Queríamos ampliar nossos horizontes e conhecer formas diferentes de viver a vida

No auge dos vinte e poucos anos estávamos nós, Djoe e Iris, em meio às nossas graduações e um tanto descontentes com o academicismo e com a forma que a “vida adulta” nos era apresentada. Queríamos ampliar nossos horizontes e conhecer formas diferentes de viver a vida, pois nossos interesses pessoais iam muito além daquilo que estava “no script”: estudar, trabalhar, casar, ter filhos, casa, carro e viajar de vez em quando. Assim sendo, precisávamos encarar o desafio de ir atrás de exemplos onde essa lógica não fosse seguida e que pudessem manter aceso em nós o desejo de um estilo de vida que contemplasse nossos anseios de liberdade pessoal, autonomia, autoconhecimento, cooperação, contato e respeito com a natureza etc.

Foi aí que a viagem de bicicleta nos pareceu cair como uma luva, pois a bike é um dos meios de transporte mais baratos e sustentáveis que existem, sendo movida pela vontade de quem pedala e trazendo uma autonomia que nenhum outro veículo poderia nos dar. Além disso, as intermináveis horas de imersão em um contato muito mais próximo com a natureza nos levariam diretamente a um estado contemplativo-meditativo que seria muito mais benéfico pra nós do que qualquer pressão por prazos já vividos em estudos e trabalhos anteriores, uma vez que boa parte do tempo da viagem se resume a estar sozinho na beira da estrada pelos interiores que ligam cidades distantes. Além disso, através da bicicleta seria muito mais fácil conectar-nos com as pessoas de cada localidade e, assim, construir uma rede que certamente nos levaria aos aprendizados que buscávamos.

Como universitários desempregados, nossos esforços financeiros se resumiram basicamente em vender comida e tocar nas ruas e praças da cidade de Pelotas – RS, cidade onde passamos praticamente um ano inteiro nos organizando pra partir pra essa aventura. Ao final desse ano, no dia em que saímos de casa tínhamos no bolso exatos R$67,00. Conosco, bem firme em nossas bicicletas, havia praticamente tudo que precisaríamos pra conseguir sobreviver pelos próximos dias ou anos. Todas as nossas economias haviam sido gastas anteriormente fazendo os últimos ajustes e adaptações na Brisa e na Dizi, nossas bicicletas, e comprando alguns equipamentos de camping que nos dariam o mínimo de conforto necessário pra não abandonarmos a missão logo nos primeiros perrengues.

Partimos da cidade com nossos ouvidos cansados de palavras como “isso é loucura”, porém ávidos pelo som do vento sendo cortado pelos – não muitos – km/h de nossos movimentos diários. Já havíamos experimentado antes viagens com baixo custo como mochileiros pelas praias uruguaias e sabíamos que com uma boa dose de abertura, disposição e força de vontade, encontraríamos em nosso caminho tudo aquilo que fosse preciso. 

Viajar barato significa que você precisará fazer muitas coisas por si mesmo. Não há baixo orçamento que sustente uma vida repleta de almoços em restaurantes e noites em pousadas. Portanto, cozinhar, acampar e/ou hospedar-se solidariamente, somados a um meio de transporte que não exige gastos extraordinários, formam uma tríade muito consistente pra a base de suas economias. Numa cicloviagem, alimentação e hospedagem são os maiores gastos e, por maior quantia que se tenha ao sair de casa e por mais que você economize, uma hora o dinheiro acaba. Se a ideia é viajar por tempo indeterminado ou com poucos recursos iniciais, você precisará sim ou sim desenvolver métodos de chegar aos dias de “gasto zero”, e também desenvolver maneiras de fazer algum dinheiro pelo caminho.

Nesse ponto, muita gente se pega no pensamento de “mas eu não sei fazer nada!”. Ledo engano! Aqui há de se pensar que numa viagem sem data de término ou sem grana suficiente pra bancar todas as necessidades, nossa maior riqueza se torna algo que vem de uma fonte inesgotável: TEMPO. Com nosso tempo e nossa mão de obra, aliados a uma boa dose de criatividade, podemos fazer as mais diversas coisas pra conseguir o dinheiro necessário pra seguir em frente. Diversos são os casos de pessoas que, vendendo brigadeiros nas ruas, levantaram grandes quantias pra realizar seus sonhos. Outros, com suas performances artísticas dão vida a algum passeio público ou restaurante, ganhando em troca algum dinheiro que será extremamente útil. Há também todo o tipo de demanda ao longo do caminho que se faz útil: lavar uns pratos, cortar uma grama etc. 

Além disso, outra prática que se mostra eficaz pra baratear a viagem e, principalmente, estabelecer conexões mais profundas com os moradores locais, é a troca de trabalho por estadia. Hostels e campings ao redor do mundo todo constantemente precisam de voluntários pra tarefas simples do dia a dia, como limpeza, manutenção e atendimento aos clientes. Estar em uma cidade e ter um bom lugar pra hospedar-se gratuitamente em troca de algumas horas diárias de dedicação pode ser amplamente enriquecedor em sua cicloviagem, especialmente pelo fato de que você estará, a cada voluntariado, potencialmente aprendendo coisas novas – as quais poderá ofertar numa próxima situação – e estabelecendo relações mais profundas com as pessoas que cruzam seu caminho e se abrem à sua proposta e seu projeto. 

Dessa forma, estamos na estrada desde 2017 com um orçamento que na maioria dos meses ficou entre os 300 e 500 reais gastos por nós dois. Isso mesmo, você não leu errado! Com o tempo fomos descobrindo novas formas de economizar e monetizar nossa viagem, as quais você também pode conferir acessando nosso canal no YouTube: Coragem na Bagagem – Cicloturismo. Aqui resumimos a proposta e possibilidade de se fazer uma viagem de baixo custo, lembrando que ela é válida pra todas as pessoas que queiram experienciar momentos mais ricos em presença do que em dinheiro, e isso não depende do quanto você tem no banco e sim da sua disposição e abertura pra desapegar e viver o simples, ainda que seja numa curta viagem.

Boas pedaladas e até a próxima!