaxarmos nossos corpos cansados. O dia seguinte foi em direção à cidade de Pistoia, já na província da Toscana. Subimos por uma estrada estreita, coberta de mata densa, verde escura, muito bonita. Dava para ver um rio ao nosso lado, bem lá embaixo, cada vez mais fundo no vale. Era o Rio Reno italiano. Havia poucas casas e vilas pelo caminho, e somente escutávamos nossas pedaladas e as gotas de uma chuva fininha que caía. A atmosfera parecia de um filme medieval. E assim fomos subindo até que desviamos por uma estradinha de terra, e de repente, ao chegar ao topo, o sol se mostrou. Do chão subia uma névoa enquanto o céu se tornava azul, e uma luz incrível batia sobre nós. Nestes momentos esquecemos qualquer cansaço ou dificuldade e agradecemos por estarmos exatamente naquele local e naquela hora.

© Walter Magalhães

A descida que veio a seguir não foi menos fantástica. Foram 25 km de inclinação suave, sem termos que encostar os pés para pedalar. Era só frear de leve e aproveitar o visual. Sem dúvida foi uma das melhores descidas da minha vida.

Chegando próximo à Pistoia, contornamos a cidade e fomos ao memorial da FEB. Ali foram enterrados os corpos de soldados, mais de 400, que posteriormente foram levados ao Brasil. No local, que é considerado solo brasileiro, há uma chama sempre acesa e uma parede com o nome de todos os soldados. O administrador do memorial é o Mário Pereira, filho de uma italiana com um soldado brasileiro. O pai dele tomou conta do memorial até sua morte há poucos anos atrás. Mário nos contou que no mês de abril, quando se comemora a libertação das vilas e cidades, não dá conta de atender a tantos pedidos de presença em festas comemorativas. Em 2015 a comemoração vai ser ainda mais especial, pois completam-se 70 anos do término da guerra.

© Walter Magalhães

Do memorial fomos para o centro de Pistoia, onde pudemos sentar com calma na charmosa praça central e observar o movimento, que era principalmente de pedestres e ciclistas. É gostoso de ver pessoas de todos os tipos e idades usando a bicicleta, com certeza o veículo mais democrático que já foi inventado. Antes de ir para o hotel, saboreamos mais um imbatível “gelato” italiano.

O último dia foi só alegria, aproveitamos as imensas planícies da Toscana, e os pedais giraram com facilidade. Acompanhamos por bastante tempo um rio caudaloso de águas claras, até chegarmos numa área verde já vizinha à cidade. Adentramos a um parque urbano e sem que tivéssemos contato com trânsito nem avenidas, chegamos ao centro de Florença. Para nós, brasileiros, acostumados com o trânsito caótico de nossas grandes cidades, chegar assim pedalando tranquilamente numa das cidades mais belas e turísticas do mundo, foi um verdadeiro sonho. Era o fim de mais uma gratificante jornada de bicicleta. Saímos com a certeza de que não só voltaríamos para lá, mas como levaríamos mais gente para ter a mesma experiência maravilhosa que tivemos.

© Walter Magalhães

Velotour Itália 2015

Trata-se de uma expedição aberta que o Clube de Cicloturismo irá realizar. Além da equipe de organização que realizou esta viagem, outros ciclistas podem integrar o grupo nessa vivência, porém, o número de participantes é limitado.

Embora exija certo preparo físico, o Velotour Itália não é restrito a atletas. É aberto a todas as pessoas com espírito aventureiro, dispostos a enfrentar desafios e a descobrir novos caminhos, passando por alguns momentos de superação pessoal. A viagem será no mês de setembro e as inscrições já estão abertas. Mais informações, vídeos e fotos no site do Clube de Cicloturismo: clubedecicloturismo.com.br


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