A palavra “turismo”, deriva de “tour”, oriundo do latim “tornare” e do grego “tornus”, tendo como significado “giro” ou “círculo”. Assim, podemos entender que o turismo consiste no ato de partir e posteriormente regressar ao ponto inicial, onde o realizador deste giro é denominado turista. Nunca me preocupei muito com o significado da palavra “cicloturismo” até o dia em que fui convidado para proferir uma aula no primeiro curso brasileiro de pós-graduação em esportes de aventura.

Pela primeira vez tive que conceituar “cicloturismo”, fácil… “turismo de bicicleta”! Mas o que é turismo?

Quando comecei a pesquisar sobre o conceito de turismo percebi que era algo bem longe de ser unificado, justamente por também ser muito abrangente. Ao invés de informar um conceito, percebi que deveria simplesmente dar meu próprio entendimento, minha percepção, para que, ao longo do tempo, após a formação de uma ideia geral, fosse formado o conceito de cicloturismo entre nós brasileiros.

Tenho amigos que conceituam cicloturismo pelo espírito com que se pedala. Para eles, por exemplo, podemos fazer cicloturismo dentro de nossa própria cidade. Acredito que essa metodologia não é correta, pois já existe uma palavra melhor para definir esta atividade: “passeio de bicicleta”.

A bagagem ajuda o viajante a se relacionar mais e possivelmente aprender mais sobre as pessoas do local. © Ayacucho, Andes Peruanos

Há quem prefira utilizar a palavra “cicloviagem”. Neologismos como “cicloabraços”, “cicloisso” ou “cicloaquilo” nem sempre pegam, basta fazer uma consulta no Google para constatar que não é produzido muito conteúdo com essa palavra.

Afinal, para mim, o modo mais simples e correto de definir cicloturismo é “viagem de bicicleta”. Por isso digo que não fazemos uma viagem de bicicleta em nossa própria cidade, podemos sim, fazer um passeio de bicicleta em nossa cidade.

Continuando nesse entendimento, a palavra “viagem” pressupõe certa distância, não costumamos utilizar essa palavra para curtas distâncias. Mas quem pode definir o que é curto e o que é longo?

Eu poderia agora utilizar meus parâmetros de volta ao mundo e elitizar o conceito em “x” quilômetros, mas isso não é correto, pois há quem percorra 300 km em um dia e quando chega em casa diz à esposa que saiu para dar uma volta de bicicleta.

Prefiro manter certa subjetividade nesta resposta para abranger uma das melhores características do cicloturismo: a atração quase que compulsiva das pessoas locais pela atividade do cicloturista. O viajante geralmente é reconhecido ou diferenciado por estar carregando algum equipamento em sua bicicleta.

Rota das Lagunas, no Sul de Lipez, Bolívia © Rafaela Asprino

Sendo assim, gosto de classificar como viagem, não uma distância em quilômetros, e sim uma distância grande o bastante para obrigar àquele específico indivíduo a passar pelo menos uma noite fora de seu lar e, por isso, também deverá carregar consigo tudo o que seria necessário para seu pernoite (mesmo que fique em um hotel e que carregue somente algo para higiene e uma troca de roupa). É esta bagagem que ajudará o viajante a se relacionar mais e possivelmente aprender mais sobre as pessoas do local. É uma das maiores vantagens de viajar de bicicleta.

Quem carrega com sua própria força tudo o que necessita, tem maior felicidade de aprender sobre desapego, afinal, os esforços nas subidas nos fazem repensar necessidades. (local da foto: Himalaias Indianos) © Rafaela Asprino

Tá Olinto, mas e quando a gente pedala por semanas e centenas de quilômetros com um carro de apoio, é cicloturismo?

Bem, aí começa o problema com a abrangência da palavra “turismo” que comentei.

Existe turismo cultural, turismo de negócios, esportivo (tipo copa do mundo), etc.

Deixe-me utilizar um exemplo: quando alguém baixa um track log qualquer da Estrada Real e sai pedalando olhando o tempo todo para o GPS, acaba perdendo de ver e compreender muito da história de nosso país. Mas ele “fez” a Estrada Real. Entretanto, se tivesse estudado um pouco sobre história ou pelo menos lido nossos guias antes de viajar, poderia desfrutar de outras facetas desse tipo de viagem (turismo histórico).

Devido ao risco e a imprevisibilidade de determinadas viagens, as denominamos de “cicloturismo de aventura”. © Rafaela Asprino

Da mesma forma, quem viaja com carro de apoio certamente poderá ir mais longe com menos esforço, mas poderá perder este cartão de apresentação que é a “bicicleta carregada”. Grosso modo, é como comparar uma viagem com uma agência e outra viagem independente, ambas são viagens, mas proporcionam experiências diferentes.

Nesse específico quesito posso comentar mais, pois logo no início da volta ao mundo passei a ver a viagem não como uma forma de lazer ou entretenimento, e sim uma forma de aprendizado. Quem carrega com sua própria força tudo o que necessita, tem maior facilidade de aprender sobre o desapego, afinal, os esforços nas subidas nos fazem repensar necessidades. Quem viaja com carro de apoio terá menos estímulos para estes aprendizados.

Em 2013, em Ladakh (Índia), fizemos a travessia do Shang-la com “cavalo de apoio”. © Rafaela Asprino

Então Olinto, qual o melhor cicloturismo?

Isso depende do que cada um busca, deseja ou está preparado. Eu gosto de todos…

Devido ao meu caráter independente, em meu histórico só tenho uma viagem com carro de apoio (de Paraty até Brasília em 1998), que deixou belas lembranças de convívio com os outros seis ciclistas do movimento Bicicleta Brasil.

Em 2013, em Ladakh (Índia), fizemos a travessia do Shang-la com “cavalo de apoio”, que é parecido, mas não é igual…

Este gosto pela independência é que determina nossa opção de trabalho. Eu e a Rafaela apostamos na divulgação do cicloturismo através de guias com informações de qualidade para pessoas que buscam uma viagem independente, em grupo ou não.

Quando movidos por um desejo interno, ultrapassamo a barreira do desconhecido, aprendemos e conhecemos mais, quebramos mitos, desfazemos medos e podemos chegar mais próximos da realização de nosso mais profundos desejos de liberdade. (local da foto: Lago Van, Turquia) © Rafaela Asprino

Em nossas férias, fazemos viagens de bicicleta por lugares remotos, muitas vezes com poucas informações. Devido ao risco e a imprevisibilidade destes circuitos, chamamos de “viagens de aventura”.

Depois de todas as viagens de bicicleta que já fiz, o tipo que considero o melhor de todos são as viagens de aventura ou, se preferir, “cicloturismo de aventura”.

Movimento Bicicleta Brasil, chegada à Brasília. © Bicicleta Brasil arquivo-pessoal

Quando digo que é o melhor, é pela simples razão de que a palavra “aventura” é relativa, muda de pessoa para pessoa, e ainda pode evoluir com o tempo de vida da mesma pessoa.

Quando tinha 14 anos de idade e vivia em Ipaussu, no interior de São Paulo, pela primeira vez fui até o trevo da cidade e peguei uma carona até Ourinhos (27 km de distância). Esta foi a maior aventura da minha vida até então. Atualmente isso já não é uma aventura para mim.

Da mesma forma, posso descrever a primeira vez em que fui de bicicleta até Campo Largo/PR, perto de Curitiba (onde morava antes da volta ao mundo). Já percorrera este caminho várias vezes de moto, carro e ônibus, mas o fato de ir de bicicleta transformou a viagem em uma grande aventura que jamais esquecerei.

Viagem pelo Altiplano Andino, percorrendo os limites deslocados da fronteira da Bolívia e Chile. © Rafaela Asprino

Tanto para quem está começando e deseja ir de bicicleta até a cidade vizinha ou para quem já tem experiência e quer seguir viagem só com nosso guia na mão, a busca pelo desconhecido, pela aventura é, para nós, o melhor estilo de viagem, pois aventura em uma viagem sempre significa o próximo passo, a evolução, a busca do novo que está fora do cotidiano, aquilo que preciso ou quero para aprender e viver mais.

Acreditamos que as pessoas possam e devam tentar realizar seus sonhos de viagem de aventura. Para nós a aventura está ligada com o momento onde pisamos fora de nosso círculo de conhecimento, aquele espaço subjetivo onde nos sentimos confortáveis e seguros. Este sentimento de imprevisibilidade, de risco e medo, tem um sabor incrível. Quando, movidos por um desejo interno, ultrapassamos a barreira do conhecido, aprendemos e conhecemos mais, quebramos mitos, desfazemos medos e podemos chegar mais próximos da realização de nossos mais profundos desejos de liberdade.