Em 2016, o paulistano Luis Antonio da Cunha (na época com 23 anos) resolveu mudar radicalmente de vida. Formado em desenho industrial, ele havia acabado de perder o emprego e notou que o mercado de trabalho oferecia poucas oportunidades para ele. Decidiu, então, sair do conforto da casa dos pais e conhecer a América, com apenas uma mochila e alguns equipamentos amarrados em sua bicicleta. Agora ele já acumula mais de 20 mil km de estradas percorridas pedalando e se prepara para encarar um novo trecho até o México, passando por regiões em conflito, selvas e até vulcões ativos, quando irá percorrer mais oito países nesse trajeto.

© Luis Antonio da Cunha

“Escolhi a bicicleta por ser um meio de transporte muito eficiente e de pouca manutenção. É uma forma muito confortável, saudável e independente de viajar, pois o ciclista pode parar ou seguir conforme seu gosto, sem depender de nada, além do esforço físico. Algo que me fascina também é a simplicidade. Por ser um meio de transporte muito econômico, praticamente todas as pessoas têm bicicleta, e assim ninguém se acanha em abordar um ciclista estranho, de perguntar algo ou até mesmo oferecer uma amizade”, explica. Cunha lembra que viajar com apenas alguns pertences amarrados a uma bicicleta não é fácil, mas é uma experiência única. “É uma viagem sustentável, ecologicamente correta e culturalmente muito rica”, explica ele, que está em busca de patrocínios de marcas de produtos sustentáveis para as novas etapas do projeto. O objetivo é contar com o apoio de empresas que ofereçam produtos ecologicamente corretos, economicamente viáveis, socialmente justos e culturalmente diversos.

© Luis Antonio da Cunha

Logo nas primeiras semanas de viagem, Cunha notou que tomar caminhos alternativos – fora das estradas principais – era a melhor opção. “Estar em rotas menos movimentadas, menos turísticas, permite uma absorção cultural mais genuína. Aprender sobre a economia local, os sotaques e costumes culinários é o que realmente me interessa”, conta ele, que desde o início da viagem alimenta um blog com suas experiências de viagem. O endereço www.umrisco.wordpress.com  traz mais de 15 relatos abrangentes e mais de 100 fotos sobre os locais visitados.

© Luis Antonio da Cunha

Para ajudar nas despesas, ele também produz uma série de postais (fotografa e imprime imagens deslumbrantes de diferentes ecossistemas), que vende pelo caminho de forma a angariar recursos para poder viajar. Além disso, ele intercalou longos períodos de bicicleta, quando chegava a pedalar 120 km por dia, a alguns dias de descanso/trabalho nas cidades, quando aproveitava para conhecer melhor a região e ganhar dinheiro. “Já trabalhei ao longo do caminho como designer, professor de surf, camareiro, barman, agricultor e na área da construção”, lembra ele, que é tema frequente de reportagens nas regiões onde passa e que também recebe a solidariedade da população, que abre as portas de suas casas para receber o brasileiro. “Em estadias mais longas, é muito comum trocar um pequeno serviço – de duas a quatro horas por dia – pela acomodação e comida, de forma a agradecer os anfitriões e incluir-se na rotina do lugar”, explica.

© Luis Antonio da Cunha

Segundo ele, a melhor forma de estar em contato com as realidades socioeconômicas e conhecer paisagens de beleza incomum é pedalar por diferentes ecossistemas do continente. “No segundo semestre de 2016 eu estava pedalando na Bolívia há mais de um mês por zonas desérticas, de grande altitude e muito frio. Minha meta era chegar ao Peru e eu sabia que de Cochabamba me faltavam muitas montanhas para chegar ao Titicaca. Comecei a estudar alternativas e cheguei na conclusão que se eu fizesse uma investida ao leste, poderia ir até o centro-oeste do Brasil e de lá pedalar ao norte até o Peru. Esse caminho foi muitíssimo mais longo, porém eu pude conhecer o clima de charco, pantanal, cerrado e amazônico, além de ver com os próprios olhos a realidade dos latifúndios e o desmatamento intensivo das matas brasileiras em função da expansão agropecuária”, lembra ele.

Em sua opinião, o ideal para conhecer a realidade de uma região é estar em contato com as pessoas. Por conta disso, ele evita ao máximo pagar por alojamento pois, além da grande economia (que permite que ele viaje por mais tempo), buscar hospedagem solidária o obriga a ter contato com a população local, e a entender a dinâmica social e cultural de cada região.

© Luis Antonio da Cunha

E são muitas as formas de conseguir apoio para descansar, e todas envolvem entrar na cultura socioeconômica de uma pessoa ou instituição. Sites como Couchsurfing e Warmshowers são muito legais e permitem planejar o descanso em certas regiões estratégicas – por exemplo, em cidades grandes, quando  há a necessidade de receber encomendas ou preparar-se para voos. Nesses serviços on-line, também é muito comum conhecer pessoas com os mesmos interesses que o cicloturista, e dessa forma trocar informações valiosas sobre rotas e pontos de interesse.

Outra opção importante de suporte em cicloviagens, em cidades grandes e médias de muitos países, são os Bombeiros Voluntários, que sempre ajudaram Cunha a descansar com segurança por períodos de até três dias, além de oferecer uma infraestrutura com wi-fi, cozinha e algumas vezes até cama. “Em meu caderno de viagem eu peço um carimbo e uma recomendação de cada corporação que passo, isso me ajuda a conseguir apoio na próxima cidade, além de ser uma linda recordação”, explica. Já no campo e nos povoados pequenos é comum ir de porta em porta e pedir um espaço para acampar. “Muitas vezes as pessoas me convidam para dentro de suas casas e posso conhecer uma realidade totalmente nova”, ressalta.

Nesses quase 800 dias de viagem, Cunha pôde aprender na prática muito sobre nossa América. “Conheci os rastros de civilizações que há mais de 10 mil anos habitaram os Andes, realizando grandes construções e desenvolvendo tecnologias para melhorar a eficiência da agricultura. Aprendi que nosso continente é o mais diverso em ecossistemas, e por isso é riquíssimo em recursos naturais, tendo as maiores reservas mundiais de cobre, lítio, bauxita e muitos minérios tão importantes para o mundo moderno, além de petróleo, água doce e gás natural. Nossas terras são muito férteis, e tudo que se planta, se colhe em abundância”, explica. “Me impressionou muito nunca ter ouvido falar dessa América tão rica na escola. Nunca tive contato com a língua espanhola, e tampouco com autores, escritores e artistas latinos. Acho que essa foi e está sendo uma das grandes motivações para desbravar este continente tão imenso em belezas e mistérios”, conta Cunha.

© Luis Antonio da Cunha

Depois de passar por diversas cidades e lindas paisagens do Brasil, ele avançou pelo Uruguai, cruzou a fronteira com a Argentina de leste a oeste pelos pampas e montanhas, pedalou pelo deserto do Atacama, no Chile, e conheceu os impressionantes contrastes paisagísticos e sociais na Bolívia. Regressou, então, ao Brasil pelo centro-oeste, em 2017, e pedalando por Rondônia e Acre, chegou ao Peru, país que percorreu de ponta a ponta pelas montanhas e vales amazônicos. Na sequência, percorreu o Equador entre as montanhas andinas e o litoral, e viajou pelo ocidente colombiano, até seguir de barco para o Panamá, onde pedalou mais 120 km, totalizando nove países conhecidos em sua bicicleta. Agora, depois de passar pelo Brasil para descansar uns dias e visitar sua família, ele segue rumo ao México.

© Luis Antonio da Cunha

Quem quiser saber mais sobre essa incrível aventura pode visitar o site A vida virou um risco e as redes sociais de Cunha (Facebook Instagram) que trazem belas fotos e muitos depoimentos (em português e espanhol). Todo esse material vai virar um livro, no qual ele falará sobre as dificuldades, descobertas e curiosidades de sua experiência.