Fazer um programa conjugando viajar por rotas cênicas e finalizar com uma Maratona em Amsterdam não deixa de ser um desafio, principalmente pelos aspectos de logística, idioma, clima e ambientação.

A Holanda é considerada um país com grande tradição ciclística pela sua infraestrutura em ciclopistas, bicicletas para todas as idades e total respeito ao ciclista.

Um amigo maratonista que já havia corrido em Amsterdam em 2012 topou o desafio e naquele momento a viagem começava. Inscrição, viagem aérea e hotéis de chegada foram os pontos de partida, desta forma, a data e o local do pedal já estavam definidos. A seguir veio o planejamento para definir as rotas, logística, entender o funcionamento das regras de ciclismo, e demais detalhes a serem seguidos por lá.

© Carlos Poncinelli e Wanderley Lemos

Pesquisando o país

Sobre a Holanda, o site oficial de turismo é uma boa e confiável fonte de informação, em www.holland.com/br/turismo.htm. Aprendemos que a Holanda tem nada menos que 29 mil quilômetros de ciclovias; que todo holandês possui uma bicicleta, e existem duas vezes mais bicicletas do que carros.

O país é formado por doze províncias: Noord-Holland, Zuid-Holland, Zeeland, Noord-Brabant, Utrecht, Flevoland, Friesland, Groningen, Drenthe, Overijssel, Gelderland e Limburg.

Plano do Cicloturismo

A rota do cicloturismo passaria por duas das doze províncias, Noord-Holland (Amsterdam, Volendam e Haarlem) e Zuid-Holland (Gouda, Rotterdam, Delft e Den Haag). Geralmente buscar dicas e consultar blogs e revistas especializadas é um excelente ponto de partida, em que se encontram diversos roteiros de pessoas que se aventuraram, tanto em excursões sofisticadas contemplando apoio, hospedagem e degustação de vinhos, quanto outras, mais duras, com um turismo autônomo e prolongado por vários anos. A inspiração e referência vieram de exemplos como as narrativas e filmes de Antônio Olinto e Rafaela, Aurélio Magalhães com seu detalhado roteiro “Noruega By Bike”, Arthur Simões em sua aula de geografia passando por 46 países, em três anos e dois meses para cobrir 40.000 km, apenas para citar alguns, assistidos, lidos e relidos.

A escolha do roteiro precisava contemplar alguns requisitos básicos, talvez o principal, a segurança e o respeito ao ciclista poderiam ser melhor encontrados em países onde esse tipo de mobilidade tem maior tradição e pelo modo com que os gestores e políticos se preocupam com o assunto.

Outro fator que fomos descobrindo aos poucos é que existe na internet uma rica fonte de informações sobre rotas, excursões, leis a serem seguidas, equipamentos de segurança, locais para alugar as bikes, consertos, hospedagens e dicas interessantes. O principal site foi o “Holland-Cycling.com”, um guia on-line para pedalar pela Holanda. Nesta fantástica ferramenta, preenchendo a cidade de origem e destino, bem como escolhendo um tipo de rota, que pode ser cênica, avançada ou outras, tem-se como resultado o mapa da rota, com zoom de detalhamento, a velocidade desejada, duração e quanto será economizado em CO2.

© Carlos Poncinelli e Wanderley Lemos

Estudar cada ponto que o roteiro indica é muito importante, pois descobrimos que existem rotas com travessia de barco, às vezes feita de forma rústica e solitária, às vezes em uma embarcação com marinheiro. Em todos os casos é fundamental ver o horário e tipo de barco para escolher a travessia mais adequada, ou ver alternativas mais fáceis mudando a rota inicialmente planejada.

Estudar as questões relativas ao código de trânsito, normas e princípios é muito importante, pois sempre é recomendável seguir o código e não os maus exemplos, além de cuidados quanto ao travamento da bike nos estacionamentos permitidos e as precauções para evitar os mais diversos tipos de roubo.

Lembrar sempre que as leis lá são feitas para serem cumpridas, dá multa imediata e você é um estrangeiro e não deve fazer feio ou abreviar a viagem. Em nosso caso, ainda existiria uma Maratona a ser realizada ao final.

O nosso roteiro

Em um roteiro de opção circular, o desejo era cobrir o trajeto a partir de Amsterdam, passando por Gouda (50 km), Rotterdam (22 km), Haia (Den Haag passando por Delft 16 km + 9 km), Haarlem (22 km) e Volendam (ida e volta a Amsterdam, 40 km). O período escolhido foi de 8 a 14 de outubro. Para esse cicloturismo optamos pelas rotas de curta distância, por passarem em trechos mais urbanos, o que diminuiu o risco de nos perdermos pelo caminho.

© Carlos Poncinelli e Wanderley Lemos

Primeiro dia – Ambientação

Alugamos as bikes na Mac Bike e informamos o roteiro desejado para avisar que estaríamos viajando com as bikes (apenas por uma questão de prudência). Nesse momento foi gerado o contrato, incluído o seguro e garantia pelo cartão de crédito. A bicicleta é simples, com três marchas, campainha, três elásticos para prender a bagagem na carregadeira.

Compramos um mapa impresso por garantia, nele haviam três rotas (Durgerdam, Broek in Warterland e Marken Route). Ele indicava que havia travessia por ferry, junções entre rotas, cafés ou restaurantes e pontos de observação. As junções são encontradas em placas ou totens pelo trajeto. A rota cênica do mar que leva de Amsterdam a Volendam é a Marken Route. Foram quatro horas de viagem.

Pela estrada formada por pôlderes, faceando o mar de Marken (Markemeer), muitos patos selvagens, pescadores e turistas. Volendam é uma cidade bonitinha e agitada em seus cafés, bares e porto, com turistas de diversas nacionalidades. Voltamos para Amsterdam por um caminho mais curto, pois era importante não pegar a estrada à noite.

Segundo dia – Amsterdam a Gouda 50 km

Saímos do Hotel WestCord Art, na Spaarndammerdijk, e seguimos o mapa em direção a Gouda. Passamos por Amsterdam-Zuid e Amstelveen até chegar a Bodegraven, onde ficava nosso hotel Tulip Inn. O trajeto é muito bonito, passando por fazendas de rosas, canais e criações de ovelhas e gado leiteiro. Visitamos Gouda e retornamos ao hotel.

© Carlos Poncinelli e Wanderley Lemos

Terceiro dia – Gouda a Rotterdam 38 km

Passamos por Waddinxveen, Moordrecht e NieuwerKerk, para chegar a Rotterdam pela ponte Erasmusbrug. Esta é uma ponte estaiada e basculante no centro de Rotterdam, que liga o norte e o sul da cidade. Com 802 metros de comprimento, homenageia Desiderius Erasmus, um proeminente humanista cristão do Renascimento.

A impressão é que Rotterdam é uma cidade de porte mais industrial, onde tudo está relacionado ao porto. A arquitetura moderna e arrojada se combina a prédios antigos, como o da prefeitura. O Markthal, mercado municipal, é um excelente exemplo, combinando residência e mercado.

Quarto dia – Rotterdam a Haia 19 km

Tivemos a oportunidade de passar sob o rio Novo Mossa (Nieuwe Maas) utilizando um túnel com esteiras rolantes para facilitar descer e subir com as bicicletas. Este túnel foi concluído em 1942, com 1.373 metros, e é mais um marco da engenharia holandesa.
Em direção ao norte, passamos por Delft, cidade de estilo aconchegante com seu centro histórico, canais, o azul e branco da porcelana e sua associação com a Casa Real de Orange-Nassau. Também está lá a maior universidade tecnológica da Holanda.

Seguimos por Delfteweg e chegamos ao centro de Haia, que é a sede do governo holandês, com o Parlamento, o Supremo Tribunal e o Conselho de Estado. Mas a cidade não é a capital dos Países Baixos, que constitucionalmente é Amsterdam.

Considerada a terceira cidade mais importante da Holanda, possui um centro com arranha-céus e modernos prédios conjugados com feiras tradicionais de alimentos e flores. A estação ferroviária também é de um arrojo fenomenal. Ficamos em um hostel e deixamos as bicicletas em um estacionamento público. Lá pagamos 50 centavos para cada bike por 24 horas, com muita tranquilidade para estacionar e proteger nossos veículos.

© Carlos Poncinelli e Wanderley Lemos

Quinto dia – Haia a Haarlem 50 km

Seguimos o trajeto via N208, que passava por Leiden e costeava a estrada. Era um trajeto com menos vento do que indo pela costa do Mar do Norte, e mesmo sendo mais bonito, poderia ser mais duro de vencer. A cidade de Haarlem é um sofisticado centro turístico, com inúmeras lojas de grife, ruelas com casas de janelas ornamentadas e um grande portal de entrada.

Sexto dia – Haarlem a Amsterdam 19 km

Seguimos viagem pela Via 20, que basicamente seria uma reta costeando a rodovia principal. No caminho, já chegando aos arredores de Amsterdam, encontramos um casal de alemães que viajava em uma bicicleta tandem. Conversamos um pouco sobre nossas experiências e trocamos fotos.

Quando chegamos à estação central, devolvemos as bikes e o cálculo do número de dias ficaram em cinco, o que gerou um custo total de 132 euros pelas duas bicicletas. Ao fim e ao cabo, nosso primeiro objetivo estava cumprido, sem nenhum incidente e nenhum pneu furado. Também pudera, com um pavimento daquele nível e a nossa prudência, era de se esperar.

No domingo, realizamos o objetivo final, com a largada para a TCS Amsterdam Maratona 2016, 41ª edição com impecável organização. Corremos os 42,195 m e retornamos para casa satisfeitos, com as medalhas no peito.

Concluindo, foi muito boa a experiência. Fica o desejo de que nossos administradores aprendam e implantem mais ciclovias por aqui. É incrível entrar em parques e bosques pelo caminho e ter a certeza de que sua integridade física não seria atacada, além de circular em um trânsito tão harmônico. Foi uma excelente viagem, cultural, gastronômica e de perfeita integração com natureza, harmonia e clima.

© Carlos Poncinelli e Wanderley Lemos

Bagagem

Levamos roupas e apetrechos para os seis dias, sem carregar peso excessivo, mas protegidos de uma temperatura que variava entre 7°C pela manhã e 20°C às 14 h, com queda de até 5°C à noite, e ventos de 18 km/h, mas sem chuva.

Para o pedal, um training ou blusão que cortasse o vento e fosse impermeável, um fleece para aquecer e manter uma temperatura confortável, e por baixo uma segunda pele; meia térmica e tênis de corrida; luvas de ciclismo com dedos protegidos; cachecol e gorro. Para o turismo nas cidades, uma calça normal, blusa ou fleece sobre a segunda pele, um blusão e luvas.

Mapas e trajeto

Com o roteiro definido, o que realmente foi fonte de informação na parte das estradas foi o Google Maps no celular. Perto das cidades e parques havia placas indicativas com as cores das rotas e a distância para as cidades próximas.

Para atravessar ruas, avenidas e estradas existiam sinais para bicicletas, os quais eram acionados por botão quando chegávamos neles. Não usamos capacete – na Holanda não é obrigatório -, pois mantivemos uma velocidade média de 15 km/h, o que era ideal para termos um pedal tranquilo e apreciar os canais, o campo, o ir e vir dos ciclistas, uns viajando e inúmeros utilizando para trabalho ou compras.

© Carlos Poncinelli e Wanderley Lemos

As bicicletas vinham com faróis e lanternas e estes seriam de uso obrigatório à noite. As três marchas da bicicleta foram suficientes e resultaram num bom desempenho.

A atenção com travar a bicicleta era de extrema importância. Na maioria dos hotéis, as bicis eram guardadas em seus pátios internos ou junto com os carros nos estacionamentos. Em Haia, foi sugerido pararmos num estacionamento público e pagamos apenas 50 centavos de euro por um dia.

Muitas vezes fomos surpreendidos sendo ultrapassados por senhores e senhorinhas de idade pedalando ativamente. Estas foram cenas que muito nos chamaram a atenção e nos fizeram pensar como aquele povo é forte e saudável, talvez um bom exemplo a ser pensado aqui por nossas terras.

© Carlos Poncinelli e Wanderley Lemos

Recomendações

Estudar e planejar todos os pontos logísticos da viagem é fundamental, assim como ler sobre os locais, ver o roteiro mais adequado e estar com roupas e bagagem bem dimensionadas. A bicicleta deve ser compatível com o terreno; em nosso caso eram caminhos pavimentados e planos, o que permitia que a bicicleta, mesmo de ferro, tivesse bom desempenho.

O fato de termos programado distâncias de 50 a 60 km facilitou pedalarmos por algumas horas do dia e fazermos turismo na maior parte dele. A escolha do outono, apesar do frio, se deu por ser uma época de pouca chuva, pois ela seria um ponto chato e preocupante. Não fizemos muitos planos alternativos, pois mantendo a segurança e o cuidado, a viagem não teria como não ser o sucesso que foi.

Texto

Carlos Poncinelli e Wanderley Lemos