Para muito além do simples ato de viajar, mais que transpor distâncias sobre a bike, mais ainda do que jogar-se em um desafio pessoal, o cicloturismo resulta em uma experiência de aprendizado constante, cuja sala de aula não possui paredes e o professor é o próprio caminho.

Nas páginas e no portal da Revista Bicicleta temos acompanhado a trajetória de um grande número de cicloviajantes, que em quase sua totalidade, relatam a emoção das descobertas associadas tanto à paisagem quanto à cultura das localidades visitadas.

Quando falamos em cultura, queremos traduzir aqui todo o fazer humano recoberto de sentido. Então, seja na sonoridade da fala e do sotaque, seja nos detalhes das construções, ou na gastronomia típica, artesanato e na indumentária, enfim, a cultura estará sempre presente e dando significado ao que tencionamos conhecer, àquilo que caracterizará determinado povo e sua história, em essência.

Como cicloturista, dou certo grau de importância às pessoas que encontramos pelos caminhos porque são elas as peças de articulação da engrenagem chamada turismo (figurativamente), e é através do contato com elas que se darão as experiências que tornarão inesquecível aquele roteiro.

Pelo cicloturismo podemos acessar determinadas comunidades que ficam localizadas fora do eixo tradicional de estradas de rodagem preferidas pelos automóveis. Ao mover-nos por estradas vicinais estamos mais próximos, por exemplo, de uma vindima (época de colheita da uva), do processo de obtenção do vinho e da cultura que o envolve lá nos Caminhos de Pedra de Bento Gonçalves – RS; ou experimentar o Queijo Canastra na Serra de mesmo nome, que tem um similar em outra parte do mundo, na região de Viseu, na localidade de Serra de Estrela – Portugal. Ou quem sabe ter a possibilidade de assistir a produção de peças de cristais Cá d’Oro, na simpática e acolhedora cidade de Poços de Caldas – MG. Nestes espaços, o viajante silencioso (cicloturista) interage com o lugar, sua gente, sua prática cotidiana, e aprende com isto. Uma das tônicas da cicloviagem é, sem dúvida, a possibilidade de conhecer como acontece a vida do outro, e tratar de guardar estes conhecimentos em uma memória afetiva e vivencial de grande valor. Tudo isto colabora para que a viagem cicloturística também seja um momento especial de autoconhecimento, de aprofundar-se em si e até mesmo de redescobertas.

Há muito por descobrir. Silenciosamente, o cicloturista acede a comunidades produtoras de lichia com suas propriedades anticãibras e antiobesidade; artefatos em entalhes de madeira (Treze Tílias – SC), teares, geleias, degustar a melhor cracóvia feita no Brasil na colônia ucraniana de Prudentópolis – PR, ou até mesmo se encantar com as obras de arte feitas com capim dourado, como as que encontramos na região do Jalapão – TO.

Um convite à descoberta! Enquanto se desenvolve a viagem cicloturística, ao olhar a paisagem, por exemplo, vamos acessando nosso repertório de conhecimentos comparando as imagens percebidas com aquilo que um dia aprendemos em casa, na escola ou lendo um livro de Guimarães Rosa, como Grandes Sertões: Veredas, por exemplo. Ao cruzar com cidadãos rurais pelo caminho, por vezes somos tentados a parar para tomar uma informação e, quem sabe, estender-nos em uns minutos de prosa. Aos poucos vamos percebendo que nossa necessidade de conhecer é diretamente proporcional à necessidade do outro de dar-se conhecer. É uma troca, que não precisa ser nem na mesma medida e nem na mesma espécie. O conhecimento proporcionado pelo contato com o diferente, nestas circunstâncias cicloturísticas, promove o estabelecimento de um elo de afeto pela localidade, e, por conseguinte, aumenta o valor da experiência que almejamos.

Algumas regiões, dentro e fora do Brasil, já se encontram desenvolvidas e organizadas para receber o cicloviajante, proporcionando uma estada repleta de serviços e de contato com uma realidade diferente. Mas, a grande maioria dos lugares que poderão oferecer muito ao cicloturista ainda faz parte de regiões não preparadas para este perfil de turista. Porém, isto não impede que se percorra tal conjunto de caminhos, tomando todas as precauções necessárias no tocante à comunicação, autonomia (água, alimentação, reparos e abrigo) e riscos.

Existe um sem-número de destinações pelo Brasil esperando pela formatação de roteiros de maneira profissional, ainda assim é possível realizar uma viagem planejada e inesquecível na companhia da bike por estes trechos.

Na verdade, estes caminhos estão repletos de gente bacana e simples que também quer conhecer você e sua história, basta escolher seu destino, planejar a viagem e colocar-se em marcha.

Caminho dos Anjos – sul de Minas Gerais © Marcos Túlio