Estava ensaiando para fazer o Circuito dos Anjos há meses. Como sempre, colho todas as informações possíveis e uma delas era unânime, a elevação acumulada durante todo o trajeto. Entretanto, quando iniciei o circuito outros obstáculos surgiram, como acontece em toda a cicloviagem, e uma que me deparei durante boa parte do trajeto foi o terreno. Para você que curte pedalar na terra, aqui você encontrará de tudo – poeira, pedras soltas, lajotas sextavadas, calçamento pé de moleque e asfalto.

© Nestor Freire

Acostumado a cicloviagens mais longas, um circuito de 240 km não me parecia tão desafiador, mas após passar pela experiência estou certo que não somente a preparação física é essencial para a conclusão do circuito, mas o fator psicológico fundamental. Sim, você vai pensar em desistir quando subir 21 km de serra contínua logo no primeiro dia; quando tiver que empurrar você, sua bicicleta e equipamento ladeira acima numa subida de calçamento pé de moleque ou ainda quando a fadiga chegar e lhe dizer: pare! Não quero lhe assustar, se é que já o assustei, mas sempre acredito que quanto mais informação, mais preparado você estará para encarar este desafio. Por fim, a dica que eu sempre dou a cicloturistas e que, nesse caso, deve que ser levada à risca: “carregue o menor peso possível. O seu medo é proporcional ao peso que você carrega: medo de passar frio – mais roupas, medo de ficar doente – nécessaire maior. Aqui o necessário é o básico que você precisará para suas necessidades e ser feliz”.

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O lado bom de tudo isso é que completar o Circuito dos Anjos é, sem dúvida, uma experiência única. Saindo da simpática cidade de Passa Quatro, o cicloturista é levado ao Parque Estadual da Serra do Papagaio, localizado na Serra da Mantiqueira, englobando importantes conjuntos montanhosos como as Serras do Garrafão e do Papagaio. Essa se interliga geograficamente com a porção norte do Parque Nacional do Itatiaia. O ponto mais alto do trajeto fica a 1.850 m, 19 km depois da cidade de Aiuruoca e de beleza sui generis. Diversas cachoeiras, com destaque à Cachoeira dos Garcias, também fazem parte do circuito. O povo mineiro é sempre muito acolhedor e lhe recebe com aquela culinária típica e muita hospitalidade.

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Enfim, esse é o Circuito dos Anjos, feito em quatro dias de pedalada com início e fim em Passa Quatro, passando por vilarejos e as cidades de Alagoa, Itamonte, Aiuruoca, Baependi, Caxambu e São Lourenço.

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Dia 1
Passa Quatro » Alagoa

Distância: 65 km
Elevação acumulada: 2.100 m

A saída do circuito se dá em frente à Pousada Pedra da Mina. A partir de lá já se pode observar as setas amarelas que lhe indicarão o trajeto até o fim. A partir do km 4, você já enfrentará uma subida para apenas aquecer suas pernas e seu espírito de aventura. No km 12 você encontra a Cachoeira do Delfim (há uma placa indicando o local). Ótimo local para tomar um banho de rio. No km 15 você alcança o Bairro Jardim e há uma seta amarela à direita que lhe levará a Itamonte. Os próximos 9 km são fáceis de percorrer, porém, bem empoeirados. Embora esteja numa estrada de terra batida, fique atento ao fluxo de veículos e de caminhões. Chegando a Itamonte, você percorrerá um trecho de asfalto até o km 31 onde há uma entrada para a Represa dos Braga e no km 38 há um último mercado para abastecimento antes da temida subida da Serra. A partir do km 38 serão 21 km de subida em terreno de lajota de concreto sextavada. Você passará pelo meio da Serra do Garrafão e no final haverá uma seta amarela à esquerda que lhe levará a Alagoa. A chegada à cidade de Alagoa é tranquila, com algumas opções de hospedagem.

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Dia 2
Alagoa » Cachoeira dos Garcias

Distância: 47 km
Elevação acumulada: 1.475 m

De Alagoa a Aiuruoca são 32 km. O trajeto é fácil, com subidas e descidas leves. No km 28 há um estabelecimento denominado Pocinho. Neste local o rio da Cachoeira dos Garcias é represado e forma uma linda piscina natural. A partir de Aiuruoca suas pernas serão muito exigidas. Você percorrerá 1 km de asfalto até chegar num trecho da estrada que você entrará à esquerda indicando a Cachoeira dos Garcias. Deste ponto até a cachoeira você só subirá. A partir de certo momento, haverá um entroncamento indicando a cachoeira e o piso será em calçamento pé de moleque. Tome cuidado, há pedras soltas, a estrada é íngreme. A partir daí serão 9 km de subida. Chegando à porteira da Cachoeira dos Garcias há uma indicação: entrada para humanos/entrada para duendes. Como você não é humano e nem duende, é cicloturista, continue reto por mais 1 km e encontrará uma placa escrita “Casal Garcia”. Aleluia, você pernoitará aqui. O Juninho e a Renilda formam o casal mais simpático que já conheci. Sua casa fica acima da cachoeira com trilha de fácil acesso. De lá você conseguirá reverenciar o nascer do sol e degustar a espetacular culinária caseira de Juninho. Não há luz elétrica, a iluminação é com velas. O banho é quente e aquecido pelo forno a lenha. Tudo isso dá à cabana o maior charme. Conheça a cachoeira e suas jacuzzis e pernoite aqui que não se arrependerá. Encha-se de energia, pois a maratona continuará pesada no próximo dia e você pedalará muito.

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Dia 3
Cachoeira dos Garcias » São Lourenço

Distância: 71 km
Elevação acumulada: 1.490 km

Saindo da Pousada do Casal Garcia você subirá por mais 3 km até o ponto mais alto da viagem. Aqui você estará a 1.850 m de altitude e poderá avistar boa parte do Parque Estadual. Embora o percurso seja de descenso, há ainda algumas subidas íngremes, principalmente uma que antecede a Casa Rosa. Na Casa Rosa é possível almoçar e tomar algo. O calçamento do descenso também é no estilo pé de moleque, então, tome muito cuidado, pois também há pedras soltas. Verifique o freio da sua bike, pois aqui ele será muitíssimo exigido. A partir do final dessa primeira descida, há uma subida e uma bifurcação que ambos os lados levarão a Baependi. Há uma seta amarela indicando à direita que margeará o rio e lhe levará até o Espraiado do Gamarra. Há duas cachoeiras no caminho, a do Inferninho e do Caixão Branco, km 17 e km 25, respectivamente. No espraiado, há uma pequena praia e cachoeira. O acesso à área de areia da praia é feito a 500 metros à frente, pelo lado direito. Até Baependi a estrada é de terra batida e você passará por diversas fazendas. De Baependi a Caxambu você pegará um trecho da Estrada Real, relativamente fácil, assim como até São Lourenço que lhe recepcionará com a última subida do dia. Chegando a São Lourenço, vá conhecer a Igreja Matriz São Francisco de Assis, bela e imponente.

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Dia 4
São Lourenço » Passa Quatro

Distância: 57 km
Elevação acumulada: 1.090 km

O dia começa com uma subida em lajota sextavada até chegar ao topo da montanha, onde você poderá avistar a cidade de São Lourenço e seguir viagem pela estrada de terra por um longo trecho plano de terra batida. Após 26 km você entrará no asfalto. Com cuidado redobrado na estrada, você seguirá até a entrada do Vilarejo do Porto/Passa Quatro. O percurso de 10 km até o vilarejo é tranquilo e a paisagem será de montanhas e fazendas. Chegando ao Vilarejo do Porto, abasteça-se, pois você enfrentará a última serra antes de Passa Quatro. Serão 311 m de elevação e quando chegar no topo da serra você adentrará a uma floresta mais densa. Agora falta pouco! A 5 km do final, uma última cascata. Pare, tome um banho, agradeça a Deus pela oportunidade de percorrer o Caminho dos Anjos e continue até Passa Quatro onde começou o percurso.