Caminhos da Serra da Graciosa

Até a chegada dos colonizadores, em 1649, a planície litorânea era habitada somente por indígenas, das tribos carijó e tupi-guarani. A proximidade com o mar oferecia à eles uma temperatura agradável, muito alimento e possibilidade de navegação. E, ao lado da planície, nas inúmeras nascentes da Serra do Mar estava toda a água doce que precisavam, e muitas árvores frutíferas. O ambiente natural que se apresentava era propício para o desenvolvimento de qualquer civilização.

Caminho dos Jesuítas no Ribeirão do Tigre – Foto: Ivan Mendes © Lobi Ciclotur

Terra dos muitos Pinheiros

E, em algum momento, enquanto exploravam a região ao caminhar pela floresta, chegaram ao outro extremo da serra e encontraram um planalto recoberto por um outro tipo de vegetação, uma mata mista, que formava bosques esparsos, composto por uma espécie de árvores exóticas, que eles não conheciam. Essas árvores eram muito altas, com copa em forma de candelabro, e produziam um fruto saboroso. Haviam chegado a ‘terra dos muitos pinheiros”.

Caminhos da Serra da Graciosa – Foto: Ivan Mendes © Lobi Ciclotur

A partir de então começaram a chamar essa região de Planalto Curitibano, que em tupi-guarani significa um planalto cheio de pinheiros, e o fruto dessas árvores foi chamado de pinha, um tipo de fruto em formato radial, com sementes frutíferas. A floresta desconhecida era a Mata das Araucárias, um ecossistema associado a Mata Atlântica, que se desenvolve em lugares altos, de clima frio, com muita ocorrência de chuva e de preferência em solo calcário.

O Pinhão

Extremamente nutritivo e de sabor agradável, o pinhão rapidamente foi incorporado aos hábitos alimentares deles, que passaram a subir o planalto no outono em busca desse alimento. Faziam a escalada margeando os rios, e retiravam pedras do seu leito para marcar o caminho e não se perderem na volta. E assim, foram sendo construídas trilhas de acesso para atravessar a serra do mar com maior facilidade. 

Caminhos Históricos da Estrada da Graciosa – Foto: Ivan Mendes © Lobi Ciclotur

Os Caminhos Originais

Cada trilha dessas, terminava em um ponto geográfico diferente. Eram três traçados curvos, ocupando as bordas laterais e o centro da floresta. As trilhas laterais eram caminhos mais longos, a trilha do meio era o caminho mais curto até o topo da serra, e mais íngreme, apresentando maior dificuldade pra ser percorrido, especialmente na subida. Mas, apesar de todas as dificuldades, foram os únicos acessos possíveis, por mais de dois séculos, pós-colonização.

Mapa Ilustrativo do Caminhos da Serra da Graciosa – Por Henrique Paulo Schmidlin

Caminhos Históricos

Não se sabe exatamente em que período essas trilhas foram construídas mas, provavelmente, foi entre os séculos XVI e XVII, em momentos diferentes, e por tribos diferentes. Cada uma delas começava em uma localidade do litoral, seguia um traçado diverso e desembocava em um ponto específico do planalto. Esses traçados são tão importantes que permitiram o fluxo de pessoas e mercadorias por um longo período e serviram de base para a abertura de estradas.

Caminho da Graciosa

Pela trilha lateral direita, subindo a serra, o traçado original começa no fundo da baía de Antonina, seguindo o curso dos rios Graciosa, Nhundiaquara e São João, e avança em direção ao grande vale que abriga o rio Mãe Catira, para desembocar no distrito de Borda do Campo, no município de Quatro Barras. Posteriormente essa trilha ficou conhecida como Caminho da Graciosa e, em cima dela, foi aberta a Estrada da Graciosao lindo trajeto turístico por dentro da Mata Atlântica, que levou vinte anos para ser construído e foi finalizado em 1873.

Trecho Original da Estrada da Graciosa. Foto: Maycon Hoffmann

No entanto, a estrada foi projetada apenas sobre o percurso de 28 km, dentro da serra, excluindo parte da trilha que percorre a divisa da Serra do Mar com uma região chamada Ribeirão do Tigre, de aproximadamente 6 km, ainda intacto, que mantém o mesmo pavimento rústico de séculos atrás, e está interligado a outros monumentos históricos e a uma larga faixa de mata nativa.

Caminhos Históricos

Os caminhos históricos são conhecidos por termos indígenas, exceto o Caminho da Graciosa, que  foi assim chamado por atravessar a região que ficou conhecida dessa forma, em decorrência de uma espécie de gramínea encontrada em grande quantidade numa ilha de mesmo nome, quando chegaram os faiscadores, uma classe de garimpeiro que busca ouro nos aluviões, e se fixaram nas proximidades do estuário de Antonina. Atualmente, essa ilha se chama Corisco.

Caminhos da Serra da Graciosa na Trilha Salto da Fortuna Foto: Ivan Mendes © Lobi Ciclotur

A gramínea que deu nome a região é um tipo de vegetação rasteira, abundante na época, e cobria como um tapete verde-água o solo arenoso da planície e se estendia pela margem de um rio que ficou conhecido como Rio da Graciosa, que hoje se chama Curitibaiba. E como o rio vinha da serra, a cadeia montanhosa recebeu o mesmo nome. E, séculos depois, a estrada também . 

Caminho do Itupava

Essa é a trilha que passa por várias corredeiras, como indica o próprio termo indígena. É o trajeto do meio, entre os dois outros, e é o caminho mais curto pra atravessar a serra e também o mais difícil e mais inclinado. A trilha original começava em Morretes e terminava no centro de Curitiba, na altura do Passeio Público, acompanhando as margens dos rios São João, Ipiranga Belém. O traçado original tinha aproximadamente 50 km, e é o único que cruza com a ferrovia.

Caminho do Itupava –  Foto: Ivan Mendes © Lobi Ciclotur

E foi por essa trilha que os colonizadores chegaram até o planalto, e também foi o trajeto usado mais tarde pelos tropeiros. Hoje, o que resta dela é apenas o trajeto de 22 km, dentro da Mata Atlântica. A outra parte, desde a borda da serra, passando por Quatro Barras até chegar no Centro Cívico, desapareceu debaixo das ruas e edifícios da capital. A parte remanescente da trilha está totalmente preservada e pode ser acessada pelo planalto, através da Serra da Baitaca, ou pela localidade de Porto de Cima, em Morretes, na planície litorânea. 

Caminho do Arraial

Esse outro traçado lateral liga Paranaguá a São José dos Pinhais, e deu origem a BR 277. A trilha original começava na localidade de Porto dos Padres, e acompanha as margens dos rios Fortuna, Pinto e Arraial até a região metropolitana da capital. E, como o vocábulo indígena diz, o caminho leva até um pequeno povoado. Povoado dedicado ao garimpo, que se formou logo depois da colonização, às margens do rio de mesmo nome.

Estrada da Anhaia Rio do Pinto Foto: Ivan Mendes © Lobi Ciclotur

BR-277 foi construída em paralelo com essa antiga trilha e, em alguns pontos se sobrepõe à ela. Mas a maior parte da trilha original foi soterrada e destruída pela construção de um óleoduto,  ficando intacto apenas um pequeno trajeto, que pode ser acessado na altura do km 41 da estrada. O percurso leva a uma viagem de volta ao passado, por dentro da Mata Atlântica, e por construções centenárias de valor histórico e cultural incalculável.

Reserva Ecológica

O remanescente desse caminho passa por antigas casas dos senhores do engenho, alambiques  centenários, oratórios usados pelos trabalhadores da estrada de ferro, e por uma estação de trem no meio das montanhas, réplica das estações de trem italianas, ainda ativa, que recebe atualmente apenas turistas, especialmente montanhistas, que chegam na localidade para escalar o Pico Marumbi, e termina por desembocar em uma incrível e pouco conhecida reserva ecológica.

Estrada da Anhaia

A trilha então passa a ser chamada de Estrada da Anhaia, e pertence ao Parque do Pau Oco, localizado em Morretes, uma área de proteção ambiental importantíssima, que abriga o início desse antigo trajeto e leva o visitante para um cenário de tirar o fôlego. Com duas horas de caminhada, a partir da placa de boas vindas, travessia de dois rios e um pouco de esforço físico, surge uma queda d’água impressionante de uns 50 metros, que forma uma piscina natural de águas transparentes e geladas.

Caminho do Arraial, hoje Estrada da Anhaia – Foto: Ivan Mendes © Lobi Ciclotur

Salto da Fortuna

É o Salto da Fortuna. Uma cachoeira de beleza extraordinária, que produz o único som capaz de quebrar o silêncio da floresta. Um barulho estrondoso, formado pelo barulho da água que escorre da serra contra o paredão de pedra.

Parque do Pau Oco – Cachoeira Salto da Fortuna – Foto: Ivan Mendes © Lobi Ciclotur

Fortuna, em italiano, significa sorte. 

É o Salto da Sorte.

Sorte de quem, finalmente, chegou ao seu destino.

Turismo Ecológico

Os três Caminhos da Serra da Graciosa são sítios arqueológicos a céu aberto, e convidam para aventuras inesquecíveis, no coração da floresta. O Caminho de Itupava não admite nenhum tipo de veículo, apenas as caminhadas estão liberadas, e o percurso leva em torno de 7 horas para ser concluído. O Caminho da Graciosa pode ser feito de carro, mas a pé ou de bicicleta a beleza do trajeto poderá ser desfrutada demoradamente, em toda sua plenitude. E nas curvas sinuosas e fechadas do Caminho do Arraial, a prática do cicloturismo encontra seu maior e mais lindo desafio. 

Caminho do Arraial – Estrada da Anhaia – Foto: Ivan Mendes © Lobi Ciclotur

A porção paranaense da Serra do Mar é um dos lugares mais belos do mundo, e todos os Caminhos da Serra da Graciosa levam por lugares de beleza selvagem. Beleza apenas comparável, a sua importância. Pois juntamente com a Amazônia, o Pantanal matogrossense e o Chaco paraguaio, formam os maiores reservatórios de água do planeta.

Confira os trechos nos Mapas

Ilustração do Mapa: Anderson Sczuvetz Da Silveira
Ilustração do Mapa: Anderson Sczuvetz Da Silveira
Ilustração do Mapa: Anderson Sczuvetz Da Silveira
Ilustração do Mapa: Anderson Sczuvetz Da Silveira
Ilustração do Mapa: Anderson Sczuvetz Da Silveira
Ilustração do Mapa: Anderson Sczuvetz Da Silveira
Ilustração do Mapa: Anderson Sczuvetz Da Silveira

Produção: Ivan Mendes | Texto: Marisol F.  © Lobi Ciclotur